Sua Excelência
O Presidente da Assembleia da República
Palácio de S. Bento
1249-068 LISBOA
 
 
Lisboa, 27 de novembro de 2015
 
Sua referência
Sua comunicação
Nossa referência

 

 

 

 
S-PdJ/2015/15193
Q/3252/2015 (UT6)
 
RECOMENDAÇÃO N.º 2/B/2015
(alínea b), do n.º 1, do artigo 20.º da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, na redação da Lei n.º 17/2013, de 18 de fevereiro)
 
Assunto: Lei n.º 31/2009, de 3 de julho      
 
Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 20.º da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, na redação da Lei n.º 17/2013, de 18 de fevereiro, recomendo à Assembleia da República que:
Em respeito ao princípio da igualdade, sejam adotados os procedimentos necessários à clarificação do conteúdo normativo vertido no n.º 2 do artigo 10.º da Lei n.º 31/2009, de 3 de julho, em matéria de qualificação dos autores dos projetos de arquitetura, por forma a salvaguardar expressamente os direitos adquiridos aplicáveis à profissão de arquiteto, ao abrigo do disposto no artigo 49.º da Diretiva 2005/36/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de setembro de 2005, em relação também aos títulos de formação em engenharia civil obtidos em Portugal, tal como enumerados no anexo VI da citada Diretiva e no referente temporal do mesmo constante.
A presente Recomendação tem por base a motivação a seguir aduzida.
 
Enquadramento normativo
1. Antecipando a Recomendação que precede a intensa imbricação entre dois patamares de produção normativa – nacional e no âmbito da União Europeia –, trilhamos, em um primeiro momento, o percurso normativo conducente à problemática que nos ocupa, seguindo, fundamentalmente, uma ordem cronológica, em que o tempo que passa é escultor de uma realidade jurídica densa, mas incomplexa, não compartimentada no que pertence ao direito interno, de um lado, e ao direito da União, do outro. Sem prejuízo daquelas que são as esferas operativas próprias de cada um desses horizontes regulatórios – porque as há, com certeza –, entendo que essa é a abordagem que mais congruentemente revela o foco da questão que trago ao reparo do Parlamento, conforme a fundamentação que em um segundo momento espelho.
2. Pela Lei n.º 31/2009, de 3 de julho – diploma que, na redação dada mais recentemente pela Lei n.º 40/2015, de 1 de junho, estabelece a qualificação profissional exigível aos técnicos responsáveis pela elaboração e subscrição de projetos, coordenação de projetos, direção de obra pública ou particular, condução da execução dos trabalhos das diferentes especialidades nas obras particulares de classe 6 ou superior e de direção de fiscalização de obras públicas ou particulares –, foi revogado o Decreto n.º 73/73, de 28 de fevereiro.
3. Recorde-se que este último diploma, regendo então sobre «[a] qualificação dos técnicos responsáveis pelos projectos de obras sujeitas a licenciamento municipal» (n.º 1 do artigo 1.º do Decreto citado) e no que para a presente iniciativa releva, reconhecia, nesse âmbito, aos engenheiros civis, entre outros, a faculdade de elaborarem e subscreverem projetos de arquitetura.
4. Por seu turno, no decurso da vigência deste diploma emitido na década de 70, concretizava-se, em 1 de janeiro de 1986, a adesão de Portugal às então designadas Comunidades Europeias.
5. Situando-me neste específico patamar de produção normativa, observo que àquela data vigorava a Diretiva 85/384/CEE do Conselho, de 10 de junho de 1985, relativa ao reconhecimento mútuo dos diplomas, certificados e outros títulos do domínio da arquitetura, incluindo medidas destinadas a facilitar o exercício efetivo do direito de estabelecimento e de livre prestação de serviços.
6. Ancorada na afirmação da proibição do tratamento discriminatório em razão da nacionalidade, em matéria de estabelecimento e de prestação de serviços, foi desde logo relevado nas considerações preambulares da citada Diretiva (5.º considerando) «que a criação arquitectónica, a qualidade das construções, a sua inserção harmoniosa no ambiente circundante, o respeito das paisagens naturais e urbanas bem como do património colectivo e privado são do interesse público», de imediato se adiantando (ibid.):
que, por conseguinte, o reconhecimento mútuo dos diplomas, certificados e outros títulos deve basear-se em critérios qualitativos e quantitativos que garantam que os titulares dos diplomas, certificados e outros títulos reconhecidos estão aptos a compreender e traduzir as necessidades dos indivíduos, dos grupos sociais e das colectividades em matéria de organização do espaço, de concepção, organização e realização das construções, de conservação e valorização do património construído e de protecção dos equilíbrios naturais[.]
 
7. É certo a este respeito – importa frisá-lo – que «o reconhecimento mútuo dos diplomas, certificados e outros títulos pressupõe que tais diplomas, certificados e outros títulos permitam o acesso a determinadas actividades e o seu exercício no Estado-membro que os emitiu», conforme ficou igualmente afirmado em sede de considerações introdutórias à Diretiva 85/384/CEE (veja-se o 7.º considerando).
8. Sem estar em causa, com a adoção da Diretiva em causa, «dar uma definição jurídica das actividades no sector da arquitectura» (9.º considerando), no mesmo ato jurídico foi, outrossim, contextualizada uma realidade em que (10.º considerando):
na maioria dos Estados-membros, as actividades do domínio da arquitectura são exercidas, de direito ou de facto, por pessoas que possuem o título de arquitecto, acompanhado ou não de outro título, sem que essas pessoas beneficiem por isso de um monopólio do exercício dessas actividades, salvo disposições legislativas em contrário; que as actividades supracitadas, ou algumas delas, podem igualmente ser exercidas por outros profissionais, nomeadamente, engenheiros que tenham recebido uma formação específica no domínio da construção ou da arte de construir[.]
 
9. Neste enquadramento, a Diretiva 85/384/CEE fixou, para efeitos de reconhecimento mútuo, os requisitos mínimos das formações conducentes à obtenção dos diplomas, certificados e outros títulos que dão acesso às atividades do domínio da arquitetura com o título profissional de arquiteto (veja-se o Capítulo II da Diretiva).
10. Paralelamente, a Diretiva em questão não deixou, outrossim, de contemplar as situações respeitantes aos diplomas, certificados e outros títulos que dão acesso às atividades do domínio da arquitetura, por força de direitos adquiridos ou de disposições nacionais existentes (veja-se o Capítulo III da mesma Diretiva), aí se dispondo, no artigo 10.º, o que aqui deixo transcrito:
Cada Estado-membro reconhecerá os diplomas, certificados e outros títulos, referidos no artigo 11.º, concedidos pelos outros Estados-membros aos nacionais dos Estados-membros que sejam já titulares dessas qualificações à data da notificação da presente directiva ou que tenham iniciado os seus estudos, comprovados por esses diplomas, certificados e outros títulos, o mais tardar durante o terceiro ano académico seguinte a essa notificação, mesmo que não satisfaçam os requisitos mínimos dos títulos referidos no Capítulo II, atribuindo-lhes, no que diz respeito ao acesso às actividades referidas no artigo 1.º [atividades do domínio da arquitetura] e ao seu exercício, com a observância do artigo 23.º, o mesmo efeito no seu território que aos diplomas, certificados e outros títulos do domínio da arquitectura por ele emitidos.
 
11. No artigo 11.º foram então elencados taxativamente, em relação a cada um dos Estados membros, os diplomas, certificados e outros títulos a que o artigo 10.º, acabado de citar, se refere.
12. Por força da adesão de Portugal ao processo de integração que hoje se consubstancia na União Europeia, a Diretiva 85/384/CEE foi alterada, primeiro, pela Diretiva 85/614/CEE do Conselho de 20 de dezembro de 1985[1] e, logo após, pela Diretiva 86/17/CEE do Conselho de 27 de janeiro de 1986[2], alterações que produziram efeitos a 1 de janeiro de 1986. Neste sentido, foi aditada ao artigo 11.º da Diretiva 85/384/CEE a alínea k), listando, relativamente à formação obtida em Portugal, as seguintes habilitações:
¯ O diploma do curso especial de arquitetura emitido pelas Escolas de Belas-Artes de Lisboa e do Porto,
¯ O diploma de arquiteto emitido pelas Escolas de Belas-Artes de Lisboa e do Porto,
¯ O diploma do curso de arquitetura emitido pelas Escolas Superiores de Belas-Artes de Lisboa e do Porto,
¯ O diploma de licenciatura em arquitetura emitido pela Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa,
¯ A carta de curso de licenciatura em arquitetura, emitida pela Universidade Técnica de Lisboa e pela Universidade do Porto,
¯ Licenciatura em engenharia civil pelo Instituto Superior Técnico da Universidade Técnica de Lisboa,
¯ Licenciatura em engenharia civil pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto,
¯ Licenciatura em engenharia civil pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra,
¯ Licenciatura em engenharia civil, produção, pela Universidade do Minho.
 
13. Resulta do exposto que, entre os diplomas indicados neste âmbito, quanto à formação obtida em Portugal permitindo o acesso às atividades no domínio da arquitetura por força de direitos adquiridos, foram feitas constar as licenciaturas em engenharia civil de quatro instituições de ensino portuguesas.
14. A Diretiva 85/384/CEE foi transposta para a ordem jurídica interna mediante o Decreto-Lei n.º 14/90, de 8 de janeiro[3], aplicando-se este último «às actividades exercidas no domínio da arquitectura nos termos da legislação interna vigente» e regulando «os procedimentos a que o Estado Português se encontra vinculado perante a Comunidade Económica Europeia (CEE) em matéria de direito de estabelecimento e livre prestação de serviços» (artigo 1.º do diploma em causa).
15. No que diz respeito aos títulos de formação, dispôs o n.º 1 do artigo 3.º do citado Decreto-Lei[4] no sentido de serem «reconhecidos em Portugal os diplomas, certificados e outros títulos constantes das listas a que se refere o n.º 2 do artigo 7.º da Directiva n.º 85/384/CEE, concedidos na CEE aos nacionais de qualquer Estado membro, atribuindo-se-lhes (…) os mesmos efeitos que aos diplomas, certificados e outros títulos emitidos pelas competentes entidades portuguesas».
16. No tocante à questão dos direitos adquiridos, no artigo 4.º do mesmo Decreto-Lei ficou estabelecido o que passo a citar:
Artigo 4.º
Direitos adquiridos
1 – São reconhecidos os diplomas, certificados e outros títulos emitidos pelo Estado membro de origem antes da entrada em vigor das Directivas n.os 85/384/CEE e 85/614/CEE, bem como os que vierem a ser emitidos e digam respeito a uma formação iniciada o mais tardar no ano lectivo de 1987-1988, ainda que não respeitem as exigências mínimas de formação previstas na Directiva n.º 85/384/CEE, nos termos do capítulo III desta directiva.
2 – Aos diplomas, certificados e outros títulos referidos no número anterior são, no que respeita ao acesso e exercício das actividades mencionadas no artigo 1.º, atribuídos os mesmos efeitos que os conferidos em território português aos correspondentes diplomas, certificados e outros títulos emitidos pelas entidades portuguesas competentes.
 
17. Volvidas duas décadas sobre a sua publicação, a Diretiva 85/384/CEE, de recorte sectorial, foi revogada pela Diretiva 2005/36/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Setembro de 2005, relativa ao reconhecimento das qualificações profissionais, sob a esfera da qual se procedeu, nomeadamente, a uma sistematização de diversas diretivas sectoriais (entre as quais aquela aplicável às atividades do domínio da arquitetura), uniformizando-se os princípios aplicáveis na matéria. A Diretiva em causa foi alterada, por último, pela Diretiva 2013/55/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de novembro de 2013, consubstanciando ato jurídico relevante também para efeitos do Espaço Económico Europeu (EEE).
18. Conforme o disposto no segmento relevante do artigo 1.º da Diretiva 2005/36/CE, esta «estabelece as regras segundo as quais um Estado-Membro que subordina o acesso a uma profissão regulamentada ou o respectivo exercício no seu território à posse de determinadas qualificações profissionais [denominado “Estado-Membro de acolhimento”] reconhece, para o acesso a essa profissão e para o seu exercício, as qualificações profissionais adquiridas noutro ou em vários outros Estados-Membros [denominados “Estado-Membro de origem”] que permitem ao seu titular nele exercer a mesma profissão».
19. No que diz respeito às atividades profissionais de arquiteto, domínio que aqui especificamente nos ocupa, a Diretiva 2005/36/CE cimenta a livre circulação e o reconhecimento mútuo dos títulos de formação no princípio fundamental do reconhecimento automático dos títulos de formação, com base na coordenação das condições mínimas de formação[5], em todo o caso e em alinhamento com a Diretiva predecessora, mantendo expressamente a salvaguarda de um conjunto de direitos adquiridos aplicáveis nesta área (veja-se o n.º 1 do artigo 21.º da mesma Diretiva).
20. Deste feito, sob a epígrafe de “Direitos adquiridos específicos dos arquitetos”, preceitua-se no n.º 1 do artigo 49.º da Diretiva 2005/36/CE, o seguinte:
Os Estados-Membros reconhecem os títulos de formação de arquitecto enumerados no anexo VI, emitidos pelos outros Estados-Membros e que sancionem uma formação iniciada, o mais tardar, no decurso do ano académico de referência constante do referido anexo, mesmo que não satisfaçam as exigências mínimas definidas no artigo 46.º, atribuindo-lhes nos seus territórios, para efeitos de acesso às actividades profissionais de arquitecto e respectivo exercício, o mesmo efeito que aos títulos de formação de arquitecto por eles emitidos.
 
21. No anexo VI em questão manteve-se substantivamente inalterada, no que toca aos títulos obtidos em Portugal, a enumeração anteriormente vertida na Diretiva 85/384/CEE, aí se reiterando, entre os títulos de formação de arquiteto que beneficiam dos direitos adquiridos ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 49.º, os quatro diplomas universitários em engenharia civil já anteriormente citados, bem como a indicação do ano letivo de 1987/1988 como ano académico de referência.
22. A Diretiva 2005/36/CE foi transposta para a ordem jurídica interna mediante a Lei n.º 9/2009, de 4 de março[6], diploma que estabelece «o regime aplicável, no território nacional, ao reconhecimento das qualificações profissionais adquiridas noutro Estado membro da União Europeia por nacional de Estado membro que pretenda exercer, como trabalhador independente ou como trabalhador subordinado, uma profissão regulamentada não abrangida por outro regime específico» (n.º 1 do artigo 1.º da citada Lei).
23. Neste horizonte e relevando do reconhecimento automático de títulos de formação, com base na coordenação das condições mínimas de formação, a Lei n.º 9/2009, de 4 de março, em consonância com a Diretiva cuja transposição opera, salvaguarda os direitos adquiridos específicos de cada uma das profissões abrangidas, regendo, no tocante ao arquiteto, o disposto no artigo 46.º[7]. Sendo aí feita remissão, no n.º 1, para o anexo III do diploma parlamentar em causa, observa-se que nele vêm enumerados os títulos de formação de arquiteto que beneficiam dos direitos adquiridos ao abrigo dos n.os 1 e 2 do artigo 46.º em termos exatamente idênticos aos vertidos no anexo VI da Diretiva 2005/36/CEE, incluindo a menção dos próprios títulos de formação obtidos em Portugal[8].
 
24. Aproximando-me do termo deste esboço em torno das soluções normativas que vêm enquadrando a questão objeto da presente Recomendação, retorno ao diploma com que encetei este percurso e que o encerra cronologicamente – refiro-me à Lei n.º 31/2009, publicada quatro meses após a publicação da Lei n.º 9/2009, de 4 de março.
25. Dispondo a Lei n.º 31/2009, no momento presente, com as alterações decorrentes da Lei n.º 40/2015, de 1 de junho, sobre a qualificação profissional exigível aos técnicos responsáveis pela elaboração e subscrição de projetos, coordenação de projetos, direção de obra pública ou particular, condução da execução dos trabalhos das diferentes especialidades nas obras particulares de classe 6 ou superior e de direção de fiscalização de obras públicas ou particulares, aí se preceitua, no n.º 1 do artigo 4.º, que «[o]s projetos são elaborados e subscritos, nos termos da presente lei, e na área das suas qualificações e especializações, por arquitetos, arquitetos paisagistas, engenheiros e engenheiros técnicos, com inscrição válida em associação profissional, sem prejuízo do disposto no artigo 11.º».
26. Concretizando esse sentido normativo, o legislador determina, no n.º 1 do artigo 6.º, que «[o] projeto é elaborado, em equipa de projeto, pelos técnicos necessários à sua correta e integral elaboração, podendo apenas integrar, como autores de projeto, arquitetos, arquitetos paisagistas, engenheiros e engenheiros técnicos, executando tarefas na área das suas qualificações e especializações, nos termos indicados na presente lei».
27. Sobre a qualificação dos autores dos projetos relativos às operações e obras que recaem no âmbito de aplicação da Lei n.º 31/2009 (veja-se o n.º 1 do seu artigo 2.º), dispõe o artigo 10.º, aí se encontrando vertida determinação normativa, segundo a qual «[o]s projetos de arquitetura são elaborados por arquitetos com inscrição válida na Ordem dos Arquitetos» (n.º 2 do artigo 10.º).
28. Nesta mesma sede, não desatendeu, porém, o legislador às «exigências impostas pelo direito comunitário em matéria de profissões regulamentadas, nomeadamente no que respeita aos direitos adquiridos aplicáveis às profissões que são objeto de reconhecimento com base na coordenação das condições mínimas de formação, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 9 do artigo 4.º», segundo o disposto no n.º 5 do artigo 10.º da Lei n.º 31/2009.
29. Por seu turno, no n.º 9 do artigo 4.º do mesmo diploma determina-se que «[o] reconhecimento de qualificações obtidas fora de Portugal por técnicos nacionais de Estados do Espaço Económico Europeu é regulado pela Diretiva 2005/36/CE (…), transposta para o direito interno português pela Lei n.º 9/2009, de 4 de março (…)».
30. A Lei n.º 31/2009, que fixou novas exigências para o exercício das atividades abrangidas, iniciou a sua vigência em 1 de novembro de 2009[9], tendo implicado a revogação expressa e simultânea do Decreto n.º 73/73, de 28 de fevereiro[10], com a salvaguarda das disposições transitórias constantes dos artigos 25.º e 26.º.
31. As normas deste último preceito, atinente a obras públicas e fixando período transitório de 2 anos, contados da referida data de entrada em vigor da Lei n.º 31/2009, estão já caducas, esgotado que está o prazo transitório de exercício de funções sem as qualificações previstas na mesma Lei.
32. Por seu turno, caducou igualmente já o regime transitório vertido, no que ora releva, no n.º 1 do artigo 25.º, em que se estatui que os técnicos que vinham exercendo as suas atividades ao abrigo das normas pertinentes do Decreto n.º 73/73, de 28 de fevereiro, poderiam, até 1 de novembro de 2014, elaborar os projetos nelas previstas, desde que demonstrassem possuir experiência profissional nos cinco anos imediatamente precedentes.
33. Sem embargo, à luz do disposto no n.º 2 do mesmo preceito legal foi garantido àqueles técnicos a possibilidade de intervenção em projetos de alteração aos projetos da sua autoria, mesmo depois de 1 de novembro de 2014.
34. De igual modo, decorrido o mencionado período transitório de cinco anos, admite-se que os técnicos em questão possam ainda prosseguir a sua atividade, nos três anos seguintes (ou seja, até 1 de novembro de 2017), desde que façam prova de ter completado, até ao termo daquele período, pelo menos, 180 créditos ou três anos curriculares de trabalho (veja-se o n.º 4 do artigo 25.º, na redação atualmente vigente).
35. Em suma, aqui chegados observa-se que, nos termos do disposto no Decreto n.º 73/73, de 28 de fevereiro, os engenheiros civis podiam elaborar e subscrever projetos de arquitetura, com exceção dos que por lei estivessem reservados aos arquitetos.
36. Por força da Lei n.º 31/2009 foram fixadas novas exigências para o exercício de atividades relativas a determinadas operações e obras, determinando-se que a elaboração de projetos de arquitetura compete a arquitetos com inscrição válida na Ordem dos Arquitetos. Isto, sem prejuízo das exigências impostas pelo direito da União, nomeadamente no que diz respeito aos direitos adquiridos aplicáveis à profissão de arquiteto, as quais consignam, como decorre do anteriormente exposto, o reconhecimento mútuo, entre outros, de determinados títulos de formação em engenharia civil que habilitam ao exercício de atividades de arquitetura em Portugal.
37. Recorde-se que nas Diretivas comunitárias referidas são contempladas, a título de direitos adquiridos dos respetivos titulares, quatro licenciaturas em engenharia civil obtidas em território nacional, sancionado uma formação iniciada, o mais tardar, no decurso do ano letivo 1987/1988, que os demais Estados membros estão obrigados a reconhecer (atribuindo-lhes nos seus territórios, para o acesso às atividades profissionais de arquiteto e o respetivo exercício, o mesmo efeito que aos títulos de formação de arquiteto por eles emitidos), no pressuposto (caso contrário não constariam da lista de diplomas aprovada) de que as licenciaturas em questão habilitam ao exercício de atividades no domínio da arquitetura no próprio Estado que as emitiu, isto é, Portugal.
38. Sucede que as posições jurídicas subjetivas deste universo de engenheiros civis que obtiveram os seus títulos de formação no nosso país, nas condições taxativamente firmadas, quer no anexo VI da Diretiva 2005/36/CE, quer no anexo III da respetiva Lei de transposição (a Lei n.º 9/2009, de 4 de março), não têm logrado, junto de alguns aplicadores do direito, a proteção que julgo que lhes assiste, a título de direitos adquiridos, para efeitos de poderem continuar a elaborar projetos de arquitetura no país da sua formação. Das razões deste meu entendimento me ocupo mais detalhadamente em seguida.
 
II. A questão controvertida, conflito interpretativo gerado e senda da sua superação
39. Ante o enquadramento jurídico acabado de delinear, coloca-se destarte a questão da salvaguarda, para efeitos da elaboração de projetos de arquitetura em Portugal, daquele círculo de engenheiros civis que, tendo iniciado a sua formação, o mais tardar, no ano letivo de 1987/1988, obtiveram um dos quatro diplomas universitários em engenharia civil de instituições de ensino portuguesas, tal como listados no anexo VI da Diretiva 2005/36/CE (e, já anteriormente, no artigo 11.º da Diretiva 85/384/CEE), incluindo no próprio anexo III da Lei n.º 9/2009, de 4 de março (e, em momento precedente, por remissão feita no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 14/90, de 8 de janeiro).
40. De outro modo dito, discute-se a problemática em torno do respeito, em território nacional, dos direitos adquiridos aplicáveis no domínio das atividades de arquitetura, relativamente a um universo restrito de engenheiros civis, licenciados em Portugal, com formação iniciada, no limite, no ano letivo de 1987/1988, correspondente a uma das quatro licenciaturas seguintes: licenciatura em Engenharia Civil pelo Instituto Superior Técnico da Universidade Técnica de Lisboa; licenciatura em Engenharia Civil pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto; licenciatura em Engenharia Civil pela Faculdade de Ciências e de Tecnologia da Universidade de Coimbra; licenciatura em Engenharia Civil, produção, pela Universidade do Minho.
41. Permito-me alertar a Assembleia da República para a circunstância de, no patamar da respetiva relevância prática, a questão vertente não ser despicienda, porquanto o quadro jurídico vigente tem gerado entendimentos opostos por parte dos aplicadores do direito, desde logo, várias entidades administrativas, com efeitos perniciosos para os engenheiros civis afetados, titulares das referidas posições jurídicas subjetivas.
42. Concretizando e em síntese: de um lado, Câmaras Municipais há que, ante o estatuído no n.º 2 do artigo 10.º da Lei n.º 31/2009 e, nomeadamente, com a alegação de que este diploma, na sua redação vigente, não transpôs para a ordem jurídica nacional uma norma de proteção que garanta os direitos adquiridos invocados pelo referido círculo de engenheiros civis, não lhes reconhecem a qualificação para subscrever projetos de arquitetura, caso pretendam sujeitar a licenciamento municipal projetos dessa tipologia e fora do regime transitório fixado no artigo 25.º daquela Lei; do outro, perfilam-se Câmaras Municipais que, com invocação, seja do princípio da igualdade que deve reger a atividade administrativa (e do entendimento segundo o qual a negação, àqueles engenheiros civis, do direito de elaborarem e subscreverem projetos de arquitetura gera situações de discriminação inversa), seja do respeito devido às exigência impostas pelo direito da União em matéria de profissões regulamentadas, já aceitam, para efeitos de elaboração e subscrição de projetos de arquitetura, as declarações emitidas pela Ordem dos Engenheiros relativas aos direitos adquiridos por parte destes engenheiros civis, tal como acolhidos em sucessivas diretivas comunitárias, a última das quais a Diretiva 2005/36/CE, transposta para a ordem jurídica nacional pela Lei n.º 9/2009, de 4 de março.
43. Ademais, teve-se conhecimento do entendimento assumido em sede de reunião de coordenação jurídica realizada, em 22 de setembro, entre a Direção-Geral das Autarquias Locais, as cinco Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional e a Inspeção-Geral de Finanças. Assim, após o enquadramento legal da questão e da sinalização das posições antagónicas adotadas, outrossim, pela Ordem dos Engenheiros e a Ordem dos Arquitetos a este respeito (a primeira, conforme naquela mesma sede expresso, entendendo «que o teor do artigo 49.º, n.º 1, da Diretiva e 2005/36/CE e o ponto 6 do seu anexo VI conferem aos engenheiros civis formados pelas instituições portuguesas aí referidas o direito adquirido a elaborar e subscrever projetos de arquitetura em Portugal, desde que tenham iniciado o respetivo curso no ano letivo de 1987/1988»; a segunda, «que a Diretiva é aplicável a um nacional de um Estado-Membro diferente daquele em que adquiriu as suas qualificações profissionais – excluindo assim os nacionais onde adquiriram as suas qualificações profissionais»), foi aprovada, por unanimidade, a seguinte conclusão:
a interpretação correta dos textos legais é feita, na [respetiva] ótica, pela Ordem dos Arquitetos (os engenheiros civis portugueses com licenciaturas iniciadas no ano letivo de 1987/1988 podem exercer a profissão de arquiteto num Estado-Membro da Comunidade Europeia mas não no nosso país), sendo no entanto esta regra claramente violadora do princípio da igualdade inserto no artigo 13.º da nossa Constituição.
 
44. Nesse encadeamento, foi manifestado na mesma reunião de coordenação jurídica que a apreciação de tal violação compete aos tribunais.
45. Registe-se, em um outro patamar, que semelhante entendimento foi seguido, por seu turno, pelo Gabinete Jurídico da Associação Nacional de Municípios Portugueses.
46. Neste horizonte, permita-me, Senhor Presidente, realçar que não compete ao Provedor de Justiça, atento o recorte constitucional e estatutário deste órgão do Estado, pronunciar-se sobre ou submeter a crítica as decisões político-legislativas relativas às qualificações exigíveis para a elaboração de projetos de arquitetura[11].
47. Distintamente, vislumbrando na presente situação um conflito interpretativo a respeito das normas que regem a matéria em causa, com a presente iniciativa pretendo, no quadro das competências próprias atribuídas ao Provedor de Justiça, instar à respetiva superação, afigurando-se muito urgente uma solução que garanta uma decisão uniforme na problemática em debate, cuja bondade constitucional não suscite dúvidas.
48. Nesse sentido e em um olhar largo sobre a envolvente jurídico-normativa da questão, não creio que, efetivamente, possam ser desconsideradas as normas vertidas nas sucessivas Diretivas anteriormente citadas e transpostas para o ordenamento jurídico português que salvaguardam direitos adquiridos aplicáveis a um conjunto de profissões – entre as quais a de arquiteto[12] – que são objeto de reconhecimento no espaço da União Europeia com base na coordenação das condições mínimas de formação, ali se arrolando, justamente, um conjunto de títulos de formação de arquiteto que conferem direitos adquiridos aos respetivos titulares, incluindo engenheiros civis formados em determinadas instituições de ensino superior portuguesas, em um dado lapso temporal.
49. É que, tendo as Diretivas em causa por objeto a matéria do reconhecimento mútuo de diplomas, certificados e outros títulos, importa não perder de vista, no que se me afigura consubstanciar o aspeto nuclear da questão suscitada, que a lógica do reconhecimento mútuo está ancorada na assunção de que os títulos de formação em causa permitem o acesso a determinadas atividades e o seu exercício no próprio Estado membro que os emitiu – nesse exato sentido veja-se já o 7.º considerando da Diretiva 85/384/CEE.
50. Em sintonia com esta compreensão das coisas se perfilam igualmente os preceitos inaugurais da própria Diretiva 2005/36/CE. Recordo que aí se dispõe, no que ora releva, que a Diretiva em causa regula o reconhecimento, pelo Estado de acolhimento, para efeitos do acesso a profissão regulamentada e do seu exercício no respetivo território (estando aquela subordinada à posse de determinadas qualificações profissionais), justamente das qualificações profissionais obtidas pelo interessado em outro(s) Estado(s) membro(s) (Estado membro de origem), as quais permitem ao seu titular nele exercer a profissão visada (veja-se, em particular, em sede das “Disposições Gerais” da Diretiva 2005/36/CE, o disposto no primeiro segmento do artigo 1.º e no n.º 1 do artigo 4.º).
51. Conforme expressa, por seu turno, o Tribunal de Justiça (Acórdão Angerer, cit., n.º 36):
No que diz respeito ao objetivo da Diretiva 2005/36, decorre dos respetivos artigos 1.° a 4.° que o objeto essencial do reconhecimento mútuo é o de permitir ao titular de uma qualificação profissional que lhe dá acesso a uma profissão regulamentada no seu Estado-Membro de origem aceder, no Estado-Membro de acolhimento, à mesma profissão para a qual está qualificado no Estado-Membro de origem e aí a exercer nas mesmas condições dos nacionais (acórdão Ordem dos Arquitetos, C‑365/13, EU:C:2014:280, n.º 19).
 
52. Em suma, é semelhante compreensão que adensa o princípio da confiança mútua entre os Estados membros, em que se esteia o sistema de reconhecimento de qualificações profissionais no espaço da União Europeia, destinado a franquear o exercício de atividades profissionais em um espaço geográfico mais alargado, ao abrigo de um título de formação de origem.
53. Neste sentido, a enumeração, entre os títulos de formação de arquiteto que beneficiam dos direitos adquiridos ao abrigo do n.º 1 do artigo 49.º da Diretiva 2005/36/CE, dos quatro diplomas universitários em engenharia civil, pelas instituições de ensino portuguesas indicadas (com formação iniciada até ao decurso do ano letivo de 1987/1988), não pode deixar de significar, da parte do Estado português, o seu acordo quanto à valência da «formação específica no domínio da construção ou da arte de construir» recebida por esse universo mais restrito de engenheiros civis para o exercício de atividades no domínio da arquitetura no nosso próprio país.
54. Repito: anuir na inclusão das referidas formações universitárias em engenharia civil, obtidas em Portugal, para efeitos do exercício das atividades profissionais de arquiteto nos demais Estados membros, implica necessariamente reconhecer que essas formações, sem embargo de não satisfazerem as exigências mínimas entretanto fixadas ao nível da União Europeia (veja-se o artigo 46.º da Diretiva 2005/36/CE), habilitam, ainda assim, sob as vestes de direitos adquiridos dos respetivos titulares, ao exercício das referidas atividades, também no território nacional.
55. É este, aliás, o compromisso das competentes autoridades portuguesas para com os demais Estados membros no quadro do reconhecimento das qualificações profissionais, como de resto não pode deixar de ser em relação ao restante corpo das normas emanadas pelo legislador da União Europeia, quando o Estado português aceitou «convencionar o exercício, em comum, em cooperação ou pelas instituições da União, dos poderes necessários à construção e aprofundamento da união europeia» (n.º 6 in fine do artigo 7.º da Constituição da República Portuguesa).
56. Revela-se, destarte, absolutamente paradoxal – sublinhando, ademais, incompreensão quanto ao significado, em um sentido materialmente valioso, de ser cidadão europeu em espaço de regulação comum (edificado também sobre o mercado único), com um estatuto associado de titularidade e gozo efetivo de direitos fundamentais – afirmar que aquele círculo de engenheiros civis pode exercer atividades de arquitetura no espaço da União (e mais latamente do EEE), mas não em Portugal, o próprio Estado da sua formação.
57. Neste sentido, negar aos titulares dos diplomas em engenharia civil pelas Universidades portuguesas, enunciados no anexo VI da Diretiva 2005/36/CE e no anexo III da Lei n.º 9/2009, de 4 de março, a possibilidade de elaborar e subscrever projetos de arquitetura em Portugal, quando os mesmos diplomas universitários foram enumerados como habilitando ao exercício de atividades no domínio da arquitetura nos demais Estados membros configurará, por parte das autoridades portuguesas, um autêntico venire contra factum proprio.
58. Esta contradição é tanto mais grave quanto é certo surgir no quadro de profissão (a de arquiteto) que, em consonância com a harmonização operada no seio da União Europeia, tem reconhecimento automático ao abrigo da Diretiva 2005/36/CE e, por sobre tudo, gerar situações de intolerável tratamento discriminatório.
59. Quanto ao sentido do reconhecimento automático, permito-me aqui realçar o entendimento evidenciado pela jurisprudência comunitária, nomeadamente tal como expresso no Acórdão do Tribunal de Justiça de 30 de abril de 2014 (Ordre des architectes, C-365/13, n.º 24):
o sistema de reconhecimento automático das qualificações profissionais previsto, quanto à profissão de arquiteto, nos artigos 21.°, 46.° e 49.° da Diretiva 2005/36, não deixa nenhuma margem de apreciação aos Estados-Membros. Deste modo, se um nacional de um Estado-Membro for titular de um dos títulos de formação e dos certificados complementares que figuram no ponto 5.7.1. do anexo V ou no anexo VI desta diretiva, deve poder exercer a profissão de arquiteto noutro Estado-Membro sem que este último lhe possa impor a obtenção de qualificações profissionais suplementares, ou a prova de que as obteve.
 
60. Já no tocante ao tratamento discriminatório, note-se que os engenheiros civis com determinada formação obtida em Portugal (concretamente, qualquer uma das quatros licenciaturas em engenharia civil enumeradas no anexo VI da Diretiva 2005/36/CE) não podem exercer em território nacional atividades profissionais relevando do domínio da arquitetura, as quais estão autorizados a exercer, por força dessa mesma Diretiva, no demais espaço da União Europeia.
61. Tratamento discriminatório ainda, porquanto indivíduos com uma formação em engenharia civil obtida em outro Estado membro que não Portugal e cujo título venha enumerado no mesmo anexo VI estarão autorizados a exercer em Portugal, por força do artigo 49.º da Diretiva 2005/36/CE, atividades no domínio da arquitetura, quando os títulos de formação em engenharia civil concedidos pelas quatro universidades portuguesas ali também enumerados não consubstanciam, em relação aos respetivos titulares, habilitação com efeitos profissionais equivalentes no nosso próprio país.
62. Isto, repito, quando é certo que é condição da sua inclusão naquele anexo que esses títulos de formação habilitem para o exercício das atividades em causa no Estado membro de origem.
63. Os contextos descritos geram, outrossim, para os engenheiros civis portugueses, efetivamente uma situação de discriminação inversa (discrimination à rebours; reverse discrimination). Esta ocorre quando um Estado membro trata desfavoravelmente os seus próprios cidadãos face aos de outros Estados membros da União Europeia[13].
64. Neste circunstancialismo, independentemente da questão do campo de aplicação territorial da proibição da discriminação em razão da nacionalidade, ao abrigo dos Tratados fundadores e da própria Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia – questão que, em última instância, pode ser dirimida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia –, a situação descrita de tratamento discriminatório dos engenheiros civis que obtiveram os seus títulos em Portugal, tal como constam do anexo VI da Diretiva e do anexo III da Lei n.º 9/2009, de 4 março, não é aceitável, em primeira linha, por força dos princípios fundamentais estruturantes do nosso Estado de Direito, matricialmente ancorado no respeito pelos direitos fundamentais.
65. Na verdade, é contrária ao princípio constitucional da igualdade uma solução de direito interno que autorize os engenheiros civis com títulos de formação obtidos em outros Estados membros que não em Portugal, que lhes permitem o acesso às atividades no domínio da arquitetura, constando expressamente nos referidos anexos, sem autorizar igualmente os engenheiros civis licenciados por uma das instituições de ensino portuguesas mencionadas nos mesmos anexos a exercerem atividades no domínio da arquitetura em território nacional.
66. A coerência ou «unidade do sistema jurídico» (n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil), mesmo em um horizonte de hipercomplexidade normativa – como é o caso, dada a imbricação entre espaços distintos de produção de normas jurídicas – reclama, à partida, uma interpretação da norma constante do n.º 2 do artigo 10.º da Lei n.º 31/2009 em conformidade com as exigências da igualdade de tratamento e da não discriminação, por forma a ficarem salvaguardados, também em território português, os direitos adquiridos aplicáveis à profissão de arquiteto relativamente aos títulos de formação em engenharia civil obtidos em Portugal, nas condições do artigo 49.º da Diretiva 2005/36/CE, isto é, aqueles que vêm expressamente referidos no anexo VI e replicados no anexo III da Lei n.º 9/2009, de 4 de março. Porém, conforme aludi, observa-se no momento presente um posicionamento extremado em torno do alcance da determinação legislativa em matéria do reconhecimento da faculdade de elaboração de projetos de arquitetura.
67. O dissenso revelado, denotando uma clara ausência de uniformidade de critério na interpretação e aplicação do normativo vertido no n.º 2 do artigo 10.º da Lei n.º 31/2009, não serve a estabilidade das relações jurídicas que o direito é chamado a nutrir, gerando nos engenheiros civis afetados – cidadãos de carne e osso – a perturbação da normal decorrência das suas vidas profissionais e pessoais, o que não é aceitável em um Estado de Direito. Que é, por antonomásia, um Estado de bem.
68. Razão pela qual, a presente situação reclama, no meu entendimento, uma clarificação urgente, mediante ato de vontade parlamentar, legitimada democraticamente, com o reconhecimento expresso dos direitos adquiridos dos engenheiros civis com títulos de formação obtidos em Portugal, nas condições previstas no artigo 49.º da Diretiva 2006/36/CE, tal como transposta pela Lei n.º 9/2009, de 4 de março.
            Esperando que a presente Recomendação possa merecer o acolhimento na forma que o alto critério do Parlamento entender adequada, apresento a Vossa Excelência os meus mais respeitosos cumprimentos,
 
 
 
O Provedor de Justiça,
 
 
José de Faria Costa


[1] Diretiva 85/614/CEE do Conselho de 20 de Dezembro de 1985, que altera, na sequência da adesão de Espanha e Portugal, a Diretiva 85/384/CEE.
[2] Diretiva 86/17/CEE do Conselho de 27 de Janeiro de 1986 que altera, em função da adesão de Portugal, a Diretiva 85/384/CEE (com retificação publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, n.º L 87, de 2 de abril de 1986).
[3] Alterado pelo Decreto-Lei n.º 241/2003, de 4 de outubro.
[4] Inciso numérico introduzido na sequência do Decreto-Lei n.º 241/2003, de 4 de outubro, conservando, porém, o teor normativo primevo do preceito em questão.
[5] Quanto às condições de formação de arquiteto estabelecidas, veja-se o disposto no artigo 46.º da mesma Diretiva.
[6] Alterada, por último, pela Lei n.º 25/2014, de 2 de maio. Entre outros diplomas, a Lei n.º 9/2009, de 4 de março, revogou os anteriormente mencionados Decretos-Leis n.º 14/90, de 8 de janeiro, e n.º 241/2003, de 4 de outubro.
[7] Transcreve-se aqui o teor normativo do n.º 1 do artigo 46.º: «A autoridade competente reconhece os títulos de formação de arquitecto previstos no anexo iii que atestem uma formação iniciada, o mais tardar, no decurso do ano académico de referência constante do referido anexo [a saber, 1987/1988], mesmo que não satisfaçam as exigências mínimas definidas no artigo 43.º».
[8] O anexo III da Lei n.º 9/2009, de 4 de março, foi, por último, republicado no anexo II à Lei n.º 25/2015, de 30 de março.
[9] Veja-se o artigo 29.º da Lei n.º 31/2009.
[10] Veja-se ainda o artigo 28.º da Lei n.º 31/2009.
[11] Note-se, aliás, que nem as próprias Diretivas invocadas na presente Recomendação pretendem «regulamentar as condições de acesso à profissão de arquiteto» ou «definir a natureza das atividades a exercer pelos seus membros», para parafrasear o Acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de abril de 2015 (Angerer, C-477/13, n.os 47 e 48).
[12] Recorde-se, por referência ao conceito de “arquiteto” mobilizado no patamar de produção normativa da União Europeia, o que consta do 28.º considerando da Diretiva 2005/36/CE: «As regulamentações nacionais no domínio da arquitectura relativas ao acesso às actividades profissionais de arquitecto e ao seu exercício têm um alcance muito variado. Na maioria dos Estados-Membros, as actividades do domínio da arquitectura são exercidas, de direito ou de facto, por pessoas que possuem o título de arquitecto, acompanhado ou não de outro título, sem por isso beneficiarem de um monopólio de exercício dessas actividades, salvo disposições legislativas em contrário. As referidas actividades, ou algumas delas, poderão igualmente ser exercidas por outros profissionais, nomeadamente engenheiros que tenham recebido uma formação específica no domínio da construção ou da arte de construir. No intuito de simplificar a presente directiva, importa ter como referência o conceito de «arquitecto», a fim de delimitar o âmbito de aplicação das disposições relativas ao reconhecimento automático dos títulos de formação no domínio da arquitectura, sem prejuízo da especificidade das regulamentações nacionais que regem estas actividades.»
[13] Note-se, ainda assim, que relevando na situação vertente, não a nacionalidade dos engenheiros civis que possam invocar direitos adquiridos ao abrigo da Diretiva, para efeitos de exercício de atividades no domínio da arquitetura, mas, distintamente, o Estado membro em que obtiveram a respetiva formação, resultam, de igual modo, discriminados negativamente cidadãos de outros Estados membros que eventualmente possam ter obtido o seu diploma universitário em Portugal, nas condições recortadas no anexo VI da Diretiva 2005/36/CE.