Exma. Senhora

Presidente do Conselho Diretivo do

Instituto de Segurança Social, I.P.

Rua Rosa Araújo, nº 43

1250-194 Lisboa 

 

 

Sua referência

Sua comunicação

Nossa referência

CD-28063/2015

 

  03/03/2015

S-PdJ/2015/4176

Q-07604/14 (UT4)

 

Lisboa, 17 de julho de 2015

 

Assunto: Processo de racionalização de efetivos

 

 

Recomendação n.º 5/A/2015

(alínea a), do n.º 1, do artigo 20.º, da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, na redação dada pela Lei n.º 17/2013, de 18 de fevereiro)

 

            Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 20.º, da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, na redação dada pela Lei n.º 17/2013, de 18 de fevereiro, e em face da motivação seguidamente apresentada, recomendo a V. Exa que:

            revogue os atos que, no âmbito do processo de racionalização de efetivos do Instituto de Segurança Social, I.P. (ISS, IP), determinaram a colocação de trabalhadores em situação de requalificação, com as legais consequências.

 

§1.º – Considerações prévias

1 – A Federação Nacional dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais (FNSTFPS) bem como vários trabalhadores do ISS, IP, dirigiram-se ao Provedor de Justiça contestando a legalidade do processo de racionalização de efetivos levado a cabo por esse Instituto e que entretanto culminou com a colocação de mais de 600 trabalhadores em situação de requalificação.

2 – Analisado o estudo de avaliação organizacional em que assentou o processo de racionalização de efetivos e em sede de audição prévia[1], foi solicitado à antecessora de V. Exa que, à luz das considerações então tecidas, se pronunciasse, designadamente, no que respeita:

 

i)          À não aplicação do regime de transmissão dos contratos de trabalho, relativamente aos trabalhadores que exerciam funções em estabelecimentos integrados do ISS, IP cuja gestão foi transferida para a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e para Instituições Particulares de Solidariedade Social;

ii)        À insuficiente fundamentação do estudo de avaliação organizacional quanto à determinação dos postos de trabalho necessários;

iii)      À inobservância do direito de participação das associações sindicais, legalmente estabelecido.

3 – Em resposta, através da comunicação em referência foi sustentada a conformidade legal do processo em apreço, em termos que cumpre agora apreciar.

 

§2.º – Apreciação

 

I – Da aplicabilidade do regime de transmissão dos contratos de trabalho no âmbito da transferência de estabelecimentos integrados para a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa

1 – Na pronúncia obtida é defendido que o regime jus-laboral imperativo de proteção dos trabalhadores em caso de transmissão ou cedência de estabelecimento, imposto pela Diretiva 2001/23/CE do Conselho, de 12/03/2001, não é aplicável ao ISS, IP.

Isto porque, estatuindo-se na alínea c), n.º 1, do artigo 1.° daquele normativo que «a reorganização administrativa de instituições oficiais ou a transferência de funções administrativas entre instituições oficiais não constituem uma transferência na aceção da presente directiva», é alegado ter sido «isso o que sucedeu – uma reestruturação administrativa pura, ou seja, uma reordenação das atividades levadas a cabo por determinada entidade administrativa (ISS, IP), passando algumas das atividades a ser prestadas por outra entidade administrativa (SCML) – transmissão de competências, de um ente público para outro ente público.»

Em sustento desta posição é invocado o acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, de 15.10.1996 que, referindo-se à Diretiva antecedente à 2001/23/CE[2], considerou que «o artigo 1.°, n.º 1, da Diretiva 77/187/CEE, do Conselho, de 14 de Fevereiro de 1977 (…) deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «transferência de empresa, estabelecimento ou parte de estabelecimento» não abrange a transferência de atribuições administrativas de um município para uma associação de municípios (…).»

2 – Sucede que, para além da natureza jurídica da SCML não poder ser reconduzida a uma entidade administrativa[3] nem, tão pouco, estarmos perante a transferência de funções administrativas[4],[5], certo é que no que a esta entidade respeita o que está em causa é o mero cumprimento do Decreto-Lei n.º 16/2011, de 25 de janeiro, diploma em que esta matéria é expressamente regulada.

Com efeito, como se assinalou na nossa anterior comunicação, o Decreto-Lei n.º 16/2011, de 25 de janeiro, veio aplicar à situação concreta da cedência dos estabelecimentos à SCML o princípio, há muito vigente, quer no direito nacional quer no direito comunitário, de tutela dos trabalhadores no caso de transmissão de estabelecimento ou unidade económica.

Na verdade, determina o referido Decreto-Lei n.º 16/2011, de 25 de janeiro, que os trabalhadores que se encontrem a exercer funções nos estabelecimentos por ele abrangidos, «mantêm o seu estatuto jurídico-funcional de origem, designadamente em matéria de vínculo, regime de proteção social, carreiras e tempo de serviço», passando a SCML «a exercer as competências relativas à gestão desses trabalhadores, nomeadamente as respeitantes a matérias de avaliação do desempenho, poder disciplinar, gestão das carreiras e remunerações» (cf. n.º 1 e n.º 2 do seu artigo 5.º).

 

E, nos termos do artigo 11.º daquele diploma legal:

«1 – No caso de se operar a conversão da cedência temporária em transmissão definitiva, a que se refere o n.º 3 do artigo 3.º, os trabalhadores transitam para um mapa de pessoal residual da SCML, ao qual é aplicável o regime jurídico dos trabalhadores que exercem funções públicas, mantendo os trabalhadores o seu estatuto jurídico-funcional, designadamente em matéria de vínculo, regime de protecção social, carreiras, tempo de serviço e remunerações.

2 – A transição é feita mediante lista nominativa aprovada pelo membro do Governo responsável pelo trabalho e solidariedade social, a publicar na 2.ª série do Diário da República.

3 – Os trabalhadores referidos no n.º 1 podem optar pelo regime de contrato individual de trabalho, no prazo de 60 dias a contar da data da publicação a que se refere o número anterior, sendo esse direito exercido mediante declaração escrita, individual e irrevogável, dirigida ao provedor da SCML.

4 – A celebração do contrato individual de trabalho implica a exoneração do lugar de origem e a cessação do vínculo à Administração Pública, produzindo efeitos com a publicação na 2.ª série do Diário da República. (…)».

 

Ora, a conversão da cedência temporária em transmissão definitiva dos estabelecimentos em causa veio a concretizar-se a 1 de janeiro de 2014, nos termos do Protocolo de Colaboração entre o ISS IP e a SCML, celebrado a 11 de novembro de 2013 e homologado em 9 de dezembro de 2013, cuja cópia nos foi remetida.

4 – E assim, continua a não se encontrar justificação legal para que – como é referido no estudo de avaliação organizacional – tenha sido provocado o regresso de trabalhadores ao ISS, IP, «por impossibilidade da SCML prolongar/renovar as situações de cedência de pessoal aquando da revisão dos contratos de gestão em 2013, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 16/2011»; circunstância que põe em causa a validade da colocação destes trabalhadores em situação de requalificação.

Na verdade, como foi assinalado anteriormente, a continuidade do exercício de funções dos trabalhadores nos estabelecimentos cedidos decorre de imposição legal, pelo que a definição da situação jurídico-funcional dos trabalhadores dos estabelecimentos cedidos constitui matéria subtraída à disponibilidade dos outorgantes do contrato de gestão.

 

II – Da aplicabilidade do regime de transmissão dos contratos de trabalho no âmbito da cedência de gestão de estabelecimentos integrados para as Instituições Particulares de Solidariedade Social

1 – Na pronúncia em análise não são tecidas quaisquer considerações sobre a aplicabilidade do regime de transmissão dos contratos de trabalho no âmbito da cedência de gestão de estabelecimentos integrados para as Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS), sendo certo que não deixámos de a solicitar, assinalando não se vislumbrarem a este propósito motivos válidos para que não seja observado o regime jus-laboral imperativo de proteção dos trabalhadores em caso de transmissão ou cedência de estabelecimento, que então expusemos.

Do mesmo modo, embora nos tenha sido indicado o número de trabalhadores do ISS, IP, que se mantêm em exercício de funções em cada um dos estabelecimentos em causa, não nos foi comunicado o número dos que ficaram sem posto de trabalho atribuído, informação que igualmente se solicitou.

E mais nos foi informado que relativamente aos procedimentos concretamente adotados com as entidades adjudicatárias no que respeita à seleção dos trabalhadores pertencentes ao mapa de pessoal do ISS, IP que ali se mantiveram em funções, «o ISS, IP não teve qualquer intervenção no processo e seleção, tratando-se de matéria da competência das próprias entidades adjudicatárias e da vontade dos trabalhadores envolvidos.»

2 – Ora, regista-se, desde logo, que, mesmo que fosse válida, a argumentação que nos foi transmitida e que acima reproduzi não poderia ser extensível à cedência de gestão de estabelecimentos integrados para as IPSS, atenta a natureza privada destas entidades.

E certo é que tal cedência inscreve-se no âmbito de aplicação da Diretiva 2001/23/CE, pois que, como refere a alínea a), do n.º 1, do seu artigo 1.º, esta «é aplicável à transferência para outra entidade patronal de uma empresa, estabelecimento ou parte de empresa ou estabelecimento», sendo considerada transferência, na aceção da mencionada Diretiva nos termos do disposto na alínea b), n.º 1, do seu artigo 1.º, «a transferência de uma entidade económica que mantém a sua identidade (…).» Como realça Ana Fernanda Neves[6], citando o acórdão Scattolon, trata-se de um «qualquer conjunto de pessoas e de elementos que permita o exercício de uma atividade económica que prossegue um objetivo próprio e que é suficientemente estruturada e autónoma».

Registe-se, como aliás é expressamente assinalado no acórdão referido, que o conceito de atividade económica abrange serviços sem fins lucrativos cuja prestação reveste-se de interesse público, designadamente aqueles que se reconduzem à realização de tarefas de assistência pública. Neste contexto, nos termos da jurisprudência comunitária, a Diretiva abrange trabalhadores que exerçam as suas funções numa Administração Pública e aplica-se à transferência de uma pessoa coletiva pública para uma pessoa coletiva privada.

3 – Por último, importa sublinhar a natureza de princípio geral do Direito da União Europeia que é conferido ao direito à continuidade das relações de trabalho; desta natureza decorre para o juiz nacional a obrigação de garantir a sua plena eficácia e assim, num pleito em que tal princípio esteja em causa, a «não aplicar, quando necessário, toda a disposição contrária»[7].

 4 – Ante o quadro normativo exposto, não se encontra igualmente fundamento para que a trabalhadores do ISS, IP que exerciam funções nos estabelecimentos integrados cuja gestão transitou para IPSS não tenha sido garantida a manutenção dos postos de trabalho que ali ocupavam.

E deste modo, também neste âmbito se mostra comprometida a validade da colocação destes trabalhadores em situação de requalificação.

 

III – Da insuficiente fundamentação do estudo de avaliação organizacional

1 – Na nossa anterior comunicação solicitámos que nos fossem indicados quais os procedimentos – auditorias ou outros – realizados para a concreta determinação dos postos de trabalho necessários no ISS; isto porque, da leitura do estudo de avaliação organizacional em que assenta o processo de racionalização de efetivos entendêramos que ali não era apresentada qualquer fundamentação concreta que permitisse justificar o número de postos de trabalho necessários que constam dos mapas comparativos.

2 – Porém, quanto a tais procedimentos, informou a antecessora de V. Exa «que foram tidos em consideração todos os fatores constantes do estudo de avaliação organizacional», reiterando as considerações que dele constam: por um lado, invoca a transferência de gestão da maioria dos estabelecimentos integrados e, por outro, «a simplificação de circuitos/fluxos face à implementação da reengenharia de processos, bem como a reorganização interna de unidades orgânicas, em 2012 no âmbito do Programa de Redução e Melhoria da Administração Central (PREMAC), que determinou a diminuição de unidades, núcleos, setores e equipas com a consequente libertação de recursos.»

3 – Sucede que estas considerações reconduzem-se às causas que terão determinado o processo de racionalização de efetivos, situando-se, portanto, a montante dos procedimentos que, ante a constatação daquelas realidades, haveria que levar a cabo para que, em concreto, pudesse ser determinado o número de postos de trabalho necessários em cada um dos serviços e unidades orgânicas do ISS, IP.

A este propósito, importa sublinhar que, nos termos do nº 3, do artigo 251.º, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP)[8], «o número de postos de trabalho necessários é definido de forma fundamentada e em conformidade com as disponibilidades orçamentais existentes.»

Assim, e a título de exemplo, sendo referida «a diminuição de unidades, núcleos, setores e equipas no âmbito da reorganização interna de unidades orgânicas» decorrente do PREMAC, haveria que identificar que unidades, núcleos, setores e equipas foram extintos ou fundidos e quais os correspondentes postos de trabalho que fruto dessa reorganização se tornaram excedentários.

Do mesmo modo, a «simplificação de circuitos/fluxos face à implementação da reengenharia de processos» obrigaria a especificar – mediante a elaboração de uma análise comparativa dos fluxos de trabalho existentes antes e depois daquela implementação – as alterações concretas que daí advieram, em particular no que respeita às tarefas e funções que foram suprimidas ou se tornaram desnecessárias e aos recursos humanos que assim se revelaram supérfluos.