Exmo. Senhor

Presidente da Câmara Municipal de Lisboa

Paços do Concelho

Praça do Município

1149-014 Lisboa 

 

 

Lisboa, 16 de junho de 2015

 

Vossa Ref.ª

OF/1786/DMDRGU/DPSVP/14

OF/416/GVMS/14

Vossa Comunicação

 1-08-2014

 5-08-2014

Nossa Ref.ª

Proc. Q-4066/13 (UT1)

 

 

Recomendação n.º4/A/2015

(alínea a), do n.º 1, do artigo 20.º da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, na redação dada pela Lei n.º 17/2013, de 18 de fevereiro)

 

 

Assunto: Área Crítica de Recuperação e Reconversão Urbanística do Casal Ventoso – aquisição de imóveis – vias de facto – mora na indemnização

 

 Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 20.º, da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, e em face da motivação seguidamente apresentada, recomendo a V. Exa que seja atribuída prioridade à indemnização dos proprietários de três imóveis sitos na antiga área crítica de recuperação e reconversão urbanística situada na zona do Casal Ventoso, delimitada pelo Decreto-Regulamentar n.º 21/95, de 25 de julho, de cuja posse se afirma estar materialmente investido o município de Lisboa desde 2002.
  
Consigno que foram atendidas as explicações prestadas pelos serviços superiormente dirigidos por V. Exa.

 

 

§1.º – Considerações preliminares

Em 2013, foi apresentada queixa ao Provedor de Justiça contra a Câmara Municipal de Lisboa por atraso na conclusão do procedimento relativo à aquisição de três prédios urbanos, sitos na antiga freguesia de Santo Condestável[1] e que se afirma terem sido utilizados na recuperação e reconversão urbanística do denominado Casal Ventoso.

De acordo com a queixa, além de o município se ter investido na posse dos três prédios foram neles executadas operações materiais: um deles encontra-se vedado por um muro de suporte e gradeamento; em outro foi executada uma ciclovia e, por fim, o terceiro encontra-se atravessado por uma escada de uso público.

Afirma-se que a investidura na posse dos imóveis pelo município de Lisboa teve lugar em 2002, sem que os proprietários dela tivessem sido notificados, nos termos do artigo 43.º da Lei dos Solos, nem tivessem recebido propostas para a sua aquisição. De resto, continuam a liquidar anualmente o imposto municipal sobre os imóveis em questão.

  Inconformados com a situação de facto descrita, os interessados reclamaram várias vezes os seus direitos e denunciaram irregularidades ao extinto Gabinete do Casal Ventoso e, mais tarde, à Câmara Municipal de Lisboa.

Em outubro de 2013, os serviços municipais informaram os meus colaboradores de não terem sido localizados elementos relativos às vistorias dos terrenos em questão. Com a documentação entregue pela requerente foi dado início a um procedimento «visando a regularização patrimonial».

 

Já em 2014 e depois de concluído um levantamento do cadastro referente à Área Crítica de Recuperação e Reconversão Urbanística do Casal Ventoso, foi-nos transmitido que estava a ser calculado o montante indemnizatório pela extinção dos direitos reais sobre os mesmos prédios e que as restrições orçamentais não têm permitido satisfazer, em tempo útil, os compromissos assumidos (anexo ao ofício n.º 416/GVMS/14, de 5 de agosto de 2014).

 

§2.º – Análise

O Decreto Regulamentar n.º 21/95, de 25 de julho, declarou área crítica de recuperação e reconversão urbanística, confiada à Câmara Municipal de Lisboa, o denominado Casal Ventoso, na atual freguesia de Campo de Ourique[2], por «carecer das infraestruturas básicas indispensáveis, designadamente no domínio do saneamento», além de «apresentar um elevado número de construções em adiantado estado de degradação».

A delimitação de áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística foi fruto da necessidade premente de dotar a Administração Pública de instrumentos excecionais para fins de requalificação e reabilitação urbana: «nos casos extremos em que só a intervenção da Administração, através de providências expeditas, permite obviar eficazmente aos inconvenientes e perigos inerentes a situações de falta de infraestruturas urbanísticas, de equipamento social, de espaços livres e espaços verdes ou de deficiências dos edifícios existentes, no que respeita a condições de solidez, segurança e salubridade[3]».

Viriam a ser declaradas fundamentalmente para resolver problemas sociais e ambientais, mas também problemas urbanísticos e demográficos, em particular, nos centros históricos das grandes cidades.

 

 

O capítulo XI da Lei dos Solos (Decreto-lei n.º 794/76, de 5 de novembro[4]) cuidou destas áreas a delimitar por decreto e com efeito de declaração genérica de utilidade pública (alínea a), do n.º 1, do artigo 42.º).

Permitia-se às autoridades municipais não apenas o exercício de um direito de preferência nas transações imobiliárias onerosas (n.º 1 do artigo 27.º), como o de se investirem imediatamente na posse administrativa dos imóveis para os demolir, beneficiar ou reparar (alínea b), do n.º 1, do artigo 42.º), através de um procedimento sumário (que permitia despejar sumariamente as edificações – artigo 46.º), mas que determinava também um mínimo de garantia para os proprietários e para os titulares de outros direitos reais sobre os imóveis.

A declaração como área crítica de recuperação e reconversão urbanística não definia, por si, a situação jurídica de cada um dos imóveis situados na zona delimitada. Este procedimento obrigava à notificação de cada um dos proprietários a serem confrontados com a posse administrativa (n.º 1 do artigo 43.º), sua publicitação geral por edital (n.º 2) e uma vistoria ad perpetuam rei memoriam, precedendo a investidura na posse administrativa, com remissão para os termos previstos para a expropriação por utilidade pública urgente (n.º 2 do artigo 42.º).

De resto, muitos destes imóveis teriam de ser expropriados por utilidade pública, até porque, ao fim de cinco anos de posse municipal, o procedimento expropriatório deveria iniciar-se em satisfação de um direito reconhecido aos proprietários (n.º 2 do artigo 45.º), sem prejuízo da reparação devida por outros danos causados (n.º 1).

 

 

 

 

Essa expropriação – por iniciativa oficiosa ou a requerimento dos proprietários – teria início com o ato de individualização dos bens a expropriar, valendo este ato, a partir de então, como declaração de utilidade pública para efeitos de aplicação do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-lei n.º 438/91, de 9 de novembro[5], sujeitando-se a caducidade e protegendo os proprietários contra a duração ilimitada da declaração de área crítica e contra a eventual inércia administrativa. 

             Os imóveis referidos foram afetos aos fins de recuperação e reconversão urbanística, sem que tenha sido provada a notificação dos interessados da posse dos terrenos. Não foi apresentado nenhum auto de vistoria ad perpetuam rei memoriam destinada a fixar os elementos de facto suscetíveis de desaparecerem. Nem há indícios de acordo outorgado na devida forma com os proprietários, muito menos de ter sido paga justa indemnização.

A aquisição dos mesmos imóveis seja por acordo, seja por adjudicação no termo do procedimento de expropriação por utilidade pública, não se mostra concluída. E, por assim ser, os proprietários continuam privados dos seus bens e sem a justa indemnização a que têm direito. Aliás, at&e