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Proc.º n.º 01.13.71.03 4983 de 16-10-2012
 Proc.º P – 5/10 (A2)
 

Assunto: Regime sancionatório aplicável às infrações praticadas nos transportes coletivos de passageiros. Lei n.º 28/2006, de 4.07.    

RECOMENDAÇÃO N.º 14/B/ 2012

 – Art.ºs 8.º, n.º 1 e 20.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril  –

I
– Enunciado – 

1. Desde a entrada em vigor do regime sancionatório aplicável às infrações ocorridas em transportes coletivos de passageiros, instituído pela Lei n.º 28/2006, de 4.07, recebeu o Provedor de Justiça um número considerável de queixas apresentadas por utentes desses transportes.

2. Aliás, em rigor, ainda na vigência da legislação anterior (Decreto-Lei n.º 108/78, de 24.05) também chegaram à Provedoria de Justiça algumas queixas em que se discutia, tal como agora, a legitimidade da autuação em casos de negligência, os montantes exorbitantes das coimas aplicadas a final e os direitos de defesa do autuado.

3. A Provedoria de Justiça procedeu à instrução dos processos junto das empresas de transporte, enquanto concessionárias de um serviço público e responsáveis pelas autuações e junto do (então designado) Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres, I.P. (IMTT), ao qual competia a instauração dos processos de contraordenação, quando os passageiros autuados haviam optado por não pagar imediatamente a coima.

4. Os resultados obtidos com essas diligências instrutórias foram permitindo encerrar a análise das queixas e arquivar os correspondentes processos, com a convicção de que os direitos dos particulares tinham sido suficientemente acautelados.

5. Em síntese, aos queixosos era explicado que:

– aos agentes de fiscalização não seria exigível que distinguissem situações de fraude ou de tentativa dolosa de burla (viajar sem título de transporte válido) relativamente às situações de mera negligência, que ocorrem quando o passageiro não tem consciência da ilicitude do ato que praticou;
– o tipo de ilícito em causa é objetivo, o que significa que o seu preenchimento se verifica com a mera prática da conduta, independentemente da respetiva motivação;
– em sede de processo de contraordenação, os autuados poderiam apresentar a respetiva defesa e ver a pena atenuada (cfr. art.º 7.º, n.º 6 da Lei n.º 28/2006, de 4.07);

6. Aliás, é de toda a justiça referir que a atuação sensata do IMTT permitiu atenuar substancialmente os problemas suscitados por essa lei, adotando um procedimento de flexibilização na aplicação de sanções no âmbito dos processos de contraordenação, de que é exemplo a substituição de coimas por mera admoestações, após a ponderação de circunstâncias desagravantes, tais como a falta de conhecimento ou de entendimento sobre o zonamento fixado e a ausência de benefício económico relevante.

7. Não obstante, a Provedoria de Justiça continuou a acompanhar de perto este tipo de processos, já que a bondade do novo regime sancionatório lhe suscitava várias reservas quanto à sua adequação aos direitos dos passageiros legal e constitucionalmente consagrados, designadamente:

– o facto de, em muitos casos, as coimas poderem ascender a cerca de € 200;
– a impossibilidade de o autuado se defender após ter pago a coima respetiva, já que esse pagamento voluntário implica o arquivamento do processo;
– a convicção de que um número bastante elevado de autuações se devia às dificuldades sentidas pelos passageiros de adaptação ao novo sistema de bilhética eletrónica (desconhecimento sobre a forma/obrigação de validação dos títulos, sobre a zona de circulação autorizada, validade, etc.);

8. Estas dificuldades resultantes do novo regime sancionatório foram também admitidas pelos próprios operadores de transporte que, como é do domínio público, reclamaram o aperfeiçoamento do sistema em vigor.

9. Durante a instrução dos processos atrás referidos, houve oportunidade de encetar vários contactos com responsáveis do IMTT, dos quais resultaram a sua total adesão à tese de que seria absolutamente pertinente e urgente rever determinadas disposições do diploma em discussão, quer para garantir o respeito pelos direitos dos utentes dos transportes, quer para salvaguardar a própria legalidade e constitucionalidade do regime sancionatório em vigor, já tendo, inclusivamente, sido elaboradas algumas propostas internas, as quais, contudo, não teriam sido sujeitas à apreciação da tutela por falta de oportunidade político-institucional.

10. Por outro lado, julga-se que, atento o carácter geral e abstrato das leis, estas devem ser concebidas de forma a que da sua aplicação resulte um regime justo e adequado para os respetivos destinatários, sem necessidade de interpretações corretivas por parte do intérprete-aplicador.

11. Tudo visto, decidiu o Provedor de Justiça, em abril de 2010, determinar a abertura de um processo, destinado a promover o aperfeiçoamento do regime sancionatório aplicável às infrações praticadas nos transportes coletivos de passageiros.

12. Seguiu-se, então, um longo ciclo de diligências instrutórias junto do IMTT (agora designado IMT, I.P.) – que se mantiveram durante mais de dois anos – em que se foi transmitindo, de forma clara e fundamentada, quais as normas do regime sancionatório em vigor que este órgão do Estado considerava que a respetiva revisão legislativa deveria, obrigatoriamente, contemplar.

13. Em anexo seguem cópias desses ofícios (n.ºs 13346 e 13179, de 10.09.2010 e de 26.09.2011, respetivamente, juntos comos docs. n.ºs 1 e 2), através dos quais a Provedoria de Justiça se pronunciou a respeito das duas versões iniciais do anteprojeto de revisão da Lei n.º 28/2006, de 4.07, que lhe haviam sido disponibilizados pelo Conselho Diretivo do IMTT.

14. Porém, como resulta do último anteprojeto de que foi dado conhecimento ao Provedor de Justiça (a coberto do ofício do IMTT datado de 8.03.2012, cfr. doc. n.º 3), a única sugestão formulada por este órgão do Estado que foi vertida nesse texto preparatório da revisão da Lei n.º 28/2006, de 4.07, diz respeito aos casos dos utentes que haviam adquirido e pago as respetivas assinaturas mensais e que foram autuados apenas porque não validaram os respetivos títulos, a que o IMTT procurou pôr cobro quando propôs, no anteprojeto de revisão, que deixassem de constituir infração punível.

15. Quanto às duas outras questões – impossibilidade de defesa após o pagamento das coimas e valor exorbitante das mesmas – nenhuma alteração ao projeto inicial foi feita, apesar das sucessivas chamadas de atenção da Provedoria de Justiça, verificando-se mesmo um agravamento do teto máximo das coimas para €300.

16. Levado o assunto ao conhecimento da Secretaria de Estado das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, só muito recentemente e após várias insistências, viria a ser recebida a resposta constante do ofício n.º 4983, de 16.10.2012, do Senhor Chefe do Gabinete de V. Ex.ª, em que, no que ao assunto objeto deste processo diz respeito, apenas se informa, genérica e abstratamente que “(…) no que respeita à matéria das contraordenações, o anteprojeto prevê um elenco de diversas contraordenações que são punidas de forma diferenciada conforme a gravidade da respetiva infração que lhe está subjacente, homenageando assim os princípios da legalidade e da proporcionalidade (…)”.

     
   II
 – Apreciação –

Quanto à medida da sanção
 
17. Em relação ao valor que podem atingir as coimas aplicadas aos passageiros dos transportes coletivos de passageiros, segundo a proposta sob apreciação, esta matéria passaria a constar de um novo preceito a introduzir naquele diploma – o art.º 7.º A – o que, em termos sistemáticos, se afigura perfeitamente justificado face à conveniência de autonomização da previsão e da estatuição da norma, ou se se preferir, da identificação de cada contraordenação e da sanção que lhe corresponde.

18. Do mesmo modo se julga ser de saudar a diferenciação do valor das coimas (pelo menos ao nível dos limites mínimos e máximos), prosseguindo um esforço no sentido de tratar de forma distinta situações que assumem diferentes graus de gravidade em função do comportamento do infrator.

19. Contudo, não podemos deixar de nos deter no facto de, quanto ao primeiro escalão das coimas (art.º 7.º-A, n.º 1) o limite máximo poder ascender a € 300, um valor que se julga ser manifestamente superior aos valores atualmente vigentes , ganhando, assim, relevo, as preocupações reiteradamente manifestadas por este órgão do Estado a respeito da desproporcionalidade de tais coimas face à natureza das infrações cometidas.

20. Efetivamente, a sanção da contraordenação é uma mera medida de coerção administrativa ou disciplinar , qualificação expressamente acolhida pelo Tribunal Constitucional, nos seus acórdãos n.º 336/2008  e n.º 221/2007, de 28.03.2007.

21. Como ensinou também o Prof. Figueiredo Dias  “(…) existem, desde sempre, razões de ordem substancial que impõem a distinção entre crimes e contraordenações, entre as quais avulta a natureza do ilícito e da sanção (…)”.

22. Ora, “(…) a diferente natureza do ilícito condiciona, desde logo, a eventual incidência dos princípios da culpa, da proporcionalidade e da sociabilidade (…)”, ao passo que “(…) não se trata aqui de uma culpa, como a jurídico-penal, baseada numa censura ética, dirigida à pessoa do seu agente e à sua atitude interna, mas apenas de uma imputação do facto à responsabilidade social do seu autor (…)”, servindo a coima como “(…) mera admoestação, como especial advertência ou reprimenda relacionada com a observância de certas proibições ou imposições legislativas (…)”, sendo as suas finalidades “(…) em larga medida estranhas a sentidos positivos de prevenção especial ou de (re)socialização (…)” .

23. Nos termos do art.º 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.

24. Ora, considerando que o valor do salário mínimo nacional se cifra, atualmente, em € 485, o pagamento de uma coima máxima, aplicável no âmbito de uma contraordenação nos transportes, representará mais de metade desse rendimento, mais concretamente, 61,85% dessa retribuição mínima mensal.

25. Ou seja, num momento de especiais dificuldades económicas, em que o salário mínimo nacional não atinge sequer os €500, exigir a um utente que pague €300 de coima, isto é, que possa ter que despender mais de metade da retribuição mínima mensal para assumir o castigo de ter viajado sem título de transporte, é impor uma fatura demasiado pesada para atingir o objetivo de dissuadir a prática desse tipo de infrações.       

26. De acordo com os dados publicados com referência ao ano de 2011, serão mais de 400 mil os portugueses que auferem o salário mínimo nacional, sendo certo que, tendencialmente (e, porventura, culturalmente) os utentes dos transportes públicos portugueses são trabalhadores com rendimentos modestos e/ou com mais dificuldades em gerir o respetivo orçamento familiar.

27. Não pode, assim, deixar de se questionar, sob o ponto de vista da proporcionalidade, a aplicação de uma sanção monetária tão gravosa quando comparada com a relativa gravidade da infração cometida, isto é, com a lesão patrimonial ou financeira que viajar sem título de transporte válido pode representar para a empresa operadora de transportes, na maior parte dos casos, traduzida em valores que rondam os € 2 (valor médio da tarifa de bordo nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto).

28. Dir-se-á que as coimas aplicáveis às infrações cometidas nos transportes servem o propósito de dissuadir o passageiro de reincidir na prática da infração, funcionando também como exemplo da firmeza na punição deste tipo de infrações.

29. Contudo, como vem repetidamente afirmando o Tribunal Constitucional , “(…) o direito penal, no Estado de direito, tem de edificar-se sobre o homem como ser pessoal e livre, ancorado na dignidade da pessoa humana, que tenha a culpa como fundamento e limite da pena, pois não é admissível pena sem culpa, nem em medida tal que exceda a da culpa. Ou seja: há de ser um direito penal de culpa (…)”.

30. Isto é, à Lei Fundamental não pode ser indiferente a desproporção de uma sanção contraordenacional face à gravidade da infração cometida e ao rendimento médio auferido pelos infratores.   

31. É que, ainda que se admita um diferente grau de intensidade de tutela constitucional do direito contraordenacional em relação ao direito penal, não pode deixar de reconhecer que os princípios da culpa e da proporcionalidade são também aqui aplicáveis.

32. E, muito embora o Tribunal Constitucional tenha vindo a defender que não deve julgar a bondade da solução legislativa que fixe o valor de coimas, pois tal implicaria “(…) invadir a esfera do legislador que, aí, há de gozar de uma razoável  liberdade de conformação (…)” ressalvou, também, sem margem para quaisquer dúvidas, que essa liberdade de definição dos limites da sanção cessa em casos de manifesta e flagrante desproporcionalidade, devendo, nesses casos,“(…) censurar as soluções legislativas que cominem sanções que sejam desnecessárias, inadequadas ou manifesta e claramente excessivas, pois tal o proíbe o artigo 18.º, n.º 2 da Constituição (…)” .

Quanto à preterição do direito de defesa após o pagamento da coima 

33. Caso a alteração do art.º 9.º do diploma em apreciação venha a ser aprovada, o passageiro que opte por pagar voluntariamente a coima, para poder beneficiar da redução do respetivo valor, continuará impedido de contestar a autuação, uma vez que, nessa hipótese, foi previsto, tal como na lei ainda vigente, que “(…) os autos são arquivados na empresa exploradora do serviço de transporte (…)”.

34. Ou seja, os n.ºs 4 e 6 deste preceito mantêm, exatamente, a mesma disciplina estabelecida na legislação primitiva, no sentido de que o pagamento voluntário impede a defesa do arguido.

35. Manter-se-á, assim, o problema para o qual a Provedoria de Justiça chamou, de forma reiterada, a atenção do IMTT, aquando da preparação do anteprojeto de revisão legislativa, e que se traduz num constrangimento dos direitos de defesa do utente quando opta por pagar a coima apenas e só para evitar o agravamento do respetivo valor, enquanto que, juridicamente, esse pagamento parece traduzir uma assunção de culpa.

36. Como desde o início da instrução do processo se tem defendido, a maior parte das vezes os arguidos optam por pagar as coimas para impedir a evolução do processo de contraordenação e não porque estejam convencidos da correção da autuação e não disponham de meios de defesa para contestar a infração ou a graduação da coima.

37. Decorre do art.º 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem o direito a um processo equitativo, preceito que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem vindo a considerar aplicável a infrações classificadas no direito interno como administrativas ou disciplinares, como será o caso das contraordenações . 

38. Consagrou a nossa Constituição idêntica proteção dos direitos dos arguidos nos processos de contraordenação, desde logo no art.º 20.º, n.º 4, em que se estipulou que “Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo”, e no art.º 268.º, n.º 4, garantindo aos administrados a “(…) tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer atos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de atos administrativos legalmente devidos e a adoção de medidas cautelares adequadas”.

39. Mais foi sobretudo mediante o aditamento do n.º 10 ao art.º 32.º, em que se alargou o âmbito de aplicação das garantias do processo criminal, estabelecendo-se que “Nos processos de contraordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados os direitos de audiência e defesa”, que o legislador constitucional deixou clara a tutela dos arguidos nos processos de contraordenação.

40. Julga-se que a única leitura possível das normas supracitadas é a de que deve assegurar-se a recorribilidade genérica das decisões administrativas que afetem direitos e interesses dos administrados.

41. Recorda-se, a este respeito, o entendimento que vingou no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 135/2009, de 18.03.2009, em que se julgou inconstitucional a norma constante do art.º 175.º, n.º 4 do Código da Estrada, quando interpretada no sentido de que, paga voluntariamente a coima, ao arguido não é consentido, na fase de impugnação judicial da decisão administrativa que aplicou a sanção acessória de inibição de conduzir, discutir a existência da infração.

42. Também o art.º 50.º do regime-geral das contraordenações, que dispõe, a respeito do direito de audição e defesa do arguido, que “não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contraordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre” não pode deixar de ser aqui convocado para alicerçar os direitos de defesa dos arguidos no âmbito de processos de contraordenação, que permanecem cerceados com aquelas normas.

43. Por fim, e para o mesmo efeito, invoca-se também o princípio geral da reclamação, plasmado no art.º 161.º do Código do Procedimento Administrativo que, apesar de admitir derrogações legais, constitui, ainda assim, um princípio orientador da atividade administrativa, no sentido de que não pode coartar-se arbitrariamente o direito de reclamação dos particulares, seja em que fase se encontrar o processo administrativo, o que abarca, forçosamente, a fase instrutória subsequente ao levantamento do auto de notícia, em que ainda é possível liquidar voluntariamente a coima.                     

44. Apesar de se compreender que o arquivamento dos autos, em caso de pagamento voluntário da coima, seja muito conveniente em termos processuais, permitindo reduzir, substancialmente, as autuações que evoluem para os processos de contraordenação a cargo do IMTT, esse arquivamento, quando traduzido numa impossibilidade de apresentação subsequente de defesa, importa um sacrifício desproporcional e juridicamente inadmissível.   

45. Deve assim concluir-se que essa preterição dos direitos de defesa dos autuados configura uma verdadeira afronta às normas e princípios legais e constitucionais que regem os direitos de defesa dos arguidos nos processos de contraordenação.

 

III
– Conclusões –

46. Face a todo o exposto, é possível sistematizar as seguintes conclusões:

a) A sanção da contraordenação é uma mera medida de coerção administrativa ou disciplinar, qualificação que deve condicionar a liberdade de conformação legislativa quando se trata de fixar o valor das coimas correspondentes a cada tipologia de infrações; 
b) Essa liberdade de definição dos limites da sanção que assiste ao legislador tem, assim, que ceder quando implica coimas inadequadas, por serem excessivas face à lesão juridicamente considerada; 
c) A fixação em € 300 como valor máximo que pode atingir uma coima aplicável por uma infração cometida nos transportes coletivos de passageiros colide com o princípio constitucional da proporcionalidade das coimas face à gravidade das infrações, que emana do art.º 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa;
d) Quando um utente opta por pagar voluntariamente a coima fá-lo, em muitos casos, apenas e só para evitar o agravamento do respetivo valor, mas, face à legislação em vigor e ao anteprojeto conhecido, esse pagamento traduz uma verdadeira assunção de culpa, porque o impede de defender-se;
e) Em vários preceitos constitucionais (cfr. art.ºs 20.º, n.º 4, 32.º, n.º 10 e 268.º, n.º 4), assim como do art.º 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem foi consagrada a recorribilidade genérica das decisões administrativas que afetem direitos e interesses dos administrados, incluindo, naturalmente, os processos de contraordenação em todas as fases em que se desdobra;
f) Pelo que não pode aceitar-se a preterição do direito de defesa do passageiro autuado que procede ao pagamento voluntário da coima que lhe foi aplicada.    

47. Assim, de acordo com as motivações acima expostas e nos termos do disposto no art.º 20.º, n.º 1, alínea b) do Estatuto do Provedor de Justiça,

Recomendo

A) Que nos trabalhos de revisão da Lei n.º 28/2006, de 4.07 sejam contempladas:
– A redução substancial do valor máximo a que podem ascender as coimas aplicáveis às infrações praticadas nos transportes coletivos de passageiros;
– A possibilidade de o arguido apresentar defesa, mesmo após proceder ao pagamento voluntário da coima que lhe foi aplicada.  
B) Que seja dada a máxima prioridade à conclusão dos trabalhos relativos ao anteprojeto de revisão desse diploma.
Nos termos do disposto no art.º 38.º, n.º 2 do Estatuto do Provedor de Justiça, deverá V. Ex.ª comunicar-me o acatamento desta Recomendação ou, porventura, o fundamento detalhado do seu não acatamento, no prazo máximo de sessenta dias, informando sobre a sequência que o assunto venha a merecer.

Queira V. Ex.ª aceitar, Senhor Secretário de Estado, os meus melhores cumprimentos.  

O PROVEDOR DE JUSTIÇA,

(Alfredo José de Sousa)

Anexo: *Doc. n.º 1  – cópia do ofício da Provedoria de Justiça n.º 13346, de 10.09.2010;
 *Doc. n.º 2 – cópia do ofício da Provedoria de Justiça n.º 13179, de 26.09.2011;
 *Doc. n.º 3 – cópia do ofício do IMTT de 8.03.2012.