Sua Excelência

O Presidente do Governo Regional da

Madeira

Quinta Vigia

Av. do Infante, n.º 1 

9000-547 Funchal 

                                                                                                             

 

 

               

Nossa Referência

 

 

Proc. R-5635/11 (Mad.)

 

RECOMENDAÇÃO N.º 7/A/12

 

Formulada de acordo com o disposto no art. 20º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91,

de 9 de abril (Estatuto do Provedor de Justiça)

 

I

1.    Veio requerida a minha intervenção no âmbito do inadimplemento do regime ínsito no Regulamento Geral do Ruído (R.G.R.) ([1]), por parte dos diversos municípios da Região Autónoma da Madeira, em particular, quanto à acreditação dos ensaios acústicos necessários à verificação dos parâmetros legais ali definidos.

 

2.    Alegava-se na queixa que, contrariamente ao disposto naquele diploma, as medições sonoras não estariam a ser realizadas por entidades acreditadas, subvertendo assim os resultados e conclusões obtidas em sede de relatório.

 

3.    Na sequência de audição promovida à Associação de Municípios da Região Autónoma da Madeira veiculou-se que «Com excepção do Município do Funchal os Municípios não dispõem de meios de medição (sonómetros); No caso de necessidade de ensaios de medições acústicas os Municípios solicitam apoio à Direcção Regional do Ambiente, que está devidamente certificada e/ou empresas certificadas para o efeito» (sublinhado meu).

 

4.    Ouvida a Direção Regional do Ambiente sobre a matéria em apreço, apurou-se que esta entidade não realiza, presentemente, quaisquer ensaios ou medições acústicas necessárias à verificação do cumprimento dos valores legalmente instituídos, tendo a mesma informado ainda que «não se encontra acreditada nos termos do estabelecido pelo artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de Janeiro, bem como pelo Decreto-Lei n.º 125/2004, de 31 de maio» ([2]), referindo apenas que está a ser ponderada a realização de diligências tendentes a iniciar procedimento de acreditação.

 

5.    Por último, foi auscultada a Câmara Municipal do Funchal, tendo a Vereadora do Pelouro informado que «O Município do Funchal não está acreditado para realizar avaliações acústicas. Os serviços de fiscalização Municipal apenas realizam testes acústicos preliminares indicativos da tendência das reclamações. Quanto à questão se está ponderada a realização de diligências tendentes a iniciar procedimento de acreditação, neste momento e dadas as restrições orçamentais não é intenção do Município proceder à acreditação».

 

6.    A instrução do presente processo permitiu concluir, portanto, que a Região Autónoma da Madeira não dispõe, atualmente, de qualquer entidade pública acreditada para executar atividades fiscalização e controlo da poluição sonora, nos termos do disposto pelo R.G.R.

 

II

Apreciado o teor dos esclarecimentos prestados e cumprido, assim, o dever de prévia audição consignado pelo artigo 34.º da Lei n.º 9/91, de 9 de abril (Estatuto do Provedor de Justiça – E.P.J.), pondero o seguinte:

 

7.    O R.G.R. atribui aos municípios competências para a fiscalização do cumprimento do diploma e para a instrução dos respetivos processos de natureza contraordenacional, devendo os mesmos, em consequência, dotar-se dos meios necessários para a realização dos competentes ensaios acústicos, ou recorrer a empresas privadas para tal, enquanto não tiver os meios próprios, suportando os custos inerentes.

 

8.    A coberto do disposto pelo n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de janeiro, o R.G.R. aplica-se «às actividades ruidosas permanentes e temporárias e a outras fontes de ruído susceptíveis de causar incomodidades”, designadamente as elencadas nas alíneas a) a f) daquele preceito, e ainda ao “ruído de vizinhança”, de acordo com o n.º 2.

 

9.    O n.º 3 do artigo 4.º do mesmo diploma contém os princípios fundamentais que devem presidir a quaisquer políticas sectoriais com incidência ambiental, estabelecendo que «compete ao Estado e às demais entidades públicas, em especial às autarquias locais, tomar as medidas adequadas para o controlo e minimização dos incómodos causados pelo ruído resultante de quaisquer actividades, incluindo as que ocorram sob a sua responsabilidade e orientação».

 

10. Uma das formas de “controlo” do ruído é a fiscalização do cumprimento dos seus limites legais, fiscalização essa que compete, nos termos do artigo 26.º, à «entidade responsável pelo licenciamento e autorização da atividade» [alínea b)] e «às câmaras municipais e polícia municipal, no âmbito das respetivas atribuições e competências» [alínea d)].

 

11. Assim, nos termos conjugados do n.º 1 e do n.º 8 do artigo 13.º do R.G.R., sempre que o município se apresente como entidade coordenadora do licenciamento de uma atividade ruidosa permanente, e quando a mesma não esteja sujeita a avaliação de impacte ambiental, é a essa entidade que compete verificar se tal atividade cumpre os limites indicados no n.º 1, no âmbito do respetivo procedimento de licenciamento, autorização de instalação ou de alteração da atividade, e ao longo do respetivo exercício, nos termos da alínea b) do artigo 26.º.

 

12. Integra, igualmente, o núcleo de competência dos municípios, a fiscalização do exercício das atividades ruidosas temporárias previstas no artigo 14.º, que poderão ser autorizadas mediante licença especial de ruído, nos termos do artigo 15.º.

 

13. Do mesmo modo, compete aos municípios, enquanto entidades coordenadoras dos respetivos “procedimentos de autorização ou licenciamento”, o controlo das “outras fontes de ruído”, não especificadas, suscetíveis de causar incómodo, nos termos do artigo 21.º, controlo esse que é feito através de fiscalização nos termos, mais uma vez, da alínea b) do artigo 26.º.

 

14. De resto, os pedidos de autorização de utilização e alteração de utilização de edifícios devem ser instruídos com avaliação acústica, nos termos da alínea j) do n.º 1 do artigo 15.º da Portaria n.º 232/2008, de 11 de março ([3]).

 

15. Sendo o município competente para, em determinadas circunstâncias reguladas pela lei, fiscalizar o cumprimento do R.G.R., deve essa mesma entidade, não só recorrer aos instrumentos necessários para esta tarefa – primacialmente com meios próprios ou, em derradeira análise, com recurso a contratação de entidades externas -, como igualmente suportar as despesas inerentes ([4]).

 

16. Importa sublinhar que o direito ao ambiente, à integridade física e à proteção da saúde se afiguram como direitos fundamentais ([5]), incumbindo aos municípios colaborar com o Estado na promoção da qualidade ambiental das populações (cfr. artigos 25.º, 64.º e 66.º da Constituição da República Portuguesa), no sentido de eliminar a causa geradora de ruídos incómodos ou mesmo intoleráveis.

 

17. Muito embora o Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de janeiro, preveja que, em última instância, se recorra à contratação de entidades externas para efeitos de fiscalização, a verdade é que essa opção se tem afigurado hoje inviável, em virtude dos elevados custos acarretados, o que é assumido pelos órgãos executivos que compõem cada uma das autarquias da R.A.M.

 

18. Por outro lado, a circunstância de poder vir a ser ponderado processo de acreditação por parte da Direção Regional do Ambiente não invalida o que acabei de referir, uma vez que a esta entidade não compete a realização de ensaios acústicos referentes a procedimentos de autorização ou licenciamento coordenados pelos municípios, por via do R.G.R.

 

19. Dispõe o n.º 1 do artigo 34.º do R.G.R., que «Os ensaios e medições acústicas necessárias à verificação do cumprimento [dos limites definidos pelo legislador] são realizados por entidades acreditadas» (sublinhado meu) e o n.º 3 veio instituir a obrigatoriedade de acreditação, no âmbito do Sistema Português da Qualidade, para as entidades fiscalizadoras que realizem ensaios e medições acústicas. Para o efeito, foi fixado um prazo máximo de quatro anos contados a partir da entrada em vigor daquele diploma, o qual se esgotou em janeiro de 2011.

 

20. Na prática, e desde 1 de fevereiro de 2011, os municípios da Região Autónoma da Madeira deixaram de poder salvaguardar exemplarmente as medidas de caráter administrativo e técnico adequadas à prevenção e controlo da poluição sonora, em prejuízo do interesse público e dos direitos dos cidadãos.

 

21. O Sistema Português da Qualidade (S.P.Q.) — que surge a partir da evolução do enquadramento em que foi criado o Sistema Nacional de Gestão da Qualidade, com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 234/93, de 2 de julho ([6]) — engloba as entidades envolvidas na qualidade, assegurando a coordenação de três Subsistemas: a Normalização, a Qualificação e a Metrologia [cfr. artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 4/2002, de 4 de janeiro ([7])]. Por sua vez, o subsistema da Qualificação enquadra, no âmbito do S.P.Q., as atividades da acreditação ([8]), da certificação e outras de reconhecimento de competências e de avaliação da conformidade.

 

22. A função de organismo nacional de acreditação foi exercida pelo Instituto Português da Qualidade desde a sua criação, em 1986, e até à publicação do Decreto-Lei n.º 125/2004, de 31 de maio, que procede à criação do Instituto Português de Acreditação, I.P. (IPAC), ao qual é atribuída, em exclusivo, aquela função.

 

23. O n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 81/2012, de 27 de março ([9]), estabelece o núcleo de atribuições do IPAC, I. P., exercendo este a atividade de acreditação com natureza de autoridade pública, de acordo com o Regulamento (CE) n.º 765/2008, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de julho de 2008, e em conformidade com a norma internacional ISO/IEC 17025, base para a acreditação de métodos de ensaio e/ou de calibração de um laboratório ([10]).

 

24. Em linhas gerais, o processo de acreditação envolve as seguintes fases, a saber: i) Formalização da candidatura; ii) Avaliação administrativa e técnica da candidatura – proposta e nomeação da equipa auditora; iii) Avaliação da entidade candidata (auditoria); iv) Proposta, pela entidade candidata, de um plano de ações corretivas e respetivas evidências de implementação; v) Análise do processo; vi) Decisão.

 

III

25. Em face do que deixo exposto, concluo que não se encontra devidamente salvaguardado o direito ao ambiente, segurança e qualidade de vida dos munícipes na Região Autónoma da Madeira, inexistindo uma entidade pública acreditada para executar atividades fiscalização e controlo da poluição sonora, nos termos do disposto pelo R.G.R.

 

26. Entendo, ainda, que o atual panorama de forte contingentação orçamental aplicado à Região Autónoma da Madeira aconselha a ponderação de um procedimento conjunto dos diversos municípios da Madeira, com a consequente repartição equitativa de custos associados ao funcionamento e manutenção de um laboratório acreditado.

 

 

27. Tenho, por fim, presentes as atribuições acometidas à Direção Regional da Administração Pública e Local (D.R.A.P.L.) pelo Decreto Regulamentar Regional n.º 3/2010/M, de 10 de novembro ([11]), maxime, as decorrentes da alínea f) do artigo 3.º daquele normativo, aí se estabelecendo que compete àquela entidade «Desempenhar as tarefas necessárias ao exercício da tutela inspectiva não financeira sobre as autarquias locais e entidades equiparadas».

 

Assim, de acordo com as motivações expostas, e exercendo o poder que me é conferido pelo art. 20º, n.º 1, alínea a) da citada Lei n.º 9/91, de 9 de abril, RECOMENDO a Vossa Excelência que:

 

1.    Sejam desencadeadas as providências necessárias ao estabelecimento na Madeira de um laboratório público acreditado, suscetível de executar atividades de avaliação da conformidade de calibração, ensaios, inspeções e certificações, nos termos do preconizado pelo Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de janeiro, e pelo Decreto-Lei n.º 125/2004, de 31 de maio;

 

2.    Para o efeito, sejam assegurados contactos junto da totalidade dos municípios que integram a Região Autónoma;

 

3.    Até à conclusão do procedimento elencado nos números anteriores, sejam os municípios da Madeira advertidos para a obrigatoriedade de contratação de empresa acreditada para a realização de quaisquer ensaios e medições acústicas necessárias à verificação do cumprimento dos limites legais.

 

Solicito a Vossa Excelência, em cumprimento do dever consagrado no artigo 38º, n.º 2, do E.P.J., que se digne mandar informar-me sobre a sequência que este assunto venha a merecer, no prazo de 60 dias. Informo ainda Vossa Excelência de que vou dar conhecimento desta Recomendação à Associação de Municípios da Região Autónoma da Madeira (A.M.R.A.M.).

 

Apresento a Vossa Excelência os meus melhores cumprimentos,

 

O PROVEDOR DE JUSTIÇA,

 

       Alfredo José de Sousa