RECOMENDAÇÃO N.º 1/A/2007
(artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril)


 


Entidade visada: Presidente da Região de Turismo do Verde Minho
Proc.º: R-3551/06
Data: 08.01.2007
Área: A4


Assunto: Concurso externo de ingresso para técnico superior de 2.ª classe, área de turismo. Direito de acesso à função pública. Princípio da igualdade de oportunidades. Requisitos de admissão. Elenco legal taxativo. Restrição infundada.


 


I – Da exposição de motivos


1. Foi-me apresentada queixa relativamente ao “concurso externo de ingresso para admissão a estágio com vista ao preenchimento de um lugar de técnico superior de 2.ª classe, na área do turismo, em lugar do quadro de pessoal da Região de Turismo do Verde Minho (Costa Verde).”


De acordo com a queixa apresentada, os requisitos especiais de admissão ao concurso, enunciados no ponto 9.2, do aviso de abertura, restringem, sem fundamento, os candidatos ao concurso.


2. Em sede de instrução, segundo o previsto nos artigos 28.º e 34.º do Estatuto do Provedor de Justiça (Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, na versão que considera as suas alterações) prestou V. Ex.ª esclarecimentos e enviou cópia do processo de concurso (à excepção das cópias pedidas da prova de conhecimentos e da grelha de correcção).


 
II – As alegações de V. Ex.ª


1. Sobre a queixa apresentada, alegou V. Ex.ª, em síntese:



a) “que foram cumpridos todos os normativos que o diploma obriga para o estabelecimento dos requisitos especiais legalmente exigidos”;


b) que “não se vislumbra, após análise de toda a legislação aplicável à situação, quais os diplomas ou disposições legais que contenham o rol ou tipo de requisitos especiais, que sejam exigidos para um concurso do tipo daquele que foi levado a cabo.”


c) Os requisitos especiais exigidos ficam-se a dever às seguintes razões:



(1) O “lugar a concurso para o qual se abriu o concurso é de extrema responsabilidade e complexidade que exige profundos conhecimentos teóricos e práticos do fenómeno turístico” e, portanto, o “preenchimento deste lugar só poderia ser efectuado por um técnico altamente qualificado com, pelo menos, o grau académico de licenciatura”;


(2) A exigência de pós-graduação em destinos turísticos fica a dever-se ao facto de a Associação Nacional das Regiões de Turismo ter assinado um protocolo com a Universidade Fernando Pessoa para a “concepção e realização de uma pós-graduação em Gestão de Destinos Turísticos” e bem assim atendendo às atribuições das regiões de turismo.


(3) Sobre a exigência de experiência profissional de 10 (dez) anos, afirma V. Ex.ª que “pode à primeira vista parecer exagerada, mas na verdade ela é até escassa” e exemplificando com o exemplo próprio, invoca que, não obstante ter assumido a presidência da região de turismo há dez anos, continua “em processo de aprendizagem”.


Prossegue fazendo apelo aos “conhecimentos práticos de terreno” e à responsabilidade do lugar e, por outro lado, alega que são inúmeros os profissionais que, no país, possuindo licenciatura em turismo, possuem a experiência reclamada.


(4) Quanto à experiência profissional na coordenação de Gabinete de Apoio ao Investidor, no mínimo de 5 (cinco) anos, invoca V. Ex.ª novamente as razões que antecedem, às quais acrescenta o contexto da criação e o elenco das missões do mesmo Gabinete.


2. Informou, ainda, V. Ex.ª que o único candidato admitido ao concurso e seleccionado, que exerce já funções de “coordenador do Gabinete de Apoio ao Investidor” na Região de Turismo do Verde Minho, se mantém “ao serviço desde Maio de 2004 até agora, sem que aufira qualquer vencimento” (trecho último no original a negrito).



III – Dos factos


À face dos elementos instrutórios recolhidos, apura-se o seguinte:



a) Por aviso publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 134, de 13 de Julho de 2006, parte especial, pp. 11 151 e 11 152, foi aberto, pela Região de Turismo do Verde Minho (Costa Verde), “concurso externo de ingresso para técnico superior de 2.ª classe, área de turismo”.


b) O concurso é um concurso de admissão a estágio de ingresso na carreira técnica superior (ponto 2 do aviso de abertura).


c) E destina-se, após a conclusão com êxito daquele, ao “preenchimento de um lugar de técnico superior de 2.ª classe, na área do turismo, em lugar do quadro de pessoal da Região de Turismo do Verde Minho (Costa Verde)” (ponto 1 do aviso de abertura).


d) O prazo de candidatura foi fixado em 10 dias úteis (ponto 1 do aviso).


e) O ponto 4 do aviso, quanto às funções do lugar a prover, estabelece: “Conteúdo funcional do lugar a preencher – Gabinete de Apoio ao Investidor”.


f) Ao técnico superior de turismo compete “exerce[r], com autonomia e responsabilidade, funções de investigação, estudo e concepção tendentes a informar a decisão superior, cabendo-lhe nomeadamente: Realizar estudos e outros trabalhos conducentes à definição e concretização das políticas do município na área do turismo; Recolher, tratar e difundir toda a informação turística necessária ao serviço em que está integrado; Planear, organizar e controlar acções de promoção turística; Participar em acções de inspecção e licenciamento de estabelecimentos de restauração e bebidas; Emitir pareceres com vista ao licenciamento de unidades hoteleiras ou de turismo no espaço rural; Coordenar e superintender a actividade de outros profissionais do sector, se de tal for incumbido.” (Despacho n.º 7014/2002 (2.ª série), DR., II Série, n.º 79, de 4 de Abril de 2002, p. 6188).


g) O ponto 9 do aviso é relativo aos “requisitos gerais e especiais de admissão”.


h) Refere sobre os requisitos gerais, que “podem ser admitidos a este concurso os indivíduos, não vinculados à função pública, que satisfaçam, cumulativamente, até ao fim do prazo de entrega das candidaturas, os requisitos previstos no n.º 2 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho.” (ponto 9.1)


i) No que se refere aos requisitos especiais (ponto 9.2 do aviso), estabelece os seguintes:


“Licenciatura em Turismo.
Pós-graduação em Gestão de Destinos Turísticos.
Experiência profissional com mínimo de 10 anos.
Experiência profissional na coordenação de Gabinete de Apoio ao Investidor, no mínimo de 5 anos”.


j) Os métodos de selecção adoptados são a prova de conhecimentos gerais, a avaliação curricular e a entrevista profissional de selecção (ponto 10).


k) O concurso foi publicado no Jornal “O Primeiro de Janeiro”, de 21 de Julho de 2006, p. 29.


l) De acordo com o ponto 1 deste anúncio, de 21-07-2006: “Nos termos Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho, faz-se público que, por despacho do presidente da Região de Turismo Verde Minho de 30 de Maio de 2006, encontra-se aberto, pelo prazo de 10 dias úteis contados a partir da data da publicação deste aviso no Diário da República [ocorrida em 13 de Julho de 2006], concurso externo de ingresso para admissão a estágio com vista ao preenchimento de um lugar de técnico superior de 2.ª classe, na área do turismo, em lugar do quadro de pessoal da Região de Turismo Verde Minho.” (sublinhado nosso)


Na data da publicação no jornal, tinha já decorrido metade do prazo para a apresentação das candidaturas.


m) Na Acta n.º 2, datada de 31 de Julho de 2006, do concurso, encontra-se registado o seguinte:


“Analisados os processos de candidatura, verificou-se que só A. (…) reunia todas as condições para ser admitido, sendo os restantes candidatos, C. (…), R. (…), J. (…), N. (…) e C. M. (…) excluídos, em virtude de não responderem aos seguintes requisitos especiais: Pós-graduação em Gestão de Destinos Turísticos; Experiência profissional com o mínimo de 10 anos e Experiência profissional na coordenação de Gabinete de Apoio ao Investidor, no mínimo de 5 anos, e C. C. (…), além de não possuir os requisitos supra mencionados, não ter licenciatura, passando de seguida à elaboração das listas de candidatos admitidos e excluídos” (sublinhados nossos).


n) Dos processos de candidatura dos candidatos extrai-se o seguinte:



(1) O candidato A. (…) é “coordenador do Gabinete de Apoio ao Investidor da Região Turismo Verde Minho, desde Março de 1999”.


Foi “coordenador de estágios de alunos do Instituto Eramus/Universidade Fernando Pessoa, da cidade do Porto, no âmbito do cargo exercido no Hipódromo de Ponte de Lima”


(2) Os demais candidatos, à excepção de um, têm curso de licenciatura na área do turismo.


o) Por ofício de 31 de Julho de 2006, o júri notificou os candidatos excluídos, informando-os, apenas, da exclusão por não preenchimento dos requisitos especiais de admissão a concurso.


p) Os candidatos não foram notificados do projecto da respectiva deliberação, isto é, chamados a pronunciarem-se sobre a intenção do júri de os excluir do concurso (ponto 5 do ofício n.º 271/06, de 25.09.06, e ponto 5 da alínea b) do ofício n.º 14976, de 11.09)


q) Em 18 de Agosto de 2006, reuniu-se o júri para “marcação da data da prova de conhecimentos gerais e da entrevista profissional de selecção” (Acta n.º 3).


*


r) Em 2 de Abril de 2004, V. Ex.ª proferiu despacho com o seguinte teor: “1. A candidatura ‘Carta Gastronómica do Baixo Minho’ apresentada e aprovada pela CCDRN – Operação Norte no âmbito da Medida 1.4, termina a 30 de Abril de 2004. // 2. Face à necessidade de continuar o acompanhamento técnico deste projecto e de preparar uma nova candidatura ao Regime de ‘Apoio às Actuais Infra-estruturas Associativas’ autorizo o Dr. A. (…) a continuar o trabalho no âmbito da Coordenação do Gabinete de Apoio ao Investidor desta Região de Turismo. // 3. Este acompanhamento não será remunerado e nem terá qualquer vínculo contratual com esta Região de Turismo, excepto quando a candidatura ao Regime de ‘Apoio às actuais Infra-estruturas Associativas’ for oficialmente aprovada e na qual se encontra um posto de trabalho a contratar e respectivo montante remuneratório. // 4. No entanto, a contratação do Dr. A. (…) será submetida aos regulamentos que decretam a contratação de pessoal no âmbito da Administração Local. // Braga, 2 de Abril de 2004 // O Presidente da Região de Turismo Verde Minho // Henrique Moura”.


 


IV – A) Dos fundamentos de direito


Exposto os factos que resultam dos elementos instrutórios recolhidos, importa ter presente o direito aplicável.


1. As regiões de turismo são pessoas colectivas públicas, que associam municípios (artigos 1.º, 3.º e 4 do Decreto-Lei n.º 287/91, de 9 de Agosto, e Marcelo Rebelo de Sousa, Lições de Direito Administrativo, Lisboa, 1994/1995, pp. 381 e 382).


2. Sobre o regime jurídico aplicável aos respectivos trabalhadores, dispõe o n.º 3 do artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 287/91, de 9 de Agosto, que a “admissão de pessoal nas regiões de turismo e respectivo provimento estão sujeitos ao regime em vigor para a administração local, sem prejuízo da eventual criação pelo Governo de carreiras específicas para a área do turismo, mediante decreto regulamentar.”


O “regime em vigor para a administração local” em matéria de “admissão” e “provimento” dos correspondentes empregos públicos é o previsto para a administração estadual, com adaptações (artigo 243.º, n.º 2, da CRP).


3. Quanto ao regime legal do “recrutamento e selecção”, o mesmo consta do Decreto- -Lei n.º 204/98, de 11 de Julho (artigo 2.º, n.º 2, e artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 238/99, de 25 de Junho (1)).


O diploma define o procedimento de concurso, obrigatório para acesso a emprego na Administração Pública.


4. No concurso, trata-se de escolher de entre vários candidatos, em concorrência “aberta e justa” e segundo critérios objectivos, aquele ou aqueles com quem a pessoa colectiva pública empregadora vai estabelecer uma relação jurídica de emprego público.


Daí que o direito fundamental, enunciado no artigo 47.º, n.º 2, da CRP, de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via do concurso, seja desde logo o direito a um procedimento justo de selecção (2).


5. A justeza deste procedimento é estruturada por três princípios: o princípio da liberdade de candidatura ou de acesso ao concurso, o princípio da igualdade de condições e o princípio do mérito, no sentido em que os requisitos de admissão e os critérios de selecção têm de ser objectivos, maxime, fundados nas exigências do emprego a prover. A lei reitera estes comandos constitucionais no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho.


6. Os requisitos de admissão a concurso e de provimento em subsequente emprego público constituem restrições à respectiva liberdade de candidatura e inerente direito à igualdade de oportunidades. Daí a necessidade de previsão legal dos requisitos de admissão (artigo 47.º, n.º 2, artigo 18.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alíneas b) e t), da CRP).


Numa formulação mais completa, constante do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 11 de Outubro de 2006:







 “1. A natureza taxativa das causas de exclusão dos candidatos deriva da integração do direito de acesso à função pública no catálogo constitucional dos direitos fundamentais – cfr. art.º 47.º n.º 2 CRP – ‘Todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso.’ (…) // 6. Sendo matéria sujeita a numerus clausus sob forma legal ex vi artigos 18.º n.º 2 (reserva de lei restritiva) e 47.º n.º 2 CRP (direito de acesso à função pública), trata-se [na adopção de causa de exclusão legalmente não prevista] de vício cuja sanção integra o regime próprio dos actos nulos por ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental, expressamente previsto no art.º 133.º n.º 2 alínea d) do CPA, cabe declarar a sua nulidade. (3)


7. A lei reguladora do concurso em referência, em matéria de “requisitos de admissão”, concretamente, no artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho (emanado ao abrigo da “autorização legislativa concedida pela Lei n.º 10/98, de 18 de Fevereiro, nos termos da alínea b) do artigo 198.º e do n.º 5 do artigo 112.º da Constituição” (4)), diz o seguinte:







 “1- Só podem ser admitidos a concurso os candidatos que satisfaçam os requisitos gerais de admissão a concurso e provimento em funções públicas, bem como os requisitos especiais legalmente exigidos para o provimento dos lugares a preencher. (…)” (itálico nosso).


Os requisitos especiais, como se vê, só podem ser os que a lei exigir. São os “legalmente exigidos” e não os que a Administração Pública exigir.


8. Ora, no caso concreto, para a admissão ao “concurso externo de ingresso para técnico superior de 2.ª classe, área de turismo”, foram pela Região de Turismo do Verde Minho (Costa Verde) exigidos três requisitos especiais que não estão legalmente previstos, a saber: “Pós-graduação em Gestão de Destinos Turísticos”, “Experiência profissional com mínimo de 10 anos” e “experiência profissional na coordenação de Gabinete de Apoio ao Investidor, no mínimo de 5 anos” (ponto 9.2 do aviso de abertura).


V. Ex.ª refere-o, aliás, quando escreve, no ofício n.º 271/06, de 25.09.06, que “não se vislumbra, após análise de toda a legislação aplicável à situação, quais os diplomas ou disposições legais que contenham o rol ou tipo de requisitos especiais que sejam exigidos para um concurso do tipo daquele que foi levado a cabo” (ponto II.1, alínea b).


9. Nestes termos, o aviso de abertura do concurso (n.º 9) e a deliberação do júri de 31 de Julho de 2006 estão feridas do vício de violação de lei, porque não pode a Administração adoptar, em matéria de acesso à função pública, requisitos de admissão, que não tenham previsão legal (artigo 47.º, n.º 2, artigo 165.º, n.º 1, alínea b) e alínea t), artigo 18.º, n.º 2, da CRP e artigo 29.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho).


IV – B) Dos fundamentos de direito


1. O ponto 9.2. do aviso de abertura fere ainda o disposto na lei e na Constituição e a outro título.


Na lei, por dupla razão:



a) Por um lado, porque o ponto 9.2. do aviso de abertura, desloca para a fase de admissão, erigindo-os como requisitos especiais, factores que a lei coloca na fase da selecção (5), mais exactamente, estabelece como critérios de ponderação em sede de avaliação curricular. Com efeito, dispõe o artigo 22.º, n.º 2, que na “avaliação curricular são obrigatoriamente considerados e ponderados, de acordo com as exigências da função: // a) a habilitação académica (…); // c) A experiência profissional, em que se pondera o desempenho efectivo de funções na área de actividade para a qual o concurso é aberto, bem como outras capacitações adequadas, com avaliação da sua natureza e duração.”


b) Por outro lado, porque mesmo quanto aos critérios de selecção, a Administração, tem de fazer uma escolha “em função do complexo de tarefas e responsabilidades inerentes ao respectivo conteúdo funcional e ao conjunto de requisitos de natureza física, psicológica, habilitacional ou profissional exigível para o seu exercício” (artigo 18.º e artigo 4.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho).


Ora, importa, precisamente, não perder de vista as características do concurso em referência:



(1) é externo e, como tal, não pressupõe uma prévia vinculação à Administração Pública (artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho);


(2) é de ingresso, visando o “preenchimento de lugar da categoria de base” de uma carreira (artigo 6.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho, e artigo 26.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho);


(3) é de admissão a estágio (n.º 3 do artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho), estágio este, de ingresso na carreira técnica superior, que tem um carácter formativo e um carácter avaliativo (artigo 5.º, n.º 1, alínea b), c) e f), e n.º 3 do Decreto-Lei n.º 265/88, de 28 de Julho).


Não procede, pois, de forma manifesta, a arguição da necessidade de uma experiência específica de dez anos e de uma experiência de coordenação do “Gabinete de Apoio ao Investidor”.


Arguição esta que, ao invés, indicia a intercorrência do vício de desvio de procedimento, que acontece quando o concurso formalmente aberto pela Administração Pública não corresponde ao concurso substantivamente realizado.


2. No plano constitucional, retenha-se o que no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 53/88 se escreve sobre o conteúdo do n.º 2 do artigo 47.º da CRP. Este “preceito compreende três elementos: // a) O direito à função pública, não podendo nenhum cidadão ser excluído da possibilidade de acesso, seja à função pública em geral, seja a uma determinada função em particular, por outros motivos que não sejam a falta dos requisitos adequados à função (v. g., idade, habilitações académicas e profissionais). // b) A regra da igualdade e da liberdade, não podendo haver discriminações nem diferenciações de tratamento baseadas em factores irrelevantes, nem, por outro lado, regimes de constrição atentatórios da liberdade” (itálicos nossos).


Duas premissas são enunciáveis:



2.1. A própria lei está limitada na definição dos requisitos de admissão a um emprego, condicionantes da liberdade da escolha de profissão ou de género de trabalho, pois os mesmos têm que ter um fundamento constitucionalmente válido, designadamente, fundarem-se no “interesse colectivo” e em exigências capacitárias (artigo 47.º, n.º 1, e n.º 2, e artigo 18.º da CRP) (6).


2.2. O direito à igualdade no acesso aos empregos públicos (artigo 47.º, n.º 2, artigo 18.º, n.º 3, da CRP) veda o estabelecimento de requisitos pelo legislador e a adopção pela Administração, nos espaços de escolha que a lei lhe deixa, de critérios que:



a) consubstanciem “referências individualizadas e concretas” (7);
b) não tenham fundamento objectivo;
c) sejam desproporcionados.


Trata-se de prevenir a “predeterminação do resultado do concurso em favor de determinadas pessoas e em detrimento” de outras igualmente capazes (8) e bem assim de prevenir a “redução ao mínimo da possibilidade de acesso” (9) aos empregos a concurso ou o esvaziamento da igualdade de oportunidades.


O comando jurídico-constitucional é o da publicidade e o da optimização do direito de acesso, garantindo-se a todos os que tenham os requisitos legais, pertinentes, a “possibilidade de fazer valer os seus méritos para o desempenho do cargo” (10).


3. Nestes termos, os requisitos especiais enunciados pela Região de Turismo do Verde Minho (Costa Verde) no aviso de abertura do concurso, ainda que tivessem previsão legal, seriam de constitucionalidade duvidosa, porque circunscrevem injustificadamente, sem fundamento válido, a possibilidade de habilitação a concurso para emprego público, ao nível do estágio de ingresso em categoria de base de carreira da função pública.



IV – C) Dos fundamentos de direito


O procedimento de concurso em referência está ferido, ainda, de outros dois vícios: o que decorre dos termos em que foi assegurada a publicação em jornal nacional do concurso; e o vício traduzido na falta de audiência prévia dos candidatos excluídos.


1. Quanto ao primeiro aspecto, considere-se o seguinte:



a) O prazo para a apresentação de candidaturas nos concursos externos pode variar entre 10 e 20 dias úteis (artigo 32.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho), tendo, no caso, sido fixado em 10 dias úteis (alínea d) do ponto III, supra).


b) O aviso de abertura do concurso tem de ser publicado em órgão de expansão nacional, para além de em Diário da República (artigo 28.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho), tendo no caso sido publicado no jornal “O Primeiro de Janeiro”.


Ora, na data da publicação no jornal – 21 de Julho de 2006 -, tinha já decorrido metade do prazo de candidatura (alínea m) do ponto III, supra).


Acresce referir que o júri reuniu-se para deliberar quanto aos candidatos admitidos e excluídos em 31 de Julho (Acta n.º 2; alínea n) do ponto III, supra).


O que significa que ao não ser acautelada a contemporaneidade das publicações (Diário da República e jornal), a Região de Turismo não agiu em consentaneidade com o princípio da liberdade de acesso (artigo 47.º, n.º 2, da CRP e artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho) (11).


2. Relativamente à audiência prévia, o artigo 34.º (“Exclusão de candidatos”) do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho, dispõe que os candidatos em relação aos quais o júri equacione a sua exclusão devem ser notificados para “exercício do direito de participação”, concretamente para, “no prazo de dez dias úteis, dizerem por escrito o que se lhes oferecer” e que as alegações que venham a oferecer sejam apreciadas pelo júri (n.º 1 e n.º 5).


Em idêntico sentido dispõe o artigo 100.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo (12), que os interessados numa dada decisão que para si é final têm o direito de ser ouvidos antes da mesma ser tomada.


Para poderem contraditar ou arguir o que entenderem por adequado, devem ser informados do sentido provável da decisão e devem-lhes ser fornecidos “os elementos necessários para que fiquem a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, indicando também as horas e o local onde o processo pode ser consultado” (artigo 100.º, n.º 1, artigo 101.º, n.º 1 e n.º 2, do CPA).


“Na resposta, os interessados podem pronunciar-se sobre as questões que constituem objecto do procedimento, bem como requerer diligências complementares e juntar documentos”, segundo o disposto no n.º 3 do artigo 101.º do CPA (salvo aqueles “que pudessem ter sido apresentados dentro do prazo previsto para a entrega de candidaturas” – artigo 34.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho).


A audiência prévia constitui a concretização legal do princípio constitucional da participação (n.º 5 do artigo 267.º da CRP).


Como resulta das alíneas o) e p) dos factos, o júri não notificou os candidatos do projecto de deliberação de exclusão para que se pronunciassem, querendo, nos termos expostos.


Suprimiu, assim, um dos momentos essenciais do procedimento de concurso.


A preterição ou incorrecta realização da audiência prévia importa a anulabilidade da decisão em relação à qual era devida (artigo 135.º do CPA e, entre muitos outros, o Acórdão do STA de 29-06-2006, processo n.º 0816/05, in http://www.dgsi.pt/jsta). 



V – Conclusões


Em face do exposto:


1. Considerando que os requisitos legais de admissão a concurso de ingresso em carreira da função pública têm de estar previstos na lei (lei ou decreto-lei autorizado), por força da artigo 18.º, n.º 2, artigo 47.º, n.º 2, e artigo 165.º, n.º 1, alínea b) e alínea t), todos da Constituição, e artigo 29.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho, e artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 238/99, de 25 de Junho,


Considerando que os requisitos especiais exigidos pela Região de Turismo Verde Minho (Costa Verde), para admissão ao concurso externo de admissão a estágio de ingresso na categoria de técnico superior de 2.ª classe da carreira de técnico superior de turismo, não têm previsão legal,


Considerando que, nestes termos, a Região de Turismo Verde Minho não observou o disposto na lei e na Constituição (artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo),


Que foi, desta forma, concomitantemente, preterido o direito à igualdade no acesso a um emprego na Administração Pública dos candidatos que foram excluídos (artigo 47.º, n.º 2, da CRP),


E que a lei comina com a nulidade os actos que “ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental” (artigo 133.º, n.º 2, alínea d), do CPA).


2. Considerando que não foi realizada a audiência prévia dos candidatos excluídos, os quais, portanto, não puderam contraditar, previamente à sua adopção, a deliberação que os excluiu, lesiva da sua esfera jurídica enquanto opositores ao concurso em causa (artigo 100.º, n.º 1, e 101.º do Código do Procedimento Administrativo e artigo 34.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho),


Que a audiência prévia constitui uma formalidade essencial do procedimento, cuja inobservância ofende os preceitos legais acima identificados, assim como o princípio da participação (artigo 267.º, n.º 5, da CRP, e o artigo 8.º do CPA), para o que o Código do Procedimento Administrativo comina a anulabilidade, nos termos do artigo 135.º do CPA.


3. Considerando que a verificada publicação em jornal de expansão nacional não assegurou as devidas possibilidades de candidatura ao concurso, que justificam tal publicação, ao arrepio daquela que deve ser a aplicação adequada dos artigos 28.º, n.º 1, conciliado com o artigo 32.º, n.º 1, alínea a), e artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho, e que tal afecta também a validade do concurso, por força do artigo 135.º do CPA. 



Recomendação


Recomendo a V. Ex.ª, nos termos do disposto no artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, e em face dos factos apurados e das motivações de direito expostas, que:







Declare a nulidade do aviso de abertura do “concurso externo de ingresso para admissão a estágio com vista ao preenchimento de um lugar de técnico superior de 2.ª classe, na área do turismo, em lugar do quadro de pessoal da Região de Turismo do Verde Minho (Costa Verde)” e dos actos subsequentes.


De acordo com o regime jurídico constante do artigo 38.º da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, aguardo que me comunique, no prazo de 60 dias a contar da recepção da presente recomendação, a posição que quanto à mesma assume (n.ºs 2 e 3).


O Provedor de Justiça
H. Nascimento Rodrigues


 





Notas de rodapé:


(1) “O recrutamento e selecção de pessoal para as carreiras e categorias da administração local obedece ao disposto no Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho, com as alterações constantes do presente diploma.”
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(2) Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1993, p. 265.
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(3) Acórdão de 11 de Outubro de 2006, processo n.º 12917/03, in www.dgsi.pt/jtca/.
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(4) Cfr. último parágrafo do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho.
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(5) A separação entre a fase da admissão e a fase da selecção é clara no Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho (cfr., maxime, artigo 33.º e 35.º).
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(6) Ponto VI da anotação de Gomes Canotilho e Vital Moreira à Constituição da República Portuguesa Anotada, 1993, p. 264.
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(7) Sentença do Tribunal Constitucional espanhol (STC) n.º 67/1989, de 18-04-1989, in www.tribunalconstitucional.es/jc.htm/.
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(8) STC 281/1993, de 27-09-1999 (p. 9), in www.tribunalconstitucional.es/jc.htm/.
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(9) Na expressão da STC n.º 67/1989, citada.
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(10) Sobre a ideia de optimização, cfr. Acórdão do STA de 30-04-98, Processo n.º 041027, ponto III do sumário, in www.dgsi.pt/jsta.
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(11) (Acórdão do Tribunal de Contas, Recurso ordinário n.º 12/98, de 28.04.1988, Processo n.º 2757/97 e outros, in Colectânea de Acórdão 1997/1998, Tribunal de Contas, 1999, pp. 83 e segs.
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(12) Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 6/96, de 31 de Janeiro.
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