RECOMENDAÇÃO Nº 6/B/2006
[art. 20.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril]


Entidade visada: Ministro de Estado e das Finanças
Processo: R-5274/06
Área: A3
Data: 17.11.2006


Assunto: Pensão de sobrevivência; união de facto; início do pagamento da pensão. Recomendação legislativa para alteração do artigo 41º, nº 2, do Estatuto das Pensões de Sobrevivência (aprovado pelo Decreto-Lei nº 142/73, de 31 de Março, com a redacção que lhe veio a ser dada pelo Decreto-Lei nº 191-B/79, de 25 de Junho).


– Enunciado –



1. Tendo conhecimento de que está constituído um grupo de trabalho para estudo e revisão de algumas normas do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, permito-me suscitar a atenção de Vossa Excelência para o problema que me foi apresentado, através de reclamações que me foram dirigidas, recentemente, e que se prende com a injustiça que decorre da aplicação do disposto no artigo 41º, nº 2, 2ª parte do Estatuto das Pensões de Sobrevivência – aprovado pelo Decreto-Lei nº 142/73, de 31 de Março, com a redacção que lhe veio a ser dada pelo Decreto-Lei nº 191-B/79, de 25 de Junho –, que determina o momento a partir do qual é devida esta pensão.



2. Dispõe aquela norma:




“Aquele que no momento da morte do contribuinte estiver nas condições previstas no artigo 2020º do Código Civil só será considerado herdeiro hábil para efeitos de atribuição de pensão de sobrevivência depois de sentença judicial que lhe fixe o direito a alimentos e a pensão de sobrevivência será devida a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que o requeira, enquanto se mantiver o referido direito”.


3. De acordo com o estabelecido neste preceito, as pessoas em união de facto só são consideradas herdeiras hábeis após a sentença judicial que lhes fixe o direito a alimentos e a pensão de sobrevivência apenas é devida a partir do dia 1 do mês seguinte ao do requerimento.



Daqui resulta que, antes dessa data, não estão reunidos os requisitos legais de que o legislador faz depender o reconhecimento ao direito à pensão de sobrevivência, pelo que todos os requerimentos nesse sentido, apresentados antes de intentada a respectiva acção em Tribunal, são expressamente indeferidos pela Caixa Geral de Aposentações (CGA).



4. Diferentemente, logo que obtida a sentença que reconhece o direito a alimentos ao interessado, a CGA concretiza o direito à pensão de sobrevivência a partir do primeiro dia do mês seguinte ao do trânsito em julgado da mesma, ainda que o requerente não formalize de imediato requerimento para o efeito, considerando que a vontade do interessado foi suficientemente manifestada através do recurso à via judicial. Este tem sido, de facto, o procedimento habitualmente seguido pela Caixa e o que se acha mais conforme ao texto da lei em vigor.



5. Não obstante, invocam os reclamantes a injustiça que decorre do facto de os mesmos, uma vez reconhecidos como herdeiros hábeis por sentença judicial, serem penalizados na atribuição da pensão de sobrevivência, no que concerne à data do seu início, pela morosidade decorrente da tramitação dos processos judiciais, quando, em contrapartida, esta mesma morosidade é irrelevante para os “viúvos de facto” do regime geral de segurança social, à luz do disposto no artigo 6º do Decreto Regulamentar nº 1/94, de 18 de Janeiro.




– Apreciação –



6. Analisadas as reclamações que me foram dirigidas, verifico que a questão colocada pelos reclamantes não é nova e que sobre a mesma, aliás, já se tem debruçado a jurisprudência.



Na verdade, através do Acórdão de 22 de Abril de 2004 (1), o Supremo Tribunal de Justiça veio confirmar a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, que considerou que a disposição do nº 2, do artigo 42º do Decreto-Lei nº 142/73, de 31 de Março, na parte em que estabelece o dia de início do prazo de vencimento da pensão de sobrevivência, é materialmente inconstitucional, devendo, em seu lugar, aplicar-se a norma correspondente, que vigora para o regime geral da Segurança Social.



7. Este regime prevê, como se sabe, no artigo 6º do Decreto-Regulamentar nº 1/94, de 18 de Janeiro, relativamente às pessoas que se encontram nas condições previstas pelo artigo 2020º do Código Civil, que a pensão de sobrevivência é atribuída a partir do início do mês seguinte ao do falecimento do beneficiário, quando requerida nos seis meses posteriores ao trânsito em julgado da sentença, ou a partir do início do mês seguinte ao da apresentação do requerimento, se requerida após o decurso daquele prazo.



8. Neste contexto, defende-se naquele aresto que:




“o início de vencimento do direito à pensão de sobrevivência do companheiro ou ex-cônjuge, reconhecido que foi por sentença transitada, não tem qualquer diferença, de natureza, de titularidade, de afectação, de necessidade e de conteúdo patrimonial, quando oriundo de um contribuinte da Segurança Social ou da Caixa Geral de Aposentações. Trata-se de situações típicas de identidade, que não faz qualquer sentido constitucional desigualar.


Em síntese, e ainda pela negativa, não se encontram fundamentos de facto e da correspondente valoração que justifiquem um tratamento diferenciado das duas situações atributivas do direito à pensão de sobrevivência, que o ordenamento jurídico formalmente discrimina, quanto à data de começo de vencimento da pensão, privilegiando uma, desfavorecendo a outra, tratando desigualmente o que é essencialmente igual – o que não pode ser consentido por um Estado de Direito, nem para tanto estaria legitimado o Juíz (respectivamente, artigos: 2º e 204º da Constituição)”.


Daí que, deva prevalecer, segundo o entendimento perfilhado neste acórdão, a vontade do legislador manifestada em último lugar.



Desta decisão houve, porém, recurso para o Tribunal Constitucional, para o qual o processo foi remetido em 7.06.2004, tendo-lhe sido atribuído o nº 663/2004, mas não tendo ainda, até à presente data, sido proferida qualquer decisão sobre o mesmo.



9. Em idêntico sentido, veja-se ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do recurso de revista com nº 798/01, de 31.05.2001 (2), em que se conclui, a final, o seguinte:



“(…) as normas do artigo 42º, nº 1, do Dec-Lei nº 142/73 e do art. 6º do Decreto Regulamentar nº 1/94 abrangem situações claramente idênticas do ponto de vista sócio-jurídico, referindo ambas direitos concedidos a pessoas a que se reporta o mesmo instituto da união de facto.


Sendo que a única diferença se encontra no regime social aplicável: a umas o Estatuto das Pensões de Sobrevivência (aposentados da função pública), a outras o Regime Geral de Segurança Social (para os demais casos não dotados de regime especial).


E é nesta diferenciação de tratamento de situações social e juridicamente iguais que se manifesta a inconstitucionalidade do art. 41º, nº 2 do Dec-Lei nº 142/73, como bem, a nosso ver, se entendeu no acórdão recorrido (3).


Conclusão que parece reforçada se atentarmos na Lei nº 135/99, de 28 de Agosto, cuja finalidade é a protecção jurídica das pessoas que vivam em união de facto, que não estabelece entre essas pessoas qualquer distinção, consoante o regime de previdência social em que se achem ou pretendam estar integrados, apontando claramente no sentido do tratamento igual de situações semelhantes, designadamente quando estabelece no art. 3º, al. f), que quem vive em união de facto tem direito à protecção na eventualidade de morte do beneficiário, pela aplicação do regime geral de segurança social e da lei”.


Desta decisão não houve recurso para o Tribunal Constitucional, tendo o processo sido remetido definitivamente para a 1ª instância, em 22.06.2001.



10. Verifico, no entanto, que no dia 10 do corrente mês de Novembro, foi publicado o Acórdão nº 522/2006, do Tribunal Constitucional que, pela primeira vez, decidiu:




a) “julgar inconstitucional, por violação do princípio da igualdade (artigo 13º, nº1 da CRP), a norma constante do trecho final do artigo 41º, nº 2 do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, aprovado pelo Decreto-Lei nº 142/73, de 31 de Março, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 191-B/79, de 25 de Junho, na parte em que determina que a pensão de sobrevivência será devida a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que tal pensão tenha sido requerida” ;


b) E, consequentemente, confirmar, no que à questão da constitucionalidade diz respeito, o acórdão recorrido” (4).


11. Regozijo-me com o mérito desta decisão, muito embora tenha de reconhecer que o Tribunal Constitucional se pronunciou naquele processo em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade, pelo que o juízo proferido apenas produz efeitos no caso concreto.



12. Penso, porém que se justifica uma apreciação mais abrangente desta norma, do ponto de vista da justiça material, uma vez que a sua aplicação tem prejudicado um universo alargado de cidadãos que se encontram em igualdade de circunstâncias ao cidadão cujo caso foi submetido ao juízo do Tribunal Constitucional.



13. Não há dúvida que o artigo 6º do Decreto Regulamentar nº 1/94, de 18 de Janeiro, estabeleceu um regime muito mais generoso do que o preceito supra citado do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, tendo colocado um ponto final na distinção entre cônjuges e unidos de facto, a partir do momento em que estes se acham reconhecidos como herdeiros hábeis, por sentença judicial transitada em julgado.



14. Já se viu, também, que as decisões jurisprudenciais mais recentes, sobre esta matéria em concreto, não encontram razões atendíveis que permitam justificar a diferença de datas de início do vencimento da pensão (muitas vezes significativas), entre o regime público e o regime geral de segurança social, para o exercício de direitos que são rigorosamente iguais.



15. Atenta a natureza das pensões de sobrevivência, cuja finalidade é, para ambos os regimes (quer seja o da protecção social da função pública, quer seja o do sistema de segurança social), a de compensar os familiares/herdeiros hábeis do beneficiário da perda dos rendimentos de trabalho determinada pela morte deste, também não se me vislumbram outras justificações que possam estar na origem do estabelecimento de datas diferentes para o início do vencimento das pensões.



16. Como bem refere Rita Lobo Xavier (5), “a atribuição da pensão de sobrevivência está intimamente relacionada com as implicações económicas da morte do beneficiário: os herdeiros hábeis terão de provar determinados factos de onde resulte que a morte do beneficiário implicou uma diminuição dos meios de subsistência”.



17. Ora, nas situações em que esta prova já foi feita judicialmente e os respectivos companheiro/companheira reconhecidos como herdeiros hábeis, ou seja, em que se admitiu que os mesmos ficaram afectados nos seus meios de sobrevivência pela perda de rendimentos do trabalho que o de cujus auferia, não se vê por que razão a lei não lhes há-de assegurar a pensão de sobrevivência a partir do momento em que deixaram de contar com tais rendimentos, isto é, a partir do início do mês seguinte ao do falecimento.



18. De facto, parece-me demasiado oneroso, injusto e desproporcional, fazer recair sobre os mesmos os prejuízos que podem advir da morosidade na tramitação dos processos judiciais que, nos casos que me foram relatados, ascenderam a cerca de dois anos, quando a mesma situação de morosidade irreleva no caso do regime geral de segurança social.



19. Em face de todo o exposto – e, sobretudo, tendo em atenção o princípio da igualdade e o princípio da convergência dos regimes de protecção social da função pública com os regimes do sistema de segurança social, ínsito no artigo 124º da Lei nº 32/2002, de 20 de Dezembro (Lei de Bases da Segurança Social) (6) e confirmado no artigo 104º da recente Proposta de Lei nº 101/X/2, em parte já implementado, nomeadamente através do artigo 6º da Lei nº 60/2005, de 29 de Dezembro –, a alteração do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, no que concerne ao momento a partir do qual é devida esta pensão, parece-me um imperativo de equidade e de conformidade constitucional.



20. Em face de todo o exposto e exercendo o poder que me é conferido pelo artigo 20.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, RECOMENDO a Vossa Excelência que seja promovida alteração legislativa que, tendo em vista a harmonização dos regimes de segurança social, no que toca à data de início da pensão de sobrevivência, modifique o regime ora previsto no artigo 41º, nº 2, 2ª parte do Decreto-Lei nº 142/73, de 31 de Março (Estatuto das Pensões de Sobrevivência), adoptando-se a solução mais justa e adequada à natureza da pensão em causa e que se acha consagrada no art. 6º do Decreto Regulamentar nº 1/94, de 18 de Janeiro.



21. Mais me permito sugerir que, ponderando a morosidade inerente a um processo de alteração legislativa – sobretudo se, como é natural, se pretender operar uma revisão global do Estatuto das Pensões de Sobrevivência de preferência à alteração pontual do disposto no seu artigo 41º, nº 2, 2ª parte –, sejam fixadas orientações expeditas à Caixa Geral de Aposentações, com vista à imediata adopção dos procedimentos conformes ao teor da jurisprudência decorrente do citado Acordão do Tribunal Constitucional, de 10 de Novembro de 2006.



Solicito a Vossa Excelência, em cumprimento do dever consagrado no artigo 38º, nº 2, do Estatuto do Provedor de Justiça (aprovado pela Lei nº 9/91, de 9/04), que se digne mandar informar-me sobre a sequência que este assunto venha a merecer.



O Provedor de Justiça,
H. Nascimento Rodrigues


 


 



Notas de rodapé:


(1) Proferido no âmbito do processo nº 4B676 (7ª subsecção do STJ), publicado na Colectânea de Jurisprudência, Ano XII, tomo II-2004, págs. 38 a 41.
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(2) Não publicado.
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(3) A decisão recorrida foi proferida pelo Tribunal da Relação de Évora em 9.11.2000 e encontra–se publicada na Colectânea de Jurisprudência, Ano XXV, Tomo V – 2000, págs. 257 a 260.
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(4) Proferido em 7.12.2005, no âmbito do processo nº 3401/05, da 1ª Secção, do Supremo Tribunal de Justiça (não publicado).
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(5) In artigo intitulado “Uniões de facto e pensão de sobrevivência. Anotação aos Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 195/03 e 88/04”, publicado na Jurisprudência Constitucional, nº 3, Julho-Setembro de 2004, págs. 16 e ss.
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(6) Efectivamente, sob a epígrafe “Regimes da função pública”, dispõe o referido artigo 124º: “Os regimes de protecção social da função pública deverão ser regulamentados por forma a convergir com os regimes do sistema de segurança social quanto ao âmbito material, regras de formação de direitos e atribuição das prestações”.
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