RECOMENDAÇÃO N.º 6/A/2001
(Artigo 20º, nº 1, alínea a), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril)


Entidade visada: Ministro do Ambiente
Nossa Ref.ª – Proc.º: R-816/99
Data: 2001/04/18
Área: A2


Assunto: Taxa de ocupação de terrenos ou planos de água – Decreto-Lei n.º 47/94, de 22 de Fevereiro.


 


O Senhor MS, titular de uma licença para exploração de um estabelecimento de bebidas sito no lugar da PRAIA, em Afife, implantado em área do domínio público hídrico, dirigiu-se a este órgão do Estado solicitando a minha intervenção por considerar ilegal a liquidação da taxa devida pela ocupação do terreno onde se situa o seu estabelecimento e relativa aos anos de 1996, 1997 e 1998.


I
OS FACTOS


1. O interessado explora, desde 1991, um estabelecimento de bebidas no lugar da PRAIA (praia de Afife), no concelho e distrito de Viana do Castelo.


2. Este estabelecimento encontra-se situado em domínio público hídrico.


3. Entre os anos de 1991 e 1993 pagou, pela ocupação do terreno do domínio público hídrico relativa aquele estabelecimento, a taxa anual de 8 112$00.


4. Em 1994 foi liquidada e paga a taxa no valor de 25 350$00; em 1995 não foi cobrada qualquer importância a este título, e em 1996 e 1997 foram liquidadas taxas no valor de 304.200$00 e 380.250$00, respectivamente. Desconhece-se o montante em causa relativamente ao ano de 1998.


5. O reclamante não pagou voluntariamente as taxas liquidadas nos anos de 1996, 1997 e 1998, que se encontram a ser cobradas em sede de processo de execução fiscal, a correr termos na Repartição de Finanças de Caminha.


6. Contra esta cobrança coerciva foi pelo interessado deduzida oposição à execução fiscal. Contudo, o Tribunal Tributário de 1ª Instância de Viana do Castelo considerou – e bem –, por sentença proferida nos autos n.º 63/98, que aquele meio não era processualmente adequado para questionar a legalidade da liquidação da taxa relativa ao ano de 1996.


7. A licença de ocupação do domínio público marítimo de que o queixoso era titular caducou em 1 de Outubro de 1999, com a entrada em vigor do Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) entre Caminha e Espinho.




II
DA ILEGALIDADE DA TAXA PREVISTA NO ARTIGO 7º DO DECRETO-LEI N.º 47/94, DE 22 FEVEREIRO


8. Nos termos do n.º 1 do artigo 2º e do n.º 1 do artigo 3º do Decreto-Lei n.º 47/94, de 22 de Fevereiro, a utilização privada do domínio público hídrico está sujeita ao pagamento de uma taxa pelo titular da licença de utilização. A taxa de utilização relativa à ocupação destes terrenos é calculada, nos termos do n.º 1 do artigo 7º desde diploma, de acordo com a seguinte fórmula:











= O x K3, em que:


= valor da taxa, expresso em escudos;
= área do terreno ou plano de água ocupada;
K3 = 0,05p, em que:
   K3 = valor de cada metro quadrado de terreno ou plano de água ocupado, expresso em escudos;
   p valor médio de cada metro quadrado de terreno na área contígua à área ocupada.



9. Significa esta fórmula que o legislador elegeu como factor de referência único e exclusivo para o cálculo da taxa de ocupação do domínio público hídrico, o valor médio do metro quadrado dos terrenos adjacentes àquele onde se situa o espaço ocupado.


10. Ora, o que se verifica é que, pelo Despacho n.º 5/SERN/97, de 29 de Janeiro, de Sua Excelência o Secretário de Estado dos Recursos Naturais, são definidos valores fixos da taxa por metro quadrado de terreno ocupado, para todo o País, consoante o tipo de espaço (centros urbanos/zona não urbana), e conforme o seu tipo de utilização (apoios de praia – permanentes e sazonais -, equipamentos de hotelaria e similares e actividades do sector terciário, habitação, e outras ocupações).


11. É, assim, manifesta a desconformidade dos critérios de determinação da taxa de ocupação do domínio público hídrico fixados neste Despacho, e dos critérios de apuramento do valor da taxa definidos no Decreto-Lei em apreço.


12. Esta desconformidade veio, aliás, a ser expressamente reconhecida pelas entidades públicas ouvidas na instrução do presente processo. Efectivamente:








a) desde logo, o próprio Despacho n.º 5/SERN/97, expressamente refere e evidencia “dificuldades que se têm verificado no cálculo e aplicação das taxas previstas” no Decreto-Lei e admite que os critérios de determinação da taxa dele constantes possam conduzir a “valores patentemente desajustados“, devendo então proceder-se à avaliação dos terrenos adjacentes, isto é, à aplicação do regime previsto no diploma;


b) a Direcção Regional do Ambiente e do Ordenamento do Território – Norte (DRAOTN), apreciando a legalidade da liquidação da taxa no caso concreto, confessa expressamente no Ofício n.º 4 916 de 27.07.2000, o incumprimento do critério fixado no artigo 7º do Decreto-Lei n.º 47/94, ao referir que “não apurou o valor médio do metro quadrado de terreno, na área contígua à área ocupada para os anos de 1996 e 1997, aplicando, no cálculo das taxas, os valores indicados no anexo ao Despacho n.º 5/SERN/97″;


c) também o Gabinete de Sua Excelência o Secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza, pelo Ofício n.º SEOTCN/2846/2000/3789 de 2000.09.19, admite, de forma clara, não ter sido cumprido o referido artigo 7º. Desde logo, ao reconhecer que a aplicação daquela norma não era imediatamente exequível “dada a impossibilidade de conhecer, com o mínimo de rigor necessário, o valor desses terrenos” adjacentes às áreas ocupadas e, depois, ao explicar os critérios subjacentes ao cálculo da taxa previstos no Despacho n.º 5/SERN/97, que nada têm a ver com o valor médio dos terrenos contíguos.



13. Mesmo a admitir-se que o disposto no artigo 7º do Decreto-Lei n.º 47/94, de 22 de Fevereiro, até pode não ser exequível nos termos em que foi previsto e definido e, ainda, que os valores apurados nos termos do Despacho n.º 5/SERN/97 podem até ser perfeitamente adequados ao pagamento das contrapartidas quantificadas na taxa, não parece contudo restarem dúvidas acerca do facto de o Despacho violar o Decreto-Lei, pelo que não pode deixar de se reconhecer quer a ilegalidade daquele, quer a ilegalidade das taxas liquidadas e cobradas com base nos critérios ali definidos.


14. Não posso, igualmente, deixar de manifestar a minha estranheza pelo facto de, nos cerca de três anos que mediaram entre a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 47/94 de 22 de Fevereiro, e do Despacho n.º 5/SERN/97 de 29 de Janeiro, uma vez constatada a inexequibilidade do cálculo da taxa prevista no artigo 7º deste Decreto-Lei, não tenha sido promovido pelas entidades com iniciativa para o efeito, o processo legislativo adequado a corrigir a situação, tendo-se antes optado pela via regulamentar, em evidente violação dos princípios constitucionais da hierarquia e da precedência de lei.



III
CONCLUSÕES




Na certeza de que Vossa Excelência, Senhor Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território, não deixará de ponderar devidamente o que ficou exposto, RECOMENDO, ao abrigo do disposto nas alíneas a) e b), do n.º 1, do artigo 20º da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, que:







a) se proceda a urgente alteração legislativa do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 47/94, de 22 de Fevereiro, de modo a tornar exequível o método de cálculo da taxa de ocupação do domínio público hídrico:


b) seja, consequentemente, revogado o Despacho n.º 5/SERN/97, de 29 de Janeiro;


c) sejam adoptados os procedimentos adequados à anulação dos processos de execução fiscal instaurados contra o reclamante, Senhor MS, e pendentes na Repartição de Finanças de Caminha, para cobrança coerciva das taxas de ocupação do domínio público hídrico respeitantes aos anos de 1996, 1997 e 1998, face à ilegalidade da dívida exequenda;



Nos termos do disposto no artigo 38º, n.º 2, da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, deverá Vossa Excelência comunicar-me o acatamento desta Recomendação ou, porventura, o fundamento do seu não acatamento, no prazo máximo de sessenta dias.


Com os melhores cumprimentos.


O Provedor de Justiça,
H. Nascimento Rodrigues