Ministro das Finanças

Rec. nº 180/A/94
Proc.: 2363/93
Data: 1994-12-30
Área: A2

Assunto: TRABALHO – SECTOR PRIVADO

Foram apresentadas na Provedoria de Justiça várias queixas e instaurados os respectivos processos, relativas à interpretação e aplicação que pelas entidades envolvidas vem sendo feita do disposto no artigo 9º, nº 1, do Decreto-Lei nº 2593, de 5 de Fevereiro.

Conforme é do conhecimento público, este diploma foi publicado com os objectivos de suprir e atenuar os graves e previsíveis problemas que se fizeram sentir em todo o sector aduaneiro com a abolição das fronteiras fiscais e dos controlos aduaneiros relativos às trocas intracomunitárias, decorrente da criação do mercado interno comunitário a partir de 1 de Janeiro de 1993.

Contém este diploma um conjunto de medidas de excepção com vista à minoração das consequências negativas que, ao nível do emprego, se iriam fazer sentir no sector após aquela data e que apresentam duas vertentes diferenciadas: por um lado, um conjunto de prestações de carácter social e, por outro, um conjunto de apoios à formação e reconversão profissional dos trabalhadores e à criação de empregos.

É relativamente à primeira vertente e, concretamente, à medida integradora constante da alínea d), do artigo 3º, do Decreto-Lei nº 25/93, de 5 de Fevereiro, que foi solicitada a intervenção deste órgão do Estado.

Esta medida especial que se refere à compensação por cessação de contrato de trabalho, encontra-se prevista no artigo 9º do diploma e é nesta norma legal que reside toda a problemática que seguidamente se descreve.

Os vários reclamantes que, individual ou conjuntamente, apresentaram queixa e ainda o Sindicato dos Trabalhadores Aduaneiros em Despachantes e Empresas, expuseram a sua posição que consiste, sumariamente, nos seguintes considerandos:

1 – No sector aduaneiro desde sempre se verificou uma grande mobilidade de trabalhadores devido à facilidade de mudança de empregador, favorecida pelas regras próprias acordadas ao nível da contratação colectiva entre entidades patronais e seus representantes, e os trabalhadores e seus representantes;

2 – A especificidade das actividades desenvolvidas no sector propiciavam uma aglutinação dos interesses das entidades patronais e dos trabalhadores;

3 – No contrato colectivo de trabalho actualmente em vigor, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1ª Série, nº 44, de 29/11/1979, estão definidas as regras que regulam a admissão de um trabalhador numa nova entidade patronal Cláusula 13ª – “Na admissão de qualquer trabalhador será tomado em linha de conta o tempo de serviço e a categoria já alcançada noutra ou noutras entidades patronais, não podendo o trabalhador ser admitido com prejuízo da sua antiguidade na profissão”), regra esta que sempre pautou as actuações das entidades patronais do sector;

4 – No mesmo instrumento de regulamentação colectiva de trabalho encontra-se ainda previsto o processo de cálculo da indemnização devida ao trabalhador por cessação do contrato, e que é de um mês de vencimento por cada ano de serviço ou fracção (regra, aliás, de conteúdo idêntico à do nº 3, do artigo 13º, do Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro );

5 – Da conjugação das normas constantes do contrato colectivo de trabalho referido resulta claramente que sobre a entidade patronal impende o dever de indemnizar, em caso de cessação do contrato de trabalho que origine direito a recebimento de indemnização, por todo o tempo de serviço do trabalhador no sector;

6 – Esta é a correcta interpretação e aplicação das normas estabelecidas a nível contratual, e que desde há muito vêm regulando as relações de trabalho dentro do sector;

7 – Também a mesma regra de raciocínio deverá pautar a interpretação e a aplicação do disposto no artigo 9º do Decreto-Lei nº 25/93, de 5 de Fevereiro, pois embora se trate de normas especiais, a partir do momento em que se pretende criar um regime de excepção mais benéfico para os trabalhadores há que partir, não da base legal, que determina os parâmetros mínimos (esta é a regra geral no âmbito do Direito do Trabalho), mas das regras consignadas no instrumento de regulamentação colectiva, nascidas do acordo entre as partes. Acresce que esta foi a posição oportunamente aceite e assumida por Sua Excelência a Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento, Drª Manuela Ferreira Leite, aquando da fase anterior da publicação do Decreto-Lei, que envolveu numerosas reuniões entre as partes interessadas;

8 – Assim não sendo, e esta não tem sido a interpretação e aplicação dos Centros Regionais de Segurança Social, os trabalhadores com vinte ou mais anos de serviço no sector, vêm a receber a indemnização correspondente apenas a três ou quatro anos de serviço, ou mesmo menos, dependendo do tempo que prestaram na última entidade patronal;

9 – Mostra-se clara a disparidade entre o benefício que se pretendeu alcançar com o diploma em causa e o que de facto dele decorre, se essa for a interpretação e aplicação que lhe for dada;

10 – Pretendem, em suma, os Reclamantes, que sejam alterados os procedimentos, quer dos Centros Regionais de Segurança Social, quer das Delegações do IDICT, que têm vindo a defender e a aplicar a interpretação mais restritiva da norma contida no nº 1, do artigo 9º, do Decreto-Lei nº 25/93, de 5 de Fevereiro, e prejudicado, assim, todos quantos por ela se encontram abrangidos.

Solicitados os esclarecimentos pertinentes aos Exmºs Senhores Chefes dos Gabinetes de Suas Excelências o Secretário de Estado do orçamento (ofício de 12 de Março p.p.) e Secretário de Estado da Segurança Social (ofício de 12 de Março p.p.), e apesar do envio de ofícios de insistência, datados de 11 de Maio p.p., não foram recebidas quaisquer respostas.

Do Gabinete de Sua Excelência o Secretário de Estado da Segurança Social e assinado pelo Exmº Senhor Chefe do mesmo, foi recebido um oficio datado de 20 de Maio de 1994, relativo ao processo ali aberto, em que era informado ter sido o assunto encaminhado para o Gabinete de Sua Excelência o Ministro do Emprego e Segurança Social, porquanto a matéria em apreciação se inseria no âmbito da legislação laboral, cujo tratamento, no caso concreto, caberia à Inspecção-Geral do Trabalho (Doc. 1 no proc. da presente recomendação).

Posteriormente, foi recebido do Gabinete de Sua Excelência o Secretário de Estado do Orçamento, através do Exmº Senhor Chefe do Gabinete, em ofício datado de 17 de Junho de 1994, o esclarecimento que sobre o assunto havia sido elaborada a informação, de 28 de Fevereiro de 1994, da Inspecção-Geral de Finanças (junta ao oficio) e que, naquela mesma data, havia o processo sido remetido à Secretaria de Estado da Segurança Social (Doc.2 no proc. da presente recomendação).

Da informação supra referida retira-se considerarem a Inspecção-Geral de Finanças e Sua Excelência o Secretário de Estado do Orçamento ser da exclusiva competência do Ministério do Emprego e Segurança Social o cálculo do valor das referidas indemnizações, derivando tal entendimento do facto de ser aquela entidade a responsável pela gestão, controlo e pagamento daqueles montantes (vide ponto 3. da informação nº /…94).

Na instrução de outro processo respeitante ao mesmo assunto, foram solicitados esclarecimentos ao Exmº Senhor Inspector-Geral do Trabalho, em 2 de Fevereiro de 1994, através de ofício, ao qual foi dada resposta em 2 de Março de 1994, pelo Exmo. Senhor Inspector-Geral, através do ofício com a referência …/90 (Doc.3 no proc. da presente recomendação), onde se considera relevante para efeitos do cálculo indemnizatório “sem margem de dúvidas, a antiguidade na empresa, a qual se inicia com a celebração do contrato de trabalho”.

Deste ofício retira-se claramente qual a posição das entidades envolvidas, no caso, o Centro Regional de Segurança Social de Viana do Castelo e a Delegação do IDICT de Viana do Castelo, tendo a posição expressa por esta última entidade obtido a concordância do Exmº Senhor Inspector-Geral do Trabalho (vide pontos 7. e 8.).

Por outro lado, o Exmo. Senhor Inspector-Geral do Trabalho elaborou uma Informação que, submetida a despacho Superior, foi objecto de concordância com o entendimento anteriormente expresso.

Quanto a esta interpretação apenas se dirá que os argumentos e exemplos nela expendidos seriam completamente aceitáveis, se estivéssemos face a uma situação económica, social e laboral que pudesse ser considerada “normal” dentro de um sector de actividade.
Contudo, as “profundas alterações ao nível do sector aduaneiro” e a “previsível redução da actividade dos despachantes oficiais, com as inerentes consequências para as empresas e para os trabalhadores ao seu serviço” foram exactamente os motivos ponderados e que teleologicamente dominaram a elaboração do Decreto-Lei nº 25/93, ao pretender criar um conjunto de medidas de excepção especialmente dirigidas aos trabalhadores em despachantes oficiais, fazendo assim cair pela base as considerações ali feitas.

Acresce que existe uma contradição entre estas posições e a que em momento anterior foi assumida por Sua Excelência a Secretária de Estado do Orçamento, garantindo a relevância da antiguidade no sector.

Tendo analisado a questão, retirei as seguintes conclusões:

1. – A compensação por cessação de contrato de trabalho, a que se refere a alínea d), do artigo 3º, do Decreto-Lei nº 25/93, de 5 de Fevereiro, e a comparticipação em um terço do valor que resulta da aplicação do nº 3, do artigo 13º, do Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro, referida no nº 1 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 25/93, de 5 de Fevereiro, devem ser interpretadas no sentido de ser dada à expressão “antiguidade” o sentido de antiguidade no sector. A não ser essa a interpretação feita, haverá que concluir do completo esvaziamento das normas em apreço, já que compensação calculada nos termos de antiguidade na empresa era a forma geral e normal que abrangeria estes trabalhadores, decorrente da lei geral relativa à matéria.

2. – Se é certo que a comparticipação financeira do Estado nas compensações devidas aos trabalhadores por cessação dos contratos de trabalho constitui uma especialidade do regime em apreço, também é verdade que tal facto decorre de uma alteração profunda da situação do sector do despacho alfandegário, nascida das implicações da abolição de fronteiras ao comércio intracomunitário, tendo o Estado, para o efeito, assumido um compromisso com estes trabalhadores no sentido de criar e zelar pelo cumprimento de regras que melhor os protegessem do quase inevitável desemprego e da frustração das suas expectativas laborais.

3. – A não ser este o entendimento a dar à expressão antiguidade, criam-se situações de profunda e flagrante injustiça, como sejam todas – e não são poucas -, em que um trabalhador, apesar de ter trabalhado trinta ou mais anos no sector mudou nos últimos anos de entidade patronal e que acabará por receber uma compensação financeira inferior à de outros que tendo trabalhado um menor número de anos naquela actividade do despacho alfandegário, o fizeram sempre para a mesma entidade patronal. Conclui-se daqui que, ao interpretar-se antiguidade como antiguidade na empresa (e não como antiguidade no sector) se está a penalizar um sem número de trabalhadores que durante anos trabalharam e criaram expectativas de, mesmo ao verem os seus postos de trabalho extinguirem-se, serem compensados por todo esse tempo.

Nestes termos e ao abrigo do disposto na alínea b), do nº 1, do artigo 20º, da Lei nº 9/91, de 9 de Abril,

RECOMENDO
a Vossa Excelência,

a) a elaboração de um Despacho Conjunto relativo à interpretação a ser dada ao artigo 9º, do Decreto-Lei nº 25/93, de 5 de Fevereiro, no sentido de a expressão antiguidade usada no nº 3, do artigo 13º, do Decreto-Lei nº 64-A/89,de 27 de Fevereiro, para efeitos de aplicação do Decreto-Lei nº 25/93, de 5 de Fevereiro, ser entendida como antiguidade no sector e não como antiguidade na empresa.

b) Por outro lado, e quanto ao prazo de vigência do Decreto-Lei nº 25/93, de 5 de Fevereiro, apesar de o nº 1, do artigo 17º, reportar a produção dos seus efeitos a 1 de Janeiro de 1993 e, nos termos do nº 2, o diploma ter um prazo de vigência de 24 meses, a verdade é que a caducidade do mesmo apenas ocorrerá em 10 de Fevereiro de 1994, visto que não foi fixada qualquer data para a sua entrada em vigor e, nessa medida, o começo de vigência do diploma ter ocorrido após o decurso da vacatio legis, nos termos do artigo 2º da Lei nº 6/83, de 29 de Julho, na versão dada pelo Decreto-Lei nº 1/91, de 2 de Janeiro.

Considerando que se encontram ainda alguns trabalhadores do sector no activo mas cujas perspectivas de futuro se afiguram assaz preocupantes, recomendo a prorrogação da vigência do Decreto-Lei nº 25/93, de 5 de Fevereiro por um prazo que se afigure razoável de modo a permitir que tais trabalhadores beneficiem do regime especial criado pelo Decreto-Lei nº 25/93, de 5 de Fevereiro.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel