Exm.º Senhor
Presidente da Câmara Municipal de Viseu
Número:44/A/96
Processo:R-2748/91
Data:26.03.1996
Área: A1

Assunto:URBANISMO E OBRAS – LOTEAMENTOS – ÁREAS URBANAS DE GÉNESE ILEGAL

Sequência: Acatada

I-Exposição de Motivos

1. Em 21 de Agosto de 1991 deu entrada na Provedoria de Justiça uma reclamação apresentada pelo Senhor…, relativa às operações de loteamento e construção levadas a cabo nos terrenos de sua propriedade, sitos no Faíl, concelho de Viseu, pretendendo o seu licenciamento pela Câmara Municipal de Viseu.

2. Mais é dito nessa reclamação que o licenciamento das operações de loteamento foi acordado com a edilidade camarária, na sequência da cedência de terrenos do reclamante para abertura de uma rua de acesso à escola primária de Faíl.

3. Queixa-se o reclamante do não cumprimento por parte da Câmara Municipal dos compromissos assumidos no que concerne à emissão do alvará de loteamento pretendido.

4. Sobre o assunto foi questionada e ouvida a Câmara Municipal de Viseu, que prestou esclarecimentos através dos ofícios n.ºs … (vd. cópias, em anexo), este último enviado com extensa documentação, conforme acordado em reunião realizada na Provedoria de Justiça em 20 de Setembro de 1995, que contou com a presença dos Senhores Eng.º… e Engº …, da Câmara Municipal de Viseu e da Senhora Dra. Cristina de Sousa Machado, Assessora do Provedor de Justiça.

5. Em síntese, alega a Câmara que:

A. O Senhor… efectivamente cedeu o terreno necessário à abertura do caminho de acesso à Escola Primária de Faíl, na sequência de negociações encetadas em 1979 entre o proprietário, a Junta de Freguesia de Faíl e a Câmara Municipal de Vila Real.

B. Como contrapartida, o proprietário requeria autorização para a construção de dois edifícios no terreno.

C. A Câmara Municipal aprovou um estudo de loteamento para o local, com parecer favorável do Departamento de Planeamento Urbanístico de Viseu.

D. O requerente apresentou projectos de loteamento, não conformes ao estudo aprovado e, por isso, indeferidos pela Câmara Municipal, vindo posteriormente a desistir desses pedidos.

E. Entretanto foram iniciadas construções nos terrenos em causa, pelo reclamante e por outros, alegadamente compradores ou promitentes-compradores de parcelas dos terrenos.

F. Essas construções foram embargadas por falta de licenciamento, conforme documentado pela Câmara Municipal de Viseu.

G. Em 31.08.87, em reunião realizada na Câmara Municipal de Viseu, com a presença do reclamante e do Senhor Presidente da Junta da Freguesia do Faíl, é assinada uma declaração em que I) Será elaborado pela Câmara o projecto de legalização das obras clandestinas e II) A Câmara Municipal assumirá a feitura das infra-estruturas do loteamento.

H. Em 15.09.87, o reclamante declara por escrito em como dá o seu acordo a que o processo de loteamento seja considerado como simples e elaborado a partir da cedência dos terrenos necessários à abertura de um caminho de acesso à escola.

I. Em 02.05.89, a Câmara Municipal de Viseu aprovou um estudo para o loteamento dos terrenos do Senhor…, após solicitar o parecer de diversas entidades, de que lhe foi dado conhecimento.

J. Esse estudo foi elaborado após a constatação de que o estudo inicial fora desvirtuado com a configuração dos lotes alienados pelo proprietário e as construções entretanto iniciadas.

L. O novo estudo prevê a constituição de sete lotes a norte do arruamento de acesso à escola e de cinco lotes a sul do mesmo, bem como de um outro caminho a construir.

M. A necessidade de cedência de terrenos por parte dos adquirentes para abertura desse caminho e alargamento do acesso à escola tem encontrado oposição.

N. Bem como o pagamento das taxas de urbanização.

O. O que foi objecto de várias reuniões promovidas com os diversos interessados.

P. Actualmente encontra-se não licenciado o loteamento bem como as obras de construção (entretanto embargadas), não estando resolvido o problema da cedência de terrenos para as obras de infra-estruturas nem o problema das dúvidas sobre a titularidade dos direitos de propriedade sobre o terreno e suas parcelas.

Q. O reclamante insiste que a Câmara Municipal tem de emitir o alvará de loteamento e legalizar as construções, conforme acordado. Para tal, já procedeu à obstrução do caminho de acesso à escola pelo período de dois dias.

R. A Câmara não promove o loteamento enquanto se mantiver a oposição dos interessados à cedência dos terrenos necessários às obras de infra-estruturas.

6. A última comunicação do interessado neste processo (em Julho de 1995) dá conta de que o diferendo relativo ao novo arruamento apenas envolve os adquirentes das parcelas de terrenos, não devendo a Câmara eximir-se ao cumprimento do que com ele acordou em 1987.

7. Exposta a situação de facto com base na síntese do que foi invocado pelo reclamante e pela edilidade camarária, cumpre enquadrar legalmente os factos descritos.

8. Com efeito, quer as operações de loteamento (divisão em lotes), quer as obras de construção levadas a cabo nos terrenos do reclamante (ou nas parcelas que alienou) carecem de prévio licenciamento camarário, o que não se verificou.

9. Assim, para as obras de construção particulares, o licenciamento municipal hoje regulado no Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, já era previsto no revogado Decreto-Lei n.º 166/70, de 15 de Abril, tendo esse licenciamento sido tornado obrigatório desde a entrada em vigor do Regulamento Geral das Edificações Urbanas (Decreto n.º 38382, de 7 de Agosto de 1951). Por seu turno, mesmo considerando que à data do início das operações de loteamento não vigorava o Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro, ou sequer o Decreto-Lei n.º 400/84, de 31 de Dezembro, o prévio licenciamento municipal encontrava inequívoca expressão no art.º 1.º, do Decreto-Lei n.º 289/73, de 6 de Junho (diploma que se propôs rever o Decreto-Lei n.º 46673, de 29 de Novembro de 1965), no qual se lia que “a operação que tenha por objecto ou simplesmente como efeito a divisão em lotes de qualquer área de um ou vários prédios, situados em zonas urbanas ou rurais, e destinados imediata ou subsequentemente à construção, depende de licença da câmara municipal da situação do prédio ou prédios, nos termos do presente diploma”.

10. Não restam assim dúvidas de que o loteamento em causa é um loteamento clandestino ou, na recente terminologia legal, de génese ilegal (vd. Lei n.º 91/95, de 2 de Setembro).

11. Tudo indica também que a solução para a situação detectada passa pela aplicação da citada Lei n.º 91/95, que estabelece o processo de reconversão das áreas urbanas de génese ilegal, definidas estas como “os prédios ou conjuntos de prédios contíguos que, sem a competente licença de loteamento, quando legalmente exigida, tenham sido objecto de operações físicas de parcelamento destinadas à construção até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 400/84, de 31 de Dezembro, e que, nos respectivos planos municipais de ordenamento do território (PMOT), estejam classificados como espaço urbano ou urbanizável” (art.º 1.º, n.º 2, da Lei n.º 91/95, de 2 de Setembro).

12. Se não, vejamos:

13. As operações físicas de parcelamento dos terrenos do Senhor …, traduzidas na alienação de várias parcelas para construção urbana, são verdadeiras operações de loteamento (vd. a definição constante do art.º 3.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro), como tal, carecendo de prévio licenciamento camarário.

14. As mesmas foram iniciadas anteriormente à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 400/84, de 31 de Dezembro.

15. Os terrenos do reclamante situam-se em zonas classificadas como espaço urbano (EU) e espaço urbanizável (área de expansão – AE), nos termos do art.º 22.º, n.º 2, do regulamento do Plano Director Municipal de Viseu e identificadas na planta de ordenamento desse plano, ratificado nos termos da Resolução do Conselho de Ministros n.º 173/95 e publicado no Diário da República, n.º 291/95, I – B Série, de 19 de Dezembro.

16. A Lei n.º 91/95, de 2 de Setembro, “estabelece o regime excepcional para a reconversão urbanística das áreas urbanas de génese ilegal (AUGI)”, como é definido no seu art.º 1.º, n.º 1.

17. No presente caso, justifica-se e é aplicável o mencionado regime especial, estando em causa o interesse público de ordenamento do território.

18. O regime previsto na lei não só é aplicável, como também é desejável, porquanto permite não apenas a solução global da situação decorrente das operações de loteamento e das obras de construção efectuadas no local, como possibilita a superação dos aspectos controvertidos da mesma e que têm impedido a legalização do loteamento e das obras em causa.

19. A Lei n.º 91/95 prevê duas modalidades de reconversão:
a) como operação de loteamento da iniciativa dos particulares, e
b) mediante plano de pormenor da iniciativa da câmara municipal (vd. art.º 4.º).

20. As dificuldades de entendimento verificadas entre a edilidade camarária e os interessados sugerem que se opte pela segunda modalidade, eventualmente aproveitando-se os estudos de loteamento já feitos.

21. De qualquer forma, deve a Câmara Municipal de Viseu delimitar o perímetro e fixar a modalidade de reconversão no prazo de cento e oitenta dias após a entrada em vigor da lei (art.º 1.º, n.º 4), contados nos termos do disposto no art.º 72.º, do Código de Procedimento Administrativo (Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 6/96, de 31 de Janeiro), ou seja, excluindo-se os sábados, domingos e feriados.

22. Note-se aqui que o dever de reconversão urbanística e de legalização das construções é cometido aos proprietários, incluindo o dever de comparticipação nas despesas de reconversão, entre as quais se contam as despesas de elaboração do plano de pormenor (art.º 3.º, n.ºs 1 a 3, e art.º 31.º, n.º 3).

23. Tal não obsta a que o município comparticipe nas obras de urbanização a realizar, nos termos do art.º 56.º, do mesmo diploma.

24. Por outro lado, a opção de reconversão de iniciativa municipal com ou sem o apoio da administração conjunta (art.º 32.º), pese embora possa fazer cometer à câmara a realização integral das infraestruturas (caso se decida a favor da segunda modalidade), não exonera os interessados do pagamento da devida comparticipação (vd. art.º 33.º).

25. Entre os interessados incluem-se o Senhor …. e todos os donos das construções erigidas, bem como os compradores ou promitentes compradores das parcelas alienadas (art.º 9.º).

26. Quanto às construções mencionadas, as mesmas só podem ser legalizadas em conformidade e após entrada em vigor do plano de pormenor de reconversão (art.º 7.º), seguindo-se os trâmites previstos no art.º 50.º do diploma legal sempre citado.

27. A conformidade com o plano passa igualmente pelas cedências que o mesmo preveja para a realização das obras de urbanização em falta, nomeadamente os arruamentos necessários, podendo aquelas cedências ser inferiores às previstas no regime jurídico dos loteamentos constante do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro.

28. Por último, e tomando ainda em atenção os problemas conhecidos ao longo da instrução do presente processo, faço notar que os terrenos afectados à abertura de um caminho de acesso à escola primária, presumem-se integrados no domínio público municipal, nos termos do art.º 45.º, da Lei n.º 91/95, de 2 de Setembro.

29. Em conclusão, encontram-se reunidos os pressupostos para a aplicação do regime excepcional de reconversão da área urbana de génese ilegal do Faíl, previsto na Lei n.º 91/95, de 2 de Setembro, urgindo a reposição da legalidade urbanística no local.

30. Deve, no entanto, o plano de pormenor a elaborar ter em conta o prescrito no regulamento do Plano Director Municipal de Viseu, com as necessárias adaptações, nomeadamente o disposto nos seus art.ºs 27.º e 28.º e no art.º 30.º, n.º 2, que estabelecem parâmetros para os loteamentos e as construções em áreas urbanas e urbanizáveis.

31. Por seu turno, o art.º 55.º, alíneas c), d) e e), do regulamento do Plano Director Municipal de Viseu, regulando os arruamentos e infraestruturas, afigura-se de consulta necessária na reconversão urbanística do loteamento e na legalização das construções existentes.

II-Conclusões

De acordo com o que ficou exposto, e em nome da atribuição constitucional que me é conferida no sentido da prevenção e reparação de injustiças (art.º 23.º, n.º 1, CRP), entendo fazer uso dos poderes que me são conferidos pela Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, no seu art.º 20.º, n.º 1, alínea a), e, como tal,RECOMENDO:

1.º – A reconversão da área urbana de génese ilegal do Faíl e a legalização das construções efectuadas no local, de acordo com o que vem previsto na Lei n.º 91/95, de 2 de Setembro;

2.º – A notificação do Senhor… e dos donos das construções e das parcelas alienadas da deliberação prevista no art.º 1.º, n.º 4, da Lei n.º 91/95, de 2 de Setembro.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel