Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia
Número: 16/A/98
Processo: 374/95
Data: 18.03.1998
Área:A1

Assunto: URBANISMO E OBRAS – OBRAS PARTICULARES – LICENÇA DE CONSTRUÇÃO – DESCONFORMIDADE – EXECUÇÃO DE OBRA – DEMOLIÇÃO – PRINCÍPIO DA IRRENUNCIABILIDADE DA COMPETÊNCIA

Sequência: Acatada

I – Exposição de Motivos

1.Apreciada a resposta de V. Exª à Recomendação n.º 81/A/96, remetida através do Ofício n.º …, de … .96, entendo não se mostrarem infirmados os argumentos expendidos na referida Recomendação, pelo que venho reiterar junto de V. Exª as conclusões ali formuladas.

2.Desde logo, e ao contrário do que afirma V. Exª na resposta remetida a este Órgão do Estado, não existe identidade de objecto entre a Recomendação n.º 81/A/96 e o Recurso Contencioso n.º …/95, cuja sentença foi proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo do Porto em … .97, e da qual foi interposto recurso para o Supremo Tribunal Administrativo.

3.O recurso contencioso tem por objecto o acto de licenciamento de obras de … .93, praticado no âmbito do processo camarário n.º …/93, cuja nulidade o recorrente pretende ver declarada, ao passo que a recomendação se refere às obras em si, que desrespeitarão a licença de construção e, mediatamente, o alvará de loteamento, ao incluírem um aproveitamento em cave para além da mancha de implantação prevista em qualquer dos dois instrumentos.

4.Assim, a Recomendação n.º 81/A/96 não põe em causa o acto de licenciamento de obras de… .93, mas sim a execução das obras, que não se conformam com o projecto aprovado pelo referido acto de licenciamento, como é expressamente reconhecido por essa Câmara Municipal nos esclarecimentos remetidos à Provedoria de Justiça através do Ofício n.º … , de … .95.

5.A eventual procedência do recurso em nada influirá na situação de ilegalidade das obras, a qual se apresenta como manifesta; por outro lado, a eventual improcedência do recurso também não fará cessar a ilegalidade das obras de aproveitamento em cave para além da mancha de implantação, porque elas não são objecto do recurso: se a licença for considerada válida, as obras em causa não deixarão de ser ilegais, porque desconformes com a licença.

6. Assim sendo, não se torna difícil concluir que de nada adianta esperar pela decisão final do recurso contencioso, porque a mesma em nada influirá na situação de ilegalidade em que se encontram as obras de aproveitamento em cave para além da mancha de implantação.

7. De qualquer forma, ainda que o recurso contencioso e a recomendação tivessem o mesmo objecto – o que já vimos não suceder -, o município não ficaria desobrigado, através dos seus órgãos, de exercer as competências em matéria de reposição da legalidade urbanística que o ordenamento jurídico lhes confere.

8. Nos termos do art. 29º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, a competência é irrenunciável, fundando-se esta regra na necessidade de garantir a prossecução do interesse público que norteou a sua atribuição – legal ou regulamentar – ao órgão em causa.

9. Conforme referem MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/PEDRO COSTA GONÇALVES/J. PACHECO DE AMORIM”(…) o poder ou competência administrativa conferida para a prossecução das necessidades públicas (que não podem ser objecto de renúncia ou alienação) são sempre objecto de consideração e decisões primárias pela Administração Pública – que foi constitucional e legalmente estruturada em vista disso mesmo. Não pode, pois, a Administração remeter-se para um tribunal ou para um órgão supra-partes – arbitral, por exemplo – para que nele se decida em que sentido deve ser exercida uma competência administrativa. É, aliás, uma exigência nuclear da legalidade administrativa” (Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2ª ed., Coimbra, 1997, p. 192).

10. Deverá V. Exª exercer a competência que lhe é conferida pelos arts. 58º, n.º1, do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, e 53º, n.º 2, al. l), do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março, articulada com o poder conferido à Câmara Municipal pelo art. 167º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas.

11. Assim, ao Presidente da Câmara Municipal competirá ordenar a demolição da obra executada em desconformidade com a licença de construção, se a Câmara Municipal não reconhecer que a mesma se mostre susceptível de vir a satisfazer aos requisitos legais e regulamentares de urbanização, de estética, de salubridade e segurança.

12. Ora, as obras em causa – cuja ilegalidade a Câmara Municipal expressamente reconheceu – só seriam legalizáveis através da alteração do alvará de loteamento, para o que seria necessário obter a autorização escrita de dois terços dos proprietários dos lotes abrangidos pelo alvará (art. 36º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro), coisa que o autor das obras ilegais não logrou conseguir, esgotando o prazo de 30 dias que a Câmara Municipal lhe fixara para o efeito.

13. Desta forma, parece não restar alternativa à demolição das obras em causa, pois as mesmas não se mostram susceptíveis de vir a satisfazer aos requisitos de urbanização – no caso,a observância do disposto em alvará de loteamento em vigor.

14. E esta conclusão não é afectada, como se demonstrou atrás, pela pendência de recurso contencioso da licença de construção: por um lado, não está em causa a licença de construção, mas sim a realização de obras em desconformidade com ela; por outro lado, ainda que fosse esse o objecto do recurso contencioso, por ter havido, por exemplo, decisão camarária que legalizasse essas obras, nem por isso a Câmara Municipal ou o seu Presidente estariam dispensados de exercer a competência que lhes foi conferida para salvaguarda da legalidade urbanística, atento o princípio da irrenunciabilidade da competência.

II – Conclusões

De acordo com o exposto, no uso dos poderes que me são conferidos pelo art. 20º, n.º 1, al. a), do Estatuto do Provedor de Justiça, aprovado pela Lei n.º 9/91, de 9 de Abril,

RECOMENDO

Que V. Exª ordene a demolição da obra reclamada, na parte em que excede a mancha de implantação prevista na licença de construção e no alvará de loteamento, nos termos do art. 58º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de Outubro, e art. 53º, n.º 2, al. l), do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março, cumprindo o procedimento estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 92/95, de 9 de Maio.

Recordo, por fim, a V. Exª o dever contido no art. 38º, n.º 2, do referido Estatuto do Provedor de Justiça, para o qual me permito pedir a melhor atenção.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL