Directora da Delegação Regional do Norte do Ministério da Economia
Número: 38/A/98
Processo:2593/9
Data: 27.05.1998
Àrea: A1

Assunto: AMBIENTE – INDÚSTRIA INCÓMODA E POLUENTE – TINTURARIA – POLUIÇÃO DE RECURSOS HIDRICOS – MEDIDAS DE POLÍCIA – SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO ENERGÉTICO

Sequência: Acatada

No âmbito da instrução do processo em epígrafe, desencadeado por queixa que me foi dirigida em … de 1991, a respeito dos inconvenientes provenientes da laboração exercida por estabelecimento industrial de tinturaria e acabamento de fios de algodão e acrílicos, no lugar de … , na margem esquerda do Rio Vizela, freguesia de … , concelho de Santo Tirso, foram apurados os seguintes factos:

1. Foi promovida pela Câmara Municipal de Santo Tirso, em …de 1991, vistoria ao estabelecimento reclamado, tendo nessa ocasião sido verificada a criação de três lagoas artificiais para abastecimento, por decantação natural, de três poços na cota mais baixa do terreno.

Foi, também, observado inexistir qualquer sistema de tratamento das águas oriundas das tintas utilizadas, sendo os efluentes industriais vertidos directamente para o rio e, numa extensão de cerca 25 m a 30 m de terreno, a céu aberto.

Do mesmo modo, foi observada a situação de inquinação da água dos poços vizinhos.

Em consequência, e por não se mostrar devidamente licenciada a utilização industrial, viria o Sr… a ser notificado, em … .1991, a suspender a laboração no prazo de oito dias.

2. Foi a sociedade exploradora do estabelecimento autuada pela Direcção dos Serviços Regionais de Hidráulica do Douro no ano de 1992, por proceder a descarga de efluentes industriais sem se encontrar munida da necessária aprovaçao.

Apontou aquela Direcção a ligação ao sistema de despoluição do Rio Ave, como solução definitiva para o problema do tratamento dos efluentes industriais.

E estabeleceu, como condição para a ligação, a fixação de meios em ordem ao prévio tratamento dos resíduos, intimando a sociedade a apresentar o respectivo projecto.

3. A coberto de ofício de … .1995, esclareceu a ex-Delegação Regional da Indústria e Energia do Norte persistir o lançamento de efluentes, sem tratamento, no Rio Vizela.

Foi a sociedade autuada três vezes e condenada no pagamento de coimas no valor de Esc.100 000$00, Esc. 500.000$00 e 1.000.000$00.

Mais foi dito, ter a sociedade reclamada apresentado pedido, tendo em vista a legalização da instalação, ao abrigo do disposto no art. 24º do Decreto-Lei n.º 109/91, de 15 de Março, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 282/93, de 17 de Agosto.

Emitiu o Grupo de Trabalho previsto no citado artigo parecer desfavorável à localização da unidade industrial em … .1995, alegando os seguintes fundamentos:

“O grupo de assessoras do GT efectuou uma visita ao estabelecimento industrial, verificando tratar-se de uma unidade instalada num edifício inicialmente destinado a armazém de desperdícios, e numa área que o PDM destina preferencialmente a construção de habitação.

A pretensão de viabilidade de localização foi objecto de parecer desfavorável por despacho de 91/… , porque se situa encravado numa zona habitacional e que o zonamento do PDM destina preferencialmente à construção de habitação, vindo este parecer a ser confirmado, após reapreciação do processo, em 95/… .

(…)

A principal fonte de emissão de poluentes para a atmosfera consiste na caldeira de produção de vapor, a qual funciona a fuel óleo. Os gases de combustão são enviados para a atmosfera através de chaminé munida de “chapéu” “.

Não apresentou o requerente elementos sobre a caracterização acústica do estabelecimento, encontrando-se o projecto, segundo aquele grupo de trabalho, insuficientemente instruído.

Nem adoptou o industrial procedimentos tendo em vista a ligação dos efluentes ao Sistema de Despoluição do Ave.

Concluiu o grupo: “trata-se de uma unidade de Classe B, instalada em área preferencialmente habitacional, cuja actividade deverá ser transferida para zona industrial, tal como prevê o Dec-Reg n.º 25/93 de 17/8, no seu Art. 4º”

4. A Delegação Regional da Indústria e Energia intimou a sociedade… a cessar o exercício da actividade industrial, através de ofício de … .1995, fixando o limite temporal de 180 dias.

Reafirmaram os mesmos serviços regionais em … .1996 o propósito de promover o encerramento da unidade industrial, com concessão de novo prazo de 180 dias.

5. Pese embora a determinação dos serviços regionais, veio o reclamante, em … .1997, informar ter-se agravado a situação de insalubridade, mantendo-se o pleno exercício da laboração.

Aditou o reclamante, ao conteúdo inicial da queixa, a circunstância de proceder o industrial à abertura de valas no solo para depósito de resíduos sólidos tóxicos.

6. Indagada a Delegação Regional do Norte do Ministério da Economia acerca dos motivos pelos quais não fora promovido o encerramento da unidade industrial, foi esclarecido: “tenho a referir que não foi possível analisar o assunto até este momento, de modo a adoptar medida adequada à situação, atendendo a que a determinação do encerramento da unidade industrial de forma abrupta levará à perda dos 15 postos de trabalho. Deste modo, e atendendo, por um lado à situação de impossibilidade de licenciamento, e por outro, ao facto dos inconvenientes provocados se admitirem de algum modo atenuados, dada a proximidade dos poços inquinados do reclamante do rio (30 metros) que estando imensamente poluido não deixará de continuar a constituir foco de contaminação, foi concedido, por Despacho exarado nesta data, um prazo de 180 dias para suspender a laboração e transferir a unidade industrial, findos os quais será efectivado o corte de fornecimento de energia eléctrica nos termos do n.º 1, alínea c), do Art 14º do Decreto lei 109/91, de 15 de Março, com a redacção que lhe é dada pelo Decreto lei 282/93, de 17 de Agosto (…)” (v/refª: … , PE … , ofício de … .1997).

II – Apreciação

1. Reconheceu a Delegação Regional do Norte o exercício de laboração em condições ilegais, seja por contender a sua localização em zona habitacional com o art. 4º do Decreto Regulamentar n.º 25/93, de 17 de Agosto, seja por não se mostrar legítima a utilização industrial em face do zonamento traçado pelo Regulamento do Plano Director Municipal de Santo Tirso.

À rejeição de águas residuais em condições ilegais parece acrescer a inobservância das prescrições constantes dos arts. 22º e 24º do Decreto-Lei n.º 352/90, de 9 de Novembro, no que concerne aos procedimentos de exaustão de poluentes atmosféricos, cumprindo relevar o desrespeito da proibição legal de instalação de chapéus sobre a boca da chaminé (cfr. art. 24º, n.º 2), e a inerente poluição atmosférica.

2. Não pode uma actividade que se encontra por licenciar beneficiar de um regime mais permissivo que o conjunto de restrições que impendem sobre os estabelecimentos devidamente licenciados.

É injusto que sejam os vizinhos, titulares do direito a um ambiente sadio e equilibrado (art. 66º, n.º 1, da Constituição) a suportar as consequências do funcionamento que iniciou a sua actividade sem que para tanto se encontrasse habilitado o seu proprietário.

3. Foram observados os inconvenientes que as actividades praticadas, à revelia de determinações proferidas pelos Orgãos e serviços competentes da Administração Pública, acarretam, tendo sido verificada a afectação dos recursos naturais e da qualidade de vida dos moradores vizinhos.

4. A Delegação Regional, pese embora o manifesto desrespeito, sem qualquer motivo razoável, pela autoridade das suas ordens e decisões, não exerceu os poderes que a lei lhe confere para repor, com a deseiável celeridade, a legalidade infringida e fazer cessar as incomodidades que deram causa ao exercício do direito de queixa.

Nem tão pouco foi imposta ao industrial a observância do dever geral de prevenção de riscos, que se consigna no art. 5º do Decreto-Lei n.º 109/91, de 15 de Março, na sua redacção actual. Na verdade, não foram fixadas quaisquer medidas aptas a eliminar ou atenuar riscos e inconvenientes susceptíveis de afectar as pessoas e os bens, as condições de trabalho e o ambiente.

5. Ao não dispor no sentido da pronta reintegração da ordem jurídica violada, são esses serviços regionais responsáveis pela perpetuação de uma situação ilegal e injusta, tanto mais reprovável quanto reforça a confiança do infractor na consolidação de uma situação ilegal, criada e alimentada pelo industrial, em menosprezo das ordens da Administração e da prossecução do interesse público.

Nem se divisam razões atendíveis para a sucessiva concessão de prazos para cessação da laboração, por não merecerem protecção os seus interesses como proprietário, tanto mais que à flagrante violação da lei, acresce a desobediência deliberada a ordens de cessação do exercício da actividade.

III – Conclusões

1. A procedência da queixa foi reconhecida pela Administração, à qual deve ser imputada a não reposição da legalidade infringida e a omissão de medidas destinadas a salvaguardar os interesses ambientais em presença, contribuindo, não apenas para deixar perpetuar uma situação de ilegalidade verificada, como também para manter um caso de injustiça ambiental, traduzido no aproveitamento indevido de recursos naturais e na produção de prejuízos no ambiente de terceiros, que não colhem quaisquer benefícios da actividade exercida.

Em lugar de aplicar medida repressiva em ordem à imediata reposição da legalidade, a entidade coordenadora vem propiciando, pela sua falta de zelo, o funcionamento em condições ilegais, em manifesto detrimento dos interesses públicos cuja prossecução lhe compete.

Cinge-se a sua actuação, volvidos anos sobre a apresentação da reclamação e o reconhecimento da sua procedência, à reiterada fixação de períodos temporais nos quais é tolerado o exercício de laboração ilegal e incondicional.

Nem pode esta situação ser equiparada à que se verifica na circunstância de a laboração ser autorizada a título provisório, já que, nesta última, a imposição de um prazo destina-se a fazer cumprir certas prescrições legais, uma vez emitido parecer favorável à localização e/ou à instalação da unidade industrial.

É, pois, a própria entidade fiscalizadora, incumbida de velar pela observância das prescrições legais aplicáveis, que alimenta o seu desrespeito, ao não desencadear, em face do inacatamento da sanção decretada, os procedimentos adequados.

Por força da actuação desses serviços regionais mostra-se inconsequente a consagração do dever previsto no art. 5º do Decreto-Lei n.º 109/91, de 15 de Março.

A Delegação Regional do Norte não pautou no presente caso a sua actuação pelo dever de boa administração ao atender exclusivamente a considerações de ordem socio-económica com as quais não se compagina a regular prossecução dos interesses públicos que subjazem ao regime de exercício da actividade industrial.

Os factos descritos poderão ser, quando apreciados os seus efeitos poluentes, indiciadores do disposto nos arts. 279º e 280º do Código Penal. Também esta circunstância me induz a relativizar a preocupação manifestada com a manutenção dos postos de trabalho, e a ter por despicienda aquela ordem de razões no que se reporta à perpetuação da actividade ilegal.

Em primeiro lugar, não se mostra demonstrado que o encerramento da unidade poluente haja de determinar a extinção, dos postos de trabalho, porquanto nada obsta a que o empresário venha a encontrar uma localização alternativa e a dotar o estabelecimento industrial dos meios próprios para conter os efeitos poluentes. Ao invés, com a presente situação, locupleta-se indevidamente com os benefícios retirados de recursos naturais colectivos e sacrifica a população local sem lhe conceder qualquer contrapartida legítima.

Em segundo lugar, devo recordar que o problema não é recente, pois há mais de sete anos que se vêm arrastando sucessivas diligências de cuja boa intenção não duvido, mas cujos resultados estão à vista. De resto, a região onde se encontra vem beneficiando de programas de reconversão tecnológica assistidos pelo Estado, o que mais difícil torna explicar o adiamento de uma solução.

Nem a observação de que existe mais de uma causa de inquinação dos poços particulares legitima, a meu ver, nova prorrogação do prazo para pôr termo à laboração. Na verdade, também aqui se desvia a Administração, clara e ostensivamente, dos interesses que lhe incumbe defender.

Visto isto, não se mostram plausíveis os fundamentos da decisão tomada no plano fáctico. Acresce que os mesmos não encontram qualquer suporte legal.

Concluo, pois, mostrar-se incumprido o dever de fundamentação dos actos administrativos, quando os mesmos impliquem revogação, modificação ou suspensão de acto administrativo anterior (cfr. arts. 124º e 125º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro) , e, consequentemente pela invalidade do acto praticado em … .1997, por padecer de vício de forma.

Ademais, a invocação de motivações alheias à prossecução dos fins de interesse público confiados aos serviços regionais do Ministério da Economia pode determinar a inquinação do acto administrativo por vício de desvio de poder e, também por esta ordem de razões, a sua invalidade.

De acordo com a motivação exposta, devo exercer a faculdade que me é atribuida no art. 20º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, e, como tal,

RECOMENDO

a V. Exa:

1. A não renovação do acto administrativo praticado em … .1997, através do qual foi determinado um novo prazo de seis meses, do exercício da actividade prosseguida pelo estabelecimento industrial de tinturaria e acabamento de fios de algodão e acrílicos, no lugar de … , na margem esquerda do Rio Vizela, freguesia de … , concelho de Santo Tirso, explorado pela sociedade…, com fundamento em invalidade, ao abrigo do disposto nos arts. 136º e 141º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, 15 de Novembro;

2. que seja, de imediato, ordenada a cessação da laboração exercida pelo estabelecimento industrial de tinturaria e acabamento de fios de algodão e acrílicos, no lugar de … ;

3. que, a verificar-se o inacatamento desta ordem, determine, sem mais dilação, o corte de fornecimento de energia eléctrica nos termos do disposto no art. 14º, n.º 1, al. c) do Decreto-Lei n.º 109/91, de 15 de Março, com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 282/93, de 17 de Agosto.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL