Presidente da Câmara Municipal de Lisboa

Rec. nº 120/A/95
Proc.:R-2087/92
Data:1995-10-20
Área: A1

Assunto:Direitos, liberdades e garantias – direito ao bom nome – inquérito – publicidade – reposição.

Sequência:

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

No decurso do ano de 1992 o Eng. …dirigiu a este órgão do Estado uma queixa sobre o inquérito efectuado pelo Conselho Fiscal da EPUL – Empresa Pública de Administração de Lisboa, tendo por objecto as condições de realização de despesas por parte do Conselho de Administração, dos administradores e de outros altos responsáveis, durante o período correspondente ao mandato do Conselho de Administração cessante da E.P.U.L.- Empresa Pública de Administração de Lisboa, compreendido entre 08.06.90. e 25.03.92.

Compulsados os elementos instrutórios recolhidos pela Provedoria de Justiça no decurso de averiguações promovidas junto da Câmara Municipal de Lisboa, permito-me expor a V.Exª., Senhor Presidente, os seguintes factos:

1. Por deliberação de 11.03.1992. a Câmara Municipal de Lisboa aprovou, na sequência de solicitação formulada pelo Presidente do Conselho de Administração cessante da EPUL, a realização do inquérito supra referido.

2. Concomitantemente entendeu a Câmara Municipal dever proceder à alteração da composição do Conselho da Administração da EPUL e, como tal, deliberou aceitar os pedidos de demissão apresentados pelos respectivos membros Eng. … e Dr. …, na qualidade de vogais, e Eng° …, na qualidade de Presidente do Conselho de Administração, do mesmo passo que procedeu à nomeação os novos titulares para os referidos cargos.

3. A recomposição do Conselho de Administração da EPUL fundou-se, entre outros motivos, e de acordo com a acta onde se contém tal deliberação, no facto de terem sido publicitadas notícias relativas à indevida utilização de cartões de crédito da empresa para pagamento de despesas de representação por parte de “um dos administradores e dos directores Engºs. … e …” e a outras irregularidades conexas com a realização de despesas.

Em Julho de 1991 o Sr. Prof. Mário Soares Madureira, revisor oficial de contas do Conselho Fiscal da EPUL, elaborou um relatório cujas conclusões indiciavam má utilização de cartões de crédito cedidos pela EPUL.

No texto da proposta nº 75/92, aprovada em reunião camarária de 11.03.92, aduz-se que as notícias sobre aqueles eventos “vieram a afectar a imagem pública da empresa. O sector de actividades em que a EPUL se insere é particularmente sensivel a questões de credibilidade e solidez dos operadores. Nesse sentido , a recuperação e o desenvolvimento da empresa poderão e deverão beneficiar com a renovação do Conselho de Administração”.

4. O inquérito obedeceu à necessidade de esclarecer as dúvidas levantadas quanto às condições de realização de determinadas despesas e de restituir a credibilidade da empresa e a honorabilidade dos membros do Conselho de Administração indevidamente afectados.

5. O Eng. … pediu a demissão do cargo que desempenhava em 6.03.1992 por razões de honorabilidade e de dignidade profissional que considerou ter visto iniquamente atingidas.

6. Não subsistem dúvidas sobre o nexo existente entre a publicitação das conclusões do relatório supra mencionado e a apresentação de pedido de demissão pelos membros do Conselho de Administração da EPUL e sua subsequente exoneração pela Câmara Municipal de Lisboa.

7. É minha convicção que o inquérito efectuado às condições de efectivação de despesas na EPUL, em cumprimento do determinado pela Cãmara Municipal de Lisboa, não alcançou todos os objectivos a que se propôs, quais sejam os de esclarecer todas as dúvidas sobre as condições de realização de despesas cuja regularidade haja sido questionada e, dessa forma, possibilitar a restauração da honra dos visados a quem nada haja sido imputado, assim como a reposição dos montantes dispendidos à margem das regras definidas (cfr. texto da
proposta n° 75/92, do Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, de 09.03.1992,� aprovada por deliberação camarária de 11.03.1992.).

7.1. Apreciado o teor do relatório do inquérito efectuado pelo Conselho Fiscal da EPUL, datado de 15.06.1995, constato que o mesmo não procede à identificação dos responsáveis pelas despesas que, de acordo com as conclusões do inquérito, foram efectuadas irregularmente.

7.2. No que se reporta às irregularidades detectadas aduz-se no mesmo relatório, sob a rúbrica “situações anómalas ou presumivelmente anómalas na efectivação de despesas de representação” que ” houve vários casos de reposição por parte de um administrador e de dois directores, face aos contactos estabelecidos pelo Conselho Fiscal ou em virtude das situações levantadas pelas informações do revisor oficial de contas da EPUL. (…) As situações detectadas como anómalas ou presumivelmente anómalas ficaram, por iniciativa do Conselho
Fiscal, regularizadas mediante reposição das verbas ou aceitação dos esclarecimentos prestados pelos visados.”

Na parte conclusiva formulam-se as seguintes observações:

“Estas sucessivas deliberações do Conselho de Administração e a forma deficiente como, por vezes, foram transmitidas aos detentores dos cartões de crédito criaram situações menos claras, conduzindo a utilizações incorrectas desses cartões.

Não obstante, com excepção das despesas relativas a refeições e gasolinas, as situações detectadas como anómalas ou presumivelmente anómalas ficaram, por iniciativa do Conselho Fiscal, regularizadas, mediante reposição das verbas ou aceitação dos esclarecimentos prestados pelos visados.”

7.3. Para além de não resultarem adequadamente dilucidadas as irregularidades imputadas por diversos órgãos de comunicação social aos membros do Conselho de Administração da EPUL quanto à realização de despesas, não são nomeados os titulares de altos cargos da EPUL que, pela utilização indevida de cartões de crédito ou de outros meios de pagamento facultados pela EPUL, terão motivado as situações assinaladas como anómalas ou presumivelmente anómalas.

7.4. Acresce que permanece desconhecido o conteúdo das informações nº 1/92, de 16.01.92. e nº 2/92, de 24.03.92., relativas à fiscalização de despesas realizadas pelos Administradores e Directores da EPUL, que indiciam situações de utilização abusiva de cartões de crédito da empresa, elementos nos quais o Revisor Oficial de Contas do Conselho Fiscal da EPUL se alicerçou a fim de apreciar a correcção das condições de realização das despesas de representação (cfr. ponto C, nº 11, als. b) e c) do relatório do inquérito).

Segundo declarações proferidas por representante da Câmara Municipal de Lisboa perante agentes desta Provedoria de Justiça em reunião de 20.02.1995., os autos do processo de inquérito não se encontravam, à data, na posse dessa Autarquia, nem na posse da EPUL, motivo pelo qual não terá sido possível exibir na ocasião as informações n° 1/92, de 16.01.92 e nº 2/92, de 24.03.92 ou facultar cópia das mesmas.

7.5. De acordo com os elementos constantes destes autos o Dr. … ter-se-á pronunciado acerca do conteúdo do relatório de inquérito no mês de Setembro de 1992, ao passo que o Eng. … e o Eng. … o terão feito no mês de Setembro do mesmo ano.

O Eng. … afirmou carecer de precisão a factualidade nele descrita e, como tal, não merecer ulteriores comentários.

0 Eng. … e o Dr. …sustentaram urgir promover o cabal esclarecimento dos factos como meio adequado à reposição da honra e dignidade dos próprios.

7.6. 0 Presidente da Cãmara Municipal não se pronunciou, segundo declarações de representante dessa edilidade, sobre o processo de inquérito subsequentemente à audiência dos administradores exonerados.

7.7. Assim, e não obstante os comentários tecidos, não procedeu o Conselho Fiscal da EPUL a posteriores averiguações com vista ao aprofundamento dos factos apurados.

CONCLUSÕES

Os procedimentos desencadeados a fim de averiguar do fundamento de situações indiciadas como anómalas, conexas com a realização de despesas por titulares de cargos da EPUL não lograram individualizar quaisquer factos que constituam o reclamante, Eng. …, no dever de responder por desvio de normas de boa conduta.

A informação elaborada em 30.07.1991, por vogal do Conselho Fiscal da EPUL sobre a fiscalização de despesas efectuadas pelos Administradores e Directores da empresa com base nos respectivos cartões de crédito, a qual terá despoletado as notícias referidas no ponto 3 da presente Recomendação não contém qualquer menção susceptível de fundar a imputação ao Eng. … de actos que consubstanciem uma utilização abusiva do cartão que lhe foi atribuido na qualidade de Administrador.

Por outro lado, o inquérito efectuado, pela parca consistência das suas conclusões, em particular no que tange à imputação das irregularidades detectadas, não põe termo às suspeitas criadas na opinião pública quanto ao envolvimento do Eng. … nos factos noticiados que terão acarretado a exoneração do Conselho de Administração da EPUL.

Segundo os ensinamentos de ilustres contitucionalistas, o direito fundamental ao bom nome e reputação compreende a par do direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação feita por outrem, o direito a defender-se de tais ofensas e a obter a competente reparação (cfr. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, in Constituição da República Portuguesa anotada, 3ª edição revista, Coimbra editora, p.p. 180 e 181).

De acordo com as considerações que antecedem, e no exercício dos poderes que me são conferidos pelo art. 20º, nº 1, alínea a) da Lei nº 9/91, de 9 de Abril, entendo RECOMENDAR a V.Exa. que determine a elaboração, e publicitação por meios adequados, de nota onde se declare expressamente que não são imputáveis ao Eng. … quaisquer responsabilidades pelos factos objecto do inquérito aprovado por deliberação da Cãmara Municipal de Lisboa de 11.03.1992 e efectuado pelo Conselho Fiscal da EPUL.

0 PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL