Presidente do Conselho Científico da Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo do Porto
R- 3224-98
N.º 17/B/99
1999.05.28

Assunto:EDUCAÇÃO E ENSINO – TRABALHADOR-ESTUDANTE – IMPEDIMENTO DE INSCRIÇÃO EM SEMINÁRIO – DELIBERAÇÃO – REVOGAÇÃO

Sequência:Não Acatada.

No âmbito do assunto em referência, tem sido objecto de apreciação as implicações que deverão decorrer da falta da aluna em questão a um exercício de produção, realizada em Julho de 1998, relativo ao ano lectivo de 1997-1998.

1.A situação pode sintetizar-se do seguinte modo:
a aluna frequentou, no passado ano lectivo, o terceiro ano do curso de actores da Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo;
uma das disciplinas desse ano, designada de Produção, era constituída por quatro acções de avaliação efectuadas no âmbito de produções teatrais organizadas pela Escola, das quais três teriam de ser obrigatoriamente realizadas pelos alunos;
as acções foram todas calendarizadas no início do ano;
a aluna, sendo trabalhadora-estudante, programou as acções que pretendia realizar, assumindo posteriormente os compromissos profissionais que fossem compatíveis;
sucede que uma das acções a que a aluna se tinha proposto assistir, a realizar em Janeiro de 1998, teve de ser adiada por o coordenador ter ficado indisponível;
a acção veio a ser de novo marcada para a primeira semana de Julho;
o modo como a nova marcação ocorreu não é claro: a aluna afirma que a marcação apenas foi feita em meados de Junho; por sua vez, alguns responsáveis da Escola afirmam que o novo agendamento foi feito no mês de Fevereiro, aliás em conjunto com todos os alunos;
a aluna faltou a esta produção por, na data em que a mesma se realizou, ter já compromissos profissionais anteriormente assumidos – a aluna participou nessa ocasião num espectáculo artístico integrado no programa da companhia de teatro em que trabalha;
não tendo, desse modo, realizado o número mínimo de produções necessárias, a reclamante não pôde concluir a disciplina e o terceiro ano, já que as restantes foram todas efectuadas.

Em princípio, a aluna deveria repetir novamente a disciplina, incluindo todos as produções por si realizadas no passado ano; por outro lado, não tendo concluído o terceiro ano, a aluna não poderia inscrever-se no seguinte, por a isso obstar o regime de transição das licenciaturas bietápicas em que se integra o curso da aluna.

A questão que se coloca é a de se saber se, no contexto verificado na marcação do exercício de produção, será correcta a aplicação deste regime à aluna.

2. A este respeito, deliberou a Comissão Permanente desse Conselho Científico, em reunião realizada no passado dia 18 de Março que: a) a aluna poderia frequentar o seminário em falta para concluir o 3.º ano (aproveitando assim os seminários realizados no passado ano lectivo); e b) que a aluna não poderia frequentar, ainda que condicionalmente, o quarto ano do seu curso.
Entendo que esta decisão não é correcta, sendo merecedora de crítica, nos termos que a seguir passo a enunciar.

3. À apreciação do assunto é essencial o prévio apuramento e definição relativamente ao modo como terá sido feita a marcação do seminário realizado em Junho.
Como ficou atrás dito, essa marcação surge na sequência do adiamento desta actividade, inicialmente marcada para o mês de Janeiro, sendo que a aluna defende que a nova marcação apenas foi definida em Junho, enquanto, por outro lado, fontes da Escola, referidas pelo Instituto Politécnico do Porto, defendem ter o agendamento ficado estabelecido logo em Fevereiro, aliás, após acordo de todos os alunos.
Alguns responsáveis da Escola, designadamente o Director e V. Ex.ª, enquanto Presidente do Conselho Científico, mantêm reservas quanto à matéria, não aderindo à tese segundo a qual a marcação teria ocorrido no mês de Fevereiro. Alguns alunos, subscritores do abaixo-assinado apresentado na reunião também contrariaram, aparentemente, esta última versão.
Ambas as posições serão assim passíveis de serem admitidas, não havendo qualquer elemento que permita, à partida e para um observador estranho, optar por qualquer delas.
De todo o modo, de acordo com os elementos facultados por essa Escola à Provedoria de Justiça, só no mês de Junho foi oficialmente comunicada a realização do exercício e a respectiva data, não existindo, até aí, qualquer documento que o indicasse ou que permitisse comprovar o prévio acordo no que a este assunto se refere.

Ora, havendo dúvida sobre o modo como se passou o agendamento, a circunstância de apenas existirem elementos documentais que apenas apontem para a afixação da data em Junho, e não outra, assume uma especial relevância. Com efeito, existindo versões distintas e credíveis sobre o ocorrido, e na ausência de qualquer elemento que permita com razoável certeza afiançar da marcação do exercício em data anterior ao mês de Junho, não poderá este facto ser conhecido, dando-se, para todos os efeitos como não ocorrido.
É, pois, neste contexto, que a questão em apreço terá de ser apreciada, decidindo-se em conformidade.

4. A esta luz, considero que a actuação da Escola, face à aluna, deveria ter sido distinta daquela que foi adoptada.
Assim, tendo a produção sido marcada apenas em Junho, não era exigível à aluna que desmarcasse os compromissos assumidos há vários meses, situação que não poderia deixar de lhe acarretar sérios prejuízos na sua situação profissional, quer no que se refere à sua carreira, quer à sua relação com a entidade patronal, que estaria naturalmente a contar com aquela sua funcionária para um desempenho em que, pela natureza da prestação e pelo pouco tempo disponível, dificilmente poderia ser substituída.

Por outro lado, cabia à Escola que marcasse atempadamente os seus exercícios de avaliação. De facto, tendo a data originariamente marcada para a produção sido abandonada, e sendo em função daquela que os alunos poderiam ter calendarizado os seus compromissos, a Escola deveria ter assegurado aos alunos as condições necessárias para a sua presença na produção de substituição, facto que, antes de mais, implicaria a marcação da mesma com uma antecedência, pelo menos razoável, o que não terá sucedido. Ainda que admitindo que a metodologia seguida na realização das produções, procurando criar as melhores condições pedagógicas para ao alunos, concorra para uma maior dificuldade na programação e marcação dos seminários, nem por isso deixa de ser aqui necessária uma certa segurança e previsibilidade na calendarização daquelas.

No caso vertente, aliás, essa preocupação deveria ter sido tanto maior quanto, por um lado, a presença na produção em questão era imprescindível para a avaliação da aluna – bem como, provavelmente, também para a de outros alunos – e, por outro lado, a aluna era uma trabalhadora-estudante, situação encarada pela lei como sendo merecedora de especial atenção, no sentido de deverem ser, tanto quanto possível, compatibilizados os afazeres académicos e profissionais: é essa a lógica subjacente ao Estatuto do Trabalhador – Estudante, contido na Lei n.º 116/97, de 4 de Novembro.

5. A ausência da aluna na produção em questão deve-se, assim, considerar justificada.
Responsável pela situação gerada foi, em último grau, a própria Escola, por a sua actuação não ter sido conforme ao que seria desejável, no quadro de uma programação e calendarização atempada das actividades lectivas a realizar.
Nesse contexto, deve-se procurar minimizar os danos sofridos pela aluna, procurando-se, quanto possível, colocá-la na situação em que estaria se não tivesse ocorrido o lapso. A isso obriga a observância do princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 5.º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo, quando esteja em causa a lesão de interesses de particulares.
Nesse contexto, a permissão para a aluna realizar a produção em falta no corrente ano lectivo, dispensando-a de repetir as produções já realizadas, não pode senão ser elogiada.
Mas essa autorização, por si só, é insuficiente. Essencial será que à aluna seja também dada possibilidade de se inscrever no quarto ano do seu curso – afinal, o efeito mais grave da retenção na disciplina, que decorreu directamente da ausência ao seminário.
Pode-se alegar que a tanto obstará o disposto no artigo 13.º, n.º 1, alínea a) do Regulamento Geral dos Cursos Bietápicos, contido na Portaria n.º 413-A/98, de 17 de Julho, que condiciona a inscrição no segundo ciclo à conclusão no primeiro.

No entanto, pode ser concedida uma autorização de inscrição, ainda que condicionada ao posterior preenchimento pela aluna das condições legais exigidas, ao abrigo do artigo 121.º do Código de Procedimento Administrativo(1), que prevê a prática de actos administrativos sujeitos a condição.
Apesar do adiantado do ano lectivo, esta inscrição será admissível, uma vez que, segundo informações prestadas pela Escola, o quarto ano do curso frequentado pela aluna apenas iniciou as aulas no mês de Fevereiro.

6. Nos termos da lei e dos Estatutos do Politécnico, a competência para decidir sobre esta matéria cabe ao Director da Escola (cfr. artigo n.º 38.º, n.º 1, alínea a) e g) do Estatuto do Instituto Superior Politécnico do Porto). No entanto, este órgão terá suscitado a intervenção desse Conselho Científico que a aceitou, sendo, por isso, remetida para essa sede a discussão do tema e não sendo de esperar que a situação venha, a esse respeito, a ser alterada. Assim, a rectificação da situação deverá passar por uma nova deliberação do Conselho Científico, que altere a decisão anterior em conformidade com o que atrás ficou exposto.

7. Assim, e em conclusão:
7.1 – A Comissão Permanente do Conselho Científico da Escola deliberou que a aluna poderia fazer a produção a que faltou no passado ano, não autorizando, no entanto, a inscrição no quarto ano do curso.
7.2 – Por essa via, declinou todas as responsabilidades na ausência da aluna na produção, sem que tivesse ficado devidamente demonstrado que a Escola cumpriu a este respeito todas as suas obrigações, designadamente no que se refere à marcação atempada dos exercícios de avaliação.
7.3 – Dos elementos disponíveis não se pode senão garantir-se que a produção foi agendada em Junho, não sendo possível assegurar que a prova tenha sido marcada anteriormente.
7.4 – A Comissão impôs à reclamante uma solução que lhe era claramente prejudicial e desfavorável, em termos que não podem deixar de se considerar injustos e desproporcionados, designadamente ao não autorizar a inscrição da aluna no quarto ano – injustos porque infligem à aluna um dano por factos pelos quais ela não é responsável; desproporcionada, porque se ignora uma actuação alternativa, passível de causar um prejuízo significativamente menor à aluna.

8. Atento o exposto, e ao abrigo das competência que me estão legalmente atribuídas pelo artigo 20.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, RECOMENDO
Que, mediante nova deliberação desse Conselho Científico, a aluna seja autorizada a inscrever-se no quarto ano do curso por si frequentado, revogando-se e substituindo-se nessa parte e em conformidade, a deliberação da Comissão Permanente do Conselho Científico de 18 de Março de 1999.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel

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(1) Esteves de Oliveira refere-se a estas, como sendo “condições impróprias”, por respeitarem a requisitos legais da prática do respectivo acto ou da operatividade dos seus efeitos (cfr. Esteves de Oliveira, Código do Procedimento Administrativo Anotado, 2.ª edição, Almedina, 1997, nota II de anotação ao artigo 121.º)