Presidente da Câmara Municipal de Lisboa
Número: 34/A/98
Processo: 16/96
Data: 06.07.1998
Área: A1

Assunto: URBANISMO E OBRAS – OBRAS PARTICULARES – LICENCIAMENTO – SEGURANÇA INADEQUADA – ACIDENTE – MORTE – RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL – DEVER DE INDEMNIZAR

Sequência: Sem Resposta

I – Dos Factos

1. Em … de 1996, num terreno situado na zona do Campo Pequeno, entre a Av. Sacadura Cabral e a linha de caminho de ferro (imediações da estação ferroviária do Campo Pequeno/local da antiga Fábrica de Cervejas Estrela), ocorreu um acidente que vitimou duas crianças.

2. Segundo foi dado a conhecer, na zona existia uma “lagoa”, onde três crianças brincavam sobre uma jangada. Uma das crianças terá caído, tendo-se outra lançado à água na tentativa de alcançá-la vindo, também, a morrer por afogamento.

3. Na causa do sinistro encontra-se a acumulação de um vasto lençol de água em consequência de no local, em tempos, terem sido abertas fundações para a construção de um edifício, dado o estado de total abandono da obra.

4. Esta não se encontrava suficientemente vedada, facto que favoreceu o acesso por parte dos três menores.

5. Para apreciação dos factos e de eventual responsabilidade dos poderes públicos competentes, foi determinada a organização de um processo na Provedoria de Justiça.No âmbito da sua instrução, e através do ofício n.º … , de … de 1996, foram solicitados esclarecimentos a essa Câmara Municipal, com vista a conhecer das razões que explicavam a manutenção do local no estado em que se encontrava à data do acidente, não obstante o perigo que tal situação comportava, fundamentalmente para os menores.

6. Analisadas as informações prestadas pela Câmara Municipal, e recolhidos os demais elementos necessários à instrução do processo, dá-se por verificado o seguinte conjunto de factos e circunstâncias:

A) A proprietária do terreno onde ocorreu o sinistro é a … , Lda., uma empresa privada de construção civil, com sede na Rua … , desconhecendo-se, actualmente, o paradeiro dos seus legais representantes, correndo, embora, a notícia de que estes se encontrarão no Reino Unido.

B) Em 1985, foi-lhe concedida licença para trabalhos de escavação, na sequência da licença de construção.

C) Os trabalhos de escavação decorreram entre 5 de Agosto de 1985 e 1 de Julho de 1987, data em que foram interrompidos e não mais retomados.

D) Em 22 de Setembro de 1993, foi a proprietária notificada, pela primeira vez, pela Câmara Municipal de Lisboa, para proceder à limpeza e vedação do terreno.

E) Apesar das sucessivas prorrogações, a licença veio a caducar em 4 de Novembro de 1994.

F) Em 2 de Agosto de 1995, foi expedida, pela Câmara Municipal de Lisboa, notificação de nova intimação à sociedade proprietária para proceder à limpeza e vedação do terreno, não tendo, no entanto, sido possível notificá-la, por já naquela data se desconhecer o exacto paradeiro dos seus legais representantes.

G) Em … de 1996, ocorreu o acidente sumariamente descrito, do qual resultou a morte dos irmãos N…, nascido em 9 de Setembro de 1983, e M…, nascido em 19 de Fevereiro de 1987, filhos de J… e de M… . O outro irmão, J…, que a tudo assistiu, foi resgatado a tempo.

H) Ulteriormente, em Dezembro de 1996, a Câmara Municipal de Lisboa substituiu-se à proprietária na execução das obras de aterro do local, ficando a zona circundante totalmente vedada com muro, portões e rede com altura de cerca de 2,5 metros.

7. Verifica-se, assim, que entre a data em que, pela primeira das vezes, foi a proprietária notificada para proceder à limpeza e vedação do terreno e aquela em que a Câmara Municipal se lhe substituiu em ordem a dotar aquele espaço das condições de segurança que se impunham, decorreram mais de três anos, sendo certo que há mais de nove anos se encontravam as obras paralisadas e caducada a licença de construção.

II – Dos Fundamentos

8. Durante a execução de obras de qualquer natureza, deverão ser adoptadas as precauções e as disposições necessárias para garantir, entre outras, a segurança do público e, bem assim, para evitar danos materiais – art. 135º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 38 382, de 7 de Agosto de 1951 (RGEU).

9. Os estaleiros de obras de construção, quando no interior de povoações, deverão, em regra, ser fechados ao longo dos arruamentos públicos por vedações do tipo fixado pelas respectivas câmaras municipais, tendo em vista a natureza da obra e as características do espaço público confinante (art. 136º do RGEU).

10. Na execução de caboucos ou outros trabalhos de natureza semelhante, os revestimentos e escoramentos deverão ser cuidadosamente construidos e conservados, adoptando-se as demais disposições necessárias para impedir qualquer acidente, tendo em atenção a natureza do terreno e a localização da obra em relação aos prédios vizinhos (art. 138º do RGEU).

11. Além das medidas acima descritas, poderão as câmaras municipais, tendo em vista a comodidade e higiene públicas, impor outras relativas à organização dos estaleiros (art. 139º do RGEU).

12. No art. 160º do RGEU, confere-se às câmaras municipais o poder de, nos seus regulamentos, preverem a aplicação de penalidades aos infractores, “dentro dos limites assinalados nos artigos seguintes, bem como poderão tomar as demais medidas adiante enunciadas, a fim de dar execução aos seus preceitos”.

13. Verificada a desobediência, ou a incerteza sobre a localização dos representantes da proprietária, à ordem de promoção dos trabalhos de limpeza e vedação do terreno, deveria a câmara municipal ter-se substituído na sua execução por forma a ficarem acauteladas as condições de salubridade, solidez ou segurança que se mostravam de elementar cuidado, de acordo com os deveres de prudência e diligência que são próprios do exercício da actividade administrativa (art. 6º do Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967).

14. Observa-se, ainda, competir também à câmara municipal a fiscalização do cumprimento do prazo de execução da obra – o facto de não ter sido a obra concluída no prazo previsto na respectiva licença constituía comportamento violador do disposto no Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de Outubro (que estabelece o regime jurídico do licenciamento municipal de obras particulares, RJLMOP) – cfr. disposições conjugadas do art. 22º, al. g), art. 23º, n.º 1, als. c) e d) e n.º 2 e art. 51º.

15. A Câmara Municipal de Lisboa bem sabia que o prazo para a conclusão da obra se havia esgotado em 4 de Novembro de 1994 (data em que caducou a licença de construção).

16. Como também bem sabia a Câmara Municipal de Lisboa que, pelo menos desde 1 de Julho de 1987, a obra se encontrava paralisada.

17. Assim tendo sido, e dada a perigosidade evidente para a salubridade, segurança e saúde pública que aquela situação comportava, deveria a Câmara Municipal ter-se substituído à proprietária na promoção dos trabalhos necessários à reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes do início da obra, procedendo ao aterro do local (art. 58º, n.º 1, com referência ao art. 57º do RJLMOP).

18. Nos termos do art. 90º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março, as autarquias locais respondem civilmente perante terceiros por ofensa dos direitos destes ou de disposições legais destinadas a satisfazer os seus interesses, resultante de actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes no exercício das suas funções ou por causa desse exercício.

19. Embora no art. 90º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 100/84, sejam referidos apenas os actos praticados pelos órgãos ou agentes das autarquias locais, deve entender-se esta expressão num sentido mais amplo, como reportada a qualquer conduta imputável aos titulares daqueles órgãos ou agentes, quer esta se traduza em actos, quer se traduza em omissões de actos.

20. Apenas dessa forma se conseguirá conformar a norma legal com aquela contida no art. 22º da Constituição, que responsabiliza o Estado e as demais entidades públicas pelas acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte a violação de direitos, liberdades e garantias ou prejuízos para outrem.

21. Este entendimento constitui, de resto, jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Administrativo (cfr. por todos, Acórdão da 1ª Secção de 11.11.86, in AD, n.ºs 320/321, pp. 1028 e ss.).

22. Consistindo a ilicitude, para efeitos de responsabilidade da Administração por actos de gestão pública, de acordo com o art. 6º do Decreto-Lei n.º 48.051, de 21 de Novembro de 1967, na violação das normais legais e regulamentares ou dos princípios gerais aplicáveis, mas também na preterição (comissiva ou omissiva) das regras de elementar prudência, e tendo-se considerado supra que o ordenamento jurídico-urbanístico cometia à Câmara Municipal de Lisboa um dever de dotar o terreno das condições de segurança que se impunham (vedando e assoreando o local, por forma a evitar a acumulação de água onde as escavações tinham sido realizadas), em substituição à proprietária do mesmo, não pode deixar de se considerar ilícita a omissão desse órgão autárquico.

23. Com efeito, impondo-se no art. 136º do RGEU a vedação dos estaleiros de obras de construção ao longo dos arruamentos ou logradouros públicos, e não tendo a proprietária nesses termos providenciado, ainda que para tal tenha sido notificada pela Câmara Municipal de Lisboa, caberia a esta, como vimos, substituir-se à primeira, nos termos dos arts. 149º, n.º 2, e 157º, do Código de Procedimento Administrativo.

24. Ao não executar coercivamente a intimação para a vedação do terreno, a Câmara Municipal de Lisboa violou o dever jurídico de zelar pela segurança pública no decurso da realização de obras, dever esse que resulta do disposto nos arts. 135º e ss. do RGEU, nos termos supra apontados.

25. Estamos, pois, perante uma omissão ilícita, decorrente da violação do dever de agir, já que nenhuma causa de justificação se apresenta.

26. A Câmara Municipal assumia, por força dos preceitos jurídicos atrás enunciados, uma posição de garante, dado que lhe cabia o dever de evitar o evento verificado através da adopção das medidas necessárias à salvaguarda das condições de segurança que se impunham.

27. “A omissão viola um dever de agir; dever de agir que consiste na exigência de uma mais extensa e intensa solidariedade social, impondo a tarefa de socorro ou auxílio aos outros para evitar a ofensa de bens jurídicos alheios” (FERREIRA, Manuel Cavaleiro de, Lições de Direito Penal, Vol. I, Ed. Verbo, 1987, p. 65).

28. A ilicitude das abstenções da Administração Pública na prática de operações materiais afere-se, não só pela violação das disposições legais e regulamentares, mas também das regras técnicas e de prudência comum que devam ser consideradas.

29. Essa omissão ilícita, constituindo fonte de responsabilidade da Administração, apresenta-se, ainda, como culposa.

30. É que, a culpa deve ser apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência que um bom pai de família teria em face dos condicionalismos próprios do caso concreto (art. 487º, n.º 2 do mesmo Código ex vi do art. 4º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967).

31. Não parece que um bom pai de família se tivesse abstido de remover as condições de perigo que se apresentavam, aguardando, passivamente, que outrem o fizesse, mesmo ciente que este já havia desobedecido à ordem de promoção dos trabalhos de limpeza e vedação do terreno, e sendo incerta a sua localização ou de quem o representasse.

32. “A conduta do agente é reprovável, quando, pela sua capacidade, e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo” (VARELA, João de Matos Antunes, Das Obrigações em Geral, Vol. I, Almedina, Coimbra, 6ª edição, 1989, p. 531).

33. O facto de não ter a Câmara Municipal de Lisboa usado dos meios ao seu alcance e com a diligência exigível que ao caso concreto se impunha, redundou numa omissão ilícita culposa que a responsabiliza pelos danos sofridos pelas vítimas. É que, impunham as mais elementares regras de prudência que não se conformasse o município com a abstenção da sociedade proprietária em face das sucessivas notificações.

34. Acresce que não faltavam aos serviços da Câmara Municipal os meios (humanos e materiais) necessários para remover a situação de perigo que se verificava no local.

35. Aliás, a Câmara Municipal fê-lo logo após o acidente e com evidente destreza e celeridade, assoreando o local com terras e entulho provenientes das escavações de obras do metropolitano, devolvendo-lhe, assim, as condições que sempre deveria ter apresentado desde quando o proprietário se eximiu do cumprimento dos seus deveres de cuidado e vigilância (arts. 491º e segs. do Código Civil.

36. No entanto, fê-lo tarde de mais para evitar o dano.

37. “O agente deveria ter usado uma diligência que não empregou. Devia ter previsto o resultado ilícito a fim de o evitar e nem sequer o previu. Ou, se o previu, não fez o necessário para o evitar, não usou das adequadas cautelas para que ele não se produzisse” (TELLES, Inocêncio Galvão, Direito das Obrigações, 4ª Ed., Coimbra Ed. , p. 270).

38. Note-se que o grau de culpa do agente é determinante no cálculo da amplitude da respectiva indemnização (art. 496º, n.º 3 do Código Civil), o que confere ao instituto da responsabilidade civil, também, uma função punitiva e preventiva (neste sentido, também, LUCENA, Delfim Maya de, Danos Não Patrimoniais, Almedina, Coimbra, 1985), que a solidariedade dos funcionários e agentes responsáveis (art. 22º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa) não deixa perder de vista.

39. Os danos resultantes da omissão ilícita e culposa da Câmara Municipal de Lisboa são danos não patrimoniais, resultantes da morte dos menores N… e M… e do sofrimento a que foram sujeitos nos momentos que a antecederam, e do menor J…, por ter vivido aquela situação de risco e presenciado o afogamento dos irmãos – facto que não pode ficar sem efeitos no desenvolvimento da sua personalidade.

40. No que concerne aos menores N… e M…, entendo que haverá que autonomizar os danos relativos à privação do direito à vida (dano-morte), dos relativos à agonia que sofreram antes do falecimento (danos morais) – neste sentido, aliás, parece apontar a melhor doutrina.

41. O direito a uma indemnização por danos morais sofridos pelos menores que pereceram no acidente transmitiu-se, pela sua morte, para a esfera jurídica dos seus sucessores, que neste caso são os pais (art. 2142º, n.º 2, e art. 496º, n.º 3, do Código Civil).

42. Terão ainda sofrido danos não patrimoniais na sua esfera própria os pais dos menores – o Senhor M… e a Senhora J… – devido ao sofrimento ocasionado pela morte dos seus dois filhos (art. 496º, n.º 3, do Código Civil) e pela situação de risco em que se encontrou o terceiro (art. 496, n.º 1, do Código Civil).

43. Entendo que caberá ainda aos pais dos menores falecidos, e por direito próprio, indemnização pela privação do direito à vida infligido àqueles seus filhos menores (dano-morte) – e isto, dado que o direito ao ressarcimento pela lesão do bem mais importante nunca integrou a esfera jurídica dos menores falecidos por, no momento da verificação do resultado do facto danoso (a morte), a sua personalidade jurídica já ter cessado – art. 496, n.º 2, do Código Civil.

44. Também sofreu danos patrimoniais na sua esfera própria o menor J…, por ter vivido uma situação que lhe causou evidente aflição (art. 496º, n.º 1), e pelo desgosto sofrido com a morte dos irmãos (art. 496, n.º 3). Note-se, que segundo informação colhida pela instrução do processo junto do Tribunal de Menores, o choque traumático sofrido por este menor vem justificando a frequência, com regularidade, dos serviços de atendimento infantil do Hospital de Júlio de Matos.

45. E dúvidas não restam que, pela sua gravidade, estes danos não patrimoniais merecem a tutela do direito.

46. “Trata-se apenas de dar ao lesado uma satisfação ou compensação do dano sofrido, uma vez que este, sendo apenas moral, não é susceptível de equivalente” (VAZ SERRA, Adriano Paes da Silva. ob. cit.).

47. A admissibilidade do ressarcimento de danos morais em sede de responsabilidade da Administração por actos de gestão pública não é excluída pelo Decreto-Lei n.º 100/84, nem pelo Decreto-Lei n.º 48.051, e é hoje pacificamente aceite pela jurisprudência e pela doutrina administrativas (cfr. por todos, MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, II, 9ª ed., Coimbra, 1972, p. 1226; Ac. STA 9877, de 1 de Abril de 1976, DR de 20 de Abril de 1978, pp. 653; Ac. STA 20230, de 30 de Outubro de 1985, DR de 28 de Abril de 1989, pp. 3408; Ac. STA 8368, de 15 de Julho de 1971, DG de 30 de Janeiro de 1973, pp. 819; Ac. STA 21060, de 8 de Fevereiro de 1989, DR de 14 de Novembro de 1994, pp. 890; Ac. STA 27767, de 4 de Fevereiro de 1992, DR de 29 de Dezembro de 1995, pp. 640; Ac. STA 38481, de 17 de Dezembro de 1996, ainda não publicado). Outro entendimento, de resto, não pode compaginar-se com o âmbito e extensão da norma constitucional já citada (art. 22º).

48. A verificação do nexo de causalidade parece não encerrar qualquer dúvida: a morte das duas crianças e a situação de risco em que se encontrou a terceira resultaram da fácil acessibilidade resultante do facto de o terreno em causa não se encontrar suficientemente vedado. Se o terreno se encontrasse adequadamente vedado, os menores não teriam certamente acedido à “lagoa”, na qual dois deles se viriam a afogar. E se o local tivesse sido aterrado em tempo útil, nem sequer aquela “lagoa” existiria, obstando ainda a todos os inconvenientes higio-sanitários que a sua subsistência acarretou.

49. O incumprimento pela Câmara Municipal de Lisboa do dever de se substituir aos proprietários na vedação do terreno e na tapagem das fundações constituiu, pois, causa adequada à produção dos danos que se verificaram no presente caso.

50. A prática do acto omitido poderia ter impedido a verificação do evento ou, pelo menos, diminuiria com elevada probabilidade a sua consumação.

51. É que, sendo embora verdade ter sido o promotor da obra que incumpriu, em primeira linha, as regras de segurança que se impunham, bem como o prazo para a conclusão dos trabalhos, certo é que tal facto não é susceptível de afastar a responsabilidade do município Lisboa, embora este fique habilitado a exercer direito de regresso, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 497º, n.º 2, do Código Civil.

52. Efectivamente, prevê-se no art. 497º do Código Civil (ex vi art. 4º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967) a responsabilidade solidária pela produção dos danos, estipulando o direito de regresso entre os responsáveis, na medida das respectivas culpas e das consequências que delas advieram.

53. Constituindo nota típica da solidariedade passiva o dever de prestação integral que recai sobre qualquer dos devedores quando interpelado pelo credor no sentido do cumprimento, entendo que deverá a Câmara Municipal de Lisboa assumir, sem mais demora, a disponibilidade de vir a efectuar o pagamento de uma indemnização aos lesados, pelos danos que causou em consequência do facto ilícito praticado.

54. Registe-se que o município, satisfazendo a indemnização, goza, ainda, do direito de regresso contra os titulares do órgão ou os agentes culpados, caso se constate que estes agiram com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles a que se achavam obrigados em razão do cargo (art. 90º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março).

III – Conclusões

São estas motivações, Senhor Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, que me aconselham dever

RECOMENDAR

a V. Exa. (ao abrigo do disposto no art. 20º, n.º 1, al. a) da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril) que seja assumida a responsabilidade pelos danos decorrentes do acidente em causa, atendendo a que sua produção é, também, imputável ao município de Lisboa por, não obstante o evidente perigo para a segurança, salubridade e saúde pública que aquela situação comportava, não se ter a edilidade substituído à proprietária na execução dos trabalhos necessários a dotar aquele espaço das condições que se impunham.

Deverá, pois, assumir a disponibilidade de vir a efectuar o pagamento de indemnização:

I. Aos pais dos menores falecidos, e por via sucessória, o pagamento de indemnização pelos danos morais sofridos pelo N… e pelo M… em consequência da agonia sentida nos momentos que precederam a morte.

II. Aos pais dos menores falecidos, e por direito próprio, por conta dos danos decorrentes da lesão que estes sofreram do bem supremo da personalidade, ou seja, pela cessação do direito à vida (dano-morte).

III. Aos pais dos menores falecidos, e ainda por direito próprio, pelos danos morais que sofreram em consequência do desaparecimento de dois dos seus filhos e da situação de risco em que se encontrou o terceiro.

IV. Ao irmão dos menores que sobreviveu ao acidente, e por direito próprio, o pagamento de indemnização pelos danos morais sofridos em consequência da profunda aflição sentida no momento da tragédia, e do natural desgosto resultante da morte dos irmãos.

Nos termos do disposto no art. 38º, n.º 2, da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, solicito a V. Exa. que me comunique o seguimento que vier a ter esta minha Recomendação.

Nesta mesma data, informo os Senhores M… e sua Mulher da conclusão da instrução do processo e da Recomendação que entendi dever formular à Exma. Câmara Municipal presidida por V. Exa.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL