Reitor da Universidade de Coimbra

Proc. : R- 519/95
Rec. nº 111/A/95
Data: 6-10-1999
Área: A 4

Assunto:FUNÇÃO PÚBLICA – CARREIRA DE INFORMÁTICA – TRANSIÇÃO DE CARREIRA – CATEGORIA DE OPERADOR DE SISTEMAS

Resultado:

-Introdução-

1. 0 artº 13º da Constituição da República (CRP) consagra o principio geral da igualdade que vincula o legislador ordinário.
Por sua vez, nas suas relações com os particulares, também a Administração Pública deve reger-se pelo princípio de igualdade, o que vem expressamente determinado no Código do Procedimento Administrativo (C.P.A.) no artº 5º, nº 1.

2. 0 Dec-Lei 23/91, de 11 de Janeiro, visa “definir o estatuto do pessoal das carreiras e categorias de informática, estabelecendo o respectivo ordenamento, as condições de ingresso e acesso nas mesmas, o sistema de recrutamento e selecção aplicável, as exigências de formação e as condições remuneratõrias ao abrigo do novo sistema retributivo” (cfr. preâmbulo).Aprovou um regime diferente do constante do Dec-Lei nº 110-A/80, de 10 de Maio, e estabeleceu regras de transição para os profissionais já integrados na carreira de informãtica (artºs 15º, 16º, 17º, 18º, 19º e 20º) assim como para o pessoal de qualquer carreira ou categoria que, desempenhando em 12.01.91 funções correspondentes aos conteúdos funcionais definidos para a área de informática
(na Portaria nº 773/91, de 7 de Agosto) satisfizesse um determinado número de requisitos (artº 21º).
Este diploma entrou em vigor em 12.01.91, “produzindo efeitos, no que respeita à nova estrutura salarial, desde 1 de Outubro de 1989” (artº 29º).

3. Cumpre verificar se o assinalado princípio de igualdade resulta respeitado na forma adoptada pelo legislador para abrir a transição para a carreira de informática ao pessoal proveniente de outras carreiras; ou se, respeitando o legislador aquele princípio, a prática administrativa conducente à integração daquele pessoal nas novas carreiras e categorias de informática e no novo sistema retributivo traduz uma interpretação e aplicação do direito conforme ao acatamento do mesmo princípio.

-Legislação pertinente-

4. 0 Dec-Lei nº 184/89, de 2 de Junho, foi elaborado no uso de uma autorização legislativa e constitui um diploma de referência inafastável por outros normativos legais ou regulamentares, que desenvolvam as bases do regime e âmbito da função pública nela consagradas (cfr. C.R.P. artº 168º, nº 1 v) e nº 3).
Entre os diplomas legais ali anunciados neste processo o Dec-Lei nº 353-A/89, de 16 de Outubro, que, com carácter de prevalência regulamenta os princípios gerais contidos em matéria salarial.

5. Este diploma produziu efeitos a partir de 1.10.89 (cfr. artº 45º, nº 1) e anunciou que, “relativamente às carreiras e categorias não contempladas neste diploma, o Dec-Lei nº 184/89, de 2 de Junho, entra em vigor, no que respeita à matéria salarial, à medida que forem publicados os respectivos diplomas de desenvolvimento, sem prejuízo de a produção de efeitos se reportar à data prevista no nº 1” (cfr. artº 45º, nº 2).
A disposição transcrita traduz o respeito pelo disposto no artº 43º, nº 1 do Dec-Lei nº 184/89.

6. O Dec-Lei nº 23/91 consagra o regime (especial) de inserção das carreiras de informática no novo sistema retributivo, o que está previsto e e permitido no artº 16º, nº 1 a) do Dec-Lei nº 184/89 em conjugação com o artº 29º, nº 1 do Dec-Lei nº 353-A/89.
Sem prejuízo dos casos omissos (cfr. artº 27º do Dec-Lei nº 23/91) ou quando expressamente remetem para aqueles normativos (cfr. artº 22º, nº 1), as normas específicas de integração nas novas carreiras do pessoal que desempenhava funções na área de informática em 12.01.91 aplicam-se em 12.01.91, embora a consequente transição para o N.S.R. se configure reportada a 1.10.89.

É o que resulta do artº 29º e o que dá sentido e coerência ao nº 4 do artº 21º o qual, mais do que uma repetição da salvaguarda de direitos consagrada no artº 40º, nº 3 a) do Dec-Lei nº 184/89, é uma limitação ou uma espécie de “claúsula acessória” daquela salvaguarda que desenvolve o nº 4 do mesmo artigo.

Assim, para que haja direito à contagem do tempo de serviço em categoria anteriormente não integrada em carreira informática é necessário que durante esse tempo tenha já havido exercício de funções correspondentes às da carreira para que se operou a transição.

-Entendimento da Direcção-Geral de Administração Pública (D.G.A.P.) –

7. A DGAP elaborou a circular nº 1/93, de 2 de Fevereiro, onde afirma que a interpretação e aplicação do arº 21º do Dec-Lei nº 23/91 suscitou dúvidas acerca da categoria das carreiras de informãtica para a qual, caso a caso, deve processar-se a transição do pessoal abrangido por aquele artigo.
E, obtida a concordância (não vinculativa) da Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento, informou que aquela categoria deve ser determinada por aplicação do artº 18º do Dec-Lei nº 353-A/89.

-Análise crítica-

8. 0 citado artº 18º integra-se sistematicamente nos princípios gerais das carreiras e aplica-se à intercomunicabilidade em concursos de acesso (regulada nos artºs 16º e 17º do Dec-Lei nº 248/95, de 15 Julho) e à mobilidade – decorrente da reclassificação e reconversão (Dec-Lei nº 41/84, de 2 de Fevereiro, artº 30º), da transferência e permuta, (Dec-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro, artºs 25º e 26º), posteriores à aplicação das regras de transição para o N.S.R..

9. As regras especiais de transição entre categorias e carreiras, fora das situações de intercomunicabilidade, têm o conteúdo e alcance nelas expresso e podem, caso a caso, respeitar ou não os princípios referidos naquele artº 18º.
Assim se entende que o escopo para a determinação da carreira para a qual se faz a transição seja constituído pelas “funções correspondentes aos conteúdos funcionais” desempenhadas pelo pessoal integrado em quaisquer carreiras e/ou categorias.
Carreira de destino será aquela que as integra.
Dentro dessa carreira, determinar-se-á a categoria e o escalão, agora sim, em função da remuneração já auferida, qualquer que seja o índice correspondente ao 1º escalão da categoria detida ou da categoria para a qual se transita.
Determinada a categoria de destino, o tempo de serviço prestado nas funções que justificam a transição para uma categoria e carreira diferentes conta para progressão (Dec.Lei 353-A/89, artº 18º, nº 3 e Dec.Lei 23/91, artº 21º, nº 4).

Como a transição em geral produz efeitos, no que respeita à nova estrutura salarial, em 1.10.89, a partir dessa data e com efeitos reportados àquela em que, caso a caso, foram preenchidos os requisitos de natureza constitutiva desse direito, o pessoal transita para o escalão da categoria de destino a que corresponde remuneração igual ou imediatamente superior à auferida na categoria de origem.

10. As datas em que têm lugar intervenções da Administração de natureza meramente declarativa e não constitutiva são irrelevantes.
É o caso da aferição da formação pela comissão prevista no nº 2 do artº 21º do Dec-Lei nº 23/91.
É o caso da aprovação e publicação da portaria conjunta que adapta os quadros dos serviços (artº 26º, nº 1).
É o caso da emissão de despacho declarativo da transição ou da sua publicação no Diário da República.
É o caso da aceitação (cfr. C.P.A., artº 128º,nº 1 c) .

Em suma, só assim se garante o respeito pelo princípio da igualdade na actividade administrativa.

-Situação controversa-

11. O Senhor … , integrado na carreira de operário qualificado desde Outubro de 1985, desempenhou ininterruptamente funções “relacionadas com a implementação e a utilização de um sistema de edição e publicação electrónica na Secção de Textos” da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra.
Veio a ser reconhecido que estava em condições de transitar para a categoria de operador de sistemas ao abrigo do nº 1 b) do artº 21º do Dec-Lei nº 23/91, pelo que concorreu e obteve aprovação no concurso de habilitação que foi aberto por aviso publicado na 2ª Série do Diário da República de 14.07.93 (pág. 7545( e cuja classificação final de “aprovado” foi divulgada em 17.1.94.

Em despacho reitoral de 4.04.94 foi nomeado operador de sistemas, e posteriormente posicionado no escalão 1 (Índice 275), o que V. Exª confirmoupor despacho de 13.01.95.

12. Em síntese entre a entrada em vigor do Dec-Lei nº 23/91 e o despacho de nomeação na categoria de operador de sistemas que foi viabilizada por aquele diploma decorreram mais de três anos.
Todas as diligências, formalidades e delongas que explicam aquele período são de exclusiva iniciativa e responsabilidade de Administração Pública.
O funcionário, assim como todos aqueles que obtiveram aprovação nos concursos de habilitação, não tiveram qualquer oportunidade ou competência para influenciar ou acelerar a conclusão dos procedimentos que culminaram com a sua nomeação.

13. Não pode a Administração como parte interessada e responsável pelos atrasos, deles tirar vantagens financeiras, por uma elementar razão de boa fé e por, de outro modo, se violar o principio da igualdade de todos os actuais profissionais de informática face à aplicação das mesmas normas reguladoras da transição carreiras.
Não pode assim defender-se que os efeitos remuneratõrios da transição se produzam todos na data da emissão do despacho de nomeação, porque esta varia de serviço para serviço.

Com efeito, a própria DGAP o reconheceu ao defender outro entendimento em situações que têm comuns com a do queixoso.

É o caso, por exemplo, da resposta à consulta efectuada pela Direcção-Geral do Tesouro através do ofício nº …, de 17.02.94.
Na resposta, a DGAP informou (ofº nº … de 18/03/94) que “ao funcionário em apreço, atento o no nº 4 do artº 21º do Dec-Lei nº 23/91, de 11 de Janeiro ser-lhe-á contado o tempo de exercício de funções correspondentes às da carreira para que transitou, podendo, eventualmente, haver lugar à consequente mudança de escalão”.

14. Isto significa que, na transição para as carreiras informáticas, há que reconstituir a carreira do funcionário determinando o escalão que lhe é devido na data em que essa transição se concretiza de direito.
No caso do Senhor …, contado o tempo de serviço prestado desde Outubro de 1985, em 1.10.89 ele tem já direito ao 2º escalão da nova categoria; em Outubro de 1991, tem direito ao 3º escalão e em outubro de 1994, tem direito ao 4º escalão (índice 320).

15. Questão diferente é a de determinar a partir de que data lhe é devido o abono da remuneração da categoria de operador de sistemas.

Diversas datas, entre muitas outras, podem ser aventadas:

– a da entrada em vigor do Dec-Lei nº 23/91 – 12.01.91;
– a da consolidação da aprovação no curso de habilitação, ou seja, no 11ª dia posterior à divulgação da lista de classificação final daquele concurso – 27.01.94;
– a da publicação do Despacho 40/92, da Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento, regulamentando para toda a Administração Pública o concurso de habilitação previsto na alínea b) do nº 1 do artº 21º do Dec-Lei nº 23/91 – 15.07.92;
– a fixada no despacho de nomeação – 4.04.94;
– a fixada no artº 26º do Dec-Lei nº 23/91 para alteração dos quadros;
– a da publicação da Portaria nº 773/91, de 7 de Agosto.

16. A decisão nesta matéria há-de respeitar o princípio da igualdade de todos os funcionários da Administração Pública que, estando nas condições do nº 1 b) do Dec-Lei nº 23/91, transitaram para operador de sistemas.
Há-de também ter em conta desde quando as funções
exercidas pelos funcionários foram ininterruptamente de
idêntico conteúdo funcional – antes da entrada em vigor
daquele diploma.

Há-de não penalizar os funcionários dos serviços mais lentos por oposição a outros integrados em serviços que rapidamente atingiram a fase da sua nomeação ou empossamento.

Há-de distinguir entre actos e formalidades que meramente reconhecem ou qualificam situações existentes e aqueles de que resulta o preenchimento de um novo e necessário requisito de transição.

17. Parece haver apenas três momentos que fazem o pleno destas exigências: os da entrada em vigor do Dec-Lei nº 23/91 e da Portaria 773/91, e o da publicação do Despacho nº 40/92 que são comuns a todos os serviços.
A partir de 15.07.92, as diligências, factos e actos inerentes à transição para as carreiras de informática ao abrigo do artº 21º, nº 1 b) variaram de Ministério para Ministério, de serviço para serviço.

Por isso, parece que deve ser escolhida uma destas três datas.

18. Inclino-me para a data da publicação do Despacho nº 40/92 (15.07.92) porque antes dele não foi possível a nenhum dos serviços ou dos interessados de toda a Administração Pública viabilizar ou reunir as condições de transição ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 21º do Dec-Lei nº 23/91.
E porque, a partir dessa data, todos os que vieram a ser aprovados nos concursos de habilitação (que foram sendo abertos oficiosamente e concluídos em cada um dos serviços competentes com maior ou menor celeridade) não podem ver reflectir-se negativamente na sua esfera jurídica as consequências da diversidade das diligências ou das delongas da Administração.
Sublinho que o C.P.A. inclui entre os objectivos de Administração “a celeridade, a economia e a eficiência das suas decisões” (artº 10º), aponta como dever dos órgãos administrativos que providenciem pelo rápido e eficaz andamento do procedimento (artº 57º) e oferece um prazo ordenador de três meses para que um procedimento seja concluído (artº 57º, nº 1), prazo de duração aproximada ao que é fixado no artº 26º do Dec-Lei nº 23/91.
Ora o dia 15.07.92 é sensivelmente posterior à data que corresponderia ao cumprimento daqueles prazos ordenadores do dever de celeridade.

19. Atente-se ainda em que, por força do disposto no artº 27º do Dec-Lei nº 23/91, a Administração deve formalizar as transições em obediência ao disposto no artº 34º do Dec-Lei nº 353-A/89.
Não o fez a Reitoria até esta data, o que viola o princípio do contraditório e desrespeita a obrigatoriedade de audiência prévia, regulada de modo supletivo no C.P.A., artºs 100º a 103º.
O desrespeito das formalidades essenciais assinaladas inquina o acto final de vício de forma e torna-o anulável, ou substituível nos termos dos artºs 141º e seguintes do C.P.A..

Conclusões:

20. As regras de transição contidas no artº 21º do Dec-Lei nº 23/91, de 11 de Janeiro, são suficientes para a determinação da carreira e categoria de destino dos funcionários que transitam para as carreiras de informática;

21. A transição produz efeitos quanto à antiguidade na nova categoria desde a data em que, na vigência da categoria anterior que suporta a transição, se iniciou o exercício de funções correspondentes ao conteúdo funcional da carreira de informática;

22. A integração no novo sistema retributivo rectroage, a 1.10.89;

23. O tempo de serviço na nova categoria, determinado de acordo com os números anteriores, deve ser considerado para efeitos de progressão, podendo determinar mudança do escalão de integração;

24. O direito ao abono da remuneração na nova categoria e escalão adquire-se em 5.07.92, por imposição decorrente do principio constitucional da igualdade.

RECOMENDO:
Que seja substituído o despacho reitoral de 04.04.94, publicado na 2ª Série do Diário da República de 30.06.94, por forma a nele serem identificados os escalões, índices e data de transição (5.07.92) que deveriam constar da lista de transição determinada pelo artº 34º, nº 2 do Dec-Lei nº 353-A/89, de 16 de Outubro.
No novo despacho, ao operador de sistemas o Senhor … deverá ser considerada:
– a antiguidade na actual categoria reportada a Outubro de 1985 (posse na anterior categoria);
– o direito à remuneração correspondente ao 3º escalão a partir de 15.07.92;
– a transição para o 4º escalão em Outubro de 1994;
– o pagamento dos retroactivos calculados nos termos referidos a partir de 15.07.92.

25. Recordo a V. Exª que, nos termos do Estatuto do Provedor de Justiça (artº 38º, nº 2 da Lei nº 9/91, de 9 de Abril), deve ser-me dado conhecimento da posição assumida sobre a presente recomendação num prazo de 60 dias.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel