Presidente da Assembleia da República
Processo:R-2135/90
Nº 4 /B/96
Data:1.02.1996
Área: A4

Assunto:FUNÇÃO PÚBLICA – ACTIVIDADE SINDICAL – REGULAMENTAÇÃO – MEDIDA LEGISLATIVA.

Sequência: Parcialmente Acatada.

1.O Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública do Sul e Açores apresentou perante este Órgão do Estado, queixa relacionada com as restrições ao exercício da actividade sindical que vinham sendo impostas aos funcionários e agentes civis dos serviços departamentais das forças armadas.

2. Instruído o respectivo processo, concluiu-se ser a análise do problema levantado pela referida queixa forçosamente inseparável de uma abordagem global da questão, de âmbito mais geral, do exercício dos direitos sindicais na função pública.

3. Com efeito, aos funcionários e agentes civis dos serviços departamentais das forças armadas passou a ser aplicável, a partir da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 264/89, de 18 de Agosto, o regime respeitante aos funcionários e agentes da administração central, ou seja, o regime geral da função pública (art.º 1.º, n.º 1, do referido diploma legal).

4. Aliás, encarregou-se este diploma de proceder à revogação do Decreto-Lei n.º 33/80, de 13 de Março, na parte que aprovou o Estatuto do Pessoal Civil dos Serviços Departamentais das Forças Armadas, bem como do Decreto-Lei n.º 434-A/82, de 29 de Outubro, que havia aprovado o Regulamento Disciplinar desse mesmo Pessoal.

5. Não restam assim quaisquer dúvidas, se e que algumas existiam ainda, sobre a não equiparação do pessoal civil das forças armadas ao pessoal militar e militarizado.

6. Sobre os militares e militarizados pode a lei fazer incidir restrições ao exercício de determinados direitos fundamentais. Tais restrições são legitimadas pelo próprio texto constitucional, no seu artigo 270.º .

7. O mesmo não acontece com os trabalhadores civis, que, como se viu, são equiparados a funcionários públicos.

8. Facilmente se conclui, pois, que a resposta a dar aos problemas que afligem os trabalhadores civis dos serviços departamentais das forças armadas, relacionados com as restrições ao exercício de direitos sindicais, passa necessariamente pela procura da solução dada ao mesmo tipo de problemas no que concerne aos funcionários públicos em geral, desde logo, no plano legal. Existindo legislação reguladora do exercício da actividade sindical na função pública, o problema do exercício dessa mesma actividade por parte dos trabalhadores civis das forças armadas estará, em tal plano, solucionado.

9. Simplesmente, e no que se reporta à função pública em geral, a questão não se encontra resolvida nesse mesmo plano legal. A legislação reguladora do exercício da actividade sindical na função pública não existe, ou, pelo menos, não existe na medida necessária ao esclarecimento de todas as dúvidas que, neste campo, se tem vindo a colocar.

10. Senão vejamos. A actividade sindical rege-se, na sua essência, pelo regime estabelecido no Decreto-Lei n.º 215-B/75, de 30 de Abril (usualmente conhecido por Lei Sindical). Torna-se assim necessário verificar se tal regime abrange os funcionários públicos.

11. A uma primeira análise, parece que sim. O art.º 1.º do diploma em questão dispõe que o mesmo regula o exercício da liberdade sindical por parte dos trabalhadores, sendo considerado trabalhador, para os efeitos nele previstos, aquele que, mediante retribuição, presta a sua actividade a outra pessoa, sob direcção desta (art.º 2.º, alínea a).

12. Assim sendo, parece que os requisitos necessários para que alguém possa ser considerado trabalhador pela Lei Sindical não conduzem à exclusão, pelo menos à partida, dos funcionários públicos (entendendo-se por funcionários públicos os trabalhadores do chamado Sector Público Administrativo, não incluindo portanto os trabalhadores do Sector Empresarial do Estado, em relação aos quais se não colocam quaisquer dúvidas, no que diz respeito à aplicação da Lei Sindical).

13. Com efeito, os funcionários públicos prestam a sua actividade, mediante retribuição, a outra pessoa, sob direcção desta. Essa pessoa e a pessoa colectiva Estado (ou outra pessoa colectiva pública de carácter não empresarial).

14. Assim, e não saindo do plano deste primeiro exame superficial, centrado na alínea a) do art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 215-B/75, torna-se perfeitamente possível, e até pertinente, o entendimento segundo o qual aos funcionários públicos é aplicável este regime geral.

15. Admito que o seja, mas não de uma forma integral. São pelo menos enormes as dúvidas que se levantam a propósito da aplicação aos funcionários públicos de alguns preceitos do diploma em análise.

16. O Decreto-Lei n.º 215-B/75 reflecte nitidamente, em alguns dos seus preceitos, uma preocupação do legislador em salvaguardar os direitos dos trabalhadores abrangidos pelo regime geral jurídico-laboral (regime geral privado).

17. Não quer isto dizer que não houvesse intenção de tornar subsidiariamente aplicáveis aos funcionários públicos algumas destas normas, naquelas matérias que não fossem reguladas por lei especial aos mesmos destinada.

18. Só assim se explica o teor do art.º 50.º, de acordo com o qual “Lei especial regulará o exercício da liberdade sindical dos servidores do Estado, das autarquias locais e dos institutos públicos que não sejam empresas públicas ou estabelecimentos de natureza comercial ou industrial”.

19. Esta lei especial nunca foi, no entanto, e ate hoje, publicada, o que conduziu a que, nas matérias em relação às quais a aplicação directa da Lei Sindical aos funcionários públicos suscita maiores dúvidas, tenham surgido e continuem a surgir os problemas que estão na base das numerosas queixas que, versando esta problemática, tem dado entrada nesta Provedoria.

20. Convirá talvez esclarecer que quando me refiro a não publicação da tal lei especial, prevista no art.º 50.º do Decreto-Lei n.º 215-B/75, estou a pensar num diploma regulador do exercício da liberdade sindical na função pública em todos os seus aspectos, e não apenas num ou noutro aspecto específico. Creio que era também um diploma deste tipo que o legislador de 75 tinha em mente.

21. Afigurava-se necessário este esclarecimento em virtude da publicação, em 3 de Fevereiro de 1984, do Decreto-Lei n.º 45-A/84, que veio regular o exercício da liberdade sindical na função pública, mas apenas e exclusivamente no que se reporta a um dos seus aspectos específicos – o direito de negociação – não resolvendo, pois, a questão em todas as outras suas vertentes.

22. Ora, uma dessas vertentes, talvez mesmo aquela em que os problemas se colocam com maior intensidade, e precisamente a que se relaciona com o exercício da actividade sindical no local de trabalho.

23. Esta é, de facto, uma das matérias, senão mesmo a principal, em que a aplicação directa da Lei Sindical suscita as maiores dúvidas.

24. Concretizemos a razão de ser deste entendimento. O capítulo do Decreto-Lei n.º 275-B/75 que regula a matéria agora em análise (Capítulo III) tem por título “Do exercício da actividade sindical na empresa”. E os vários preceitos nele contidos utilizam sempre o termo “empresa” ou a expressão “unidade de produção”. Eis aqui por demais evidente o reflexo daquilo que já atrás havia referido. O regime contido na Lei sindical foi moldado para os trabalhadores de organizações empresariais (de natureza industrial ou comercial), abrangidos pelo regime jurídico-laboral privado (leis gerais do trabalho).

25. Sendo evidente que os trabalhadores de serviços administrativos do Estado, ou de outro ente público de carácter não empresarial, não exercem a sua actividade numa empresa, poder-se-á colocar a questão de saber se não será possível tornar os preceitos em causa aplicáveis a estes trabalhadores pela via da interpretação extensiva.

26. Parece-me um tanto forçado equacionar aqui uma hipótese deste tipo. A tanto se opõe, na minha opinião, e não deixando de ter em conta o elemento sistemático que sempre deverá estar na base da interpretação das normas jurídicas, o teor do já referido art.º 50.º da Lei Sindical, o qual e demonstrativo da intenção do legislador de se dirigir especificamente aos trabalhadores do regime privado, pelo menos em algumas das áreas ali reguladas, não tendo a utilização do termo “empresa” aparecido por mero acaso.

27. Não me parece igualmente aconselhável a via da integração analógica, uma vez que o mesmo art.º 50.º permite concluir que a lacuna existente e intencional e que a vontade do legislador aponta no sentido de se vir a estabelecer por via legal a regulamentação necessária para lhe pôr termo.

28. A nível constitucional, o problema não encontra igualmente resolução. Com efeito, nesta questão específica do exercício da actividade sindical no local de trabalho, a Constituição não fornece uma base suficiente para que, no que à função pública diz respeito, se possa considerar que tal exercício está constitucionalmente assegurado, independentemente de regulamentação a nível da lei ordinária.

29. O n.º 2 do art.º 55.º da Constituição, ao enumerar o rol de direitos sindicais constitucionalmente garantidos aos trabalhadores, elege, na sua alínea d), como um desses direitos, o de exercício de actividade sindical na empresa.

30. Eis que de novo aparece, tal como sucede na Lei Sindical, o termo “empresa”, deixando antever que o direito de exercício de actividade sindical no local de trabalho apenas beneficia de reconhecimento constitucional, pelo menos de forma expressa e inequívoca, no que se refere às organizações de natureza empresarial.

31. É certo que, como defendem Gomes Canotilho e Vital Moreira, na sua Constituição da República Portuguesa Anotada, os funcionários públicos são seguramente abrangidos pelo conceito constitucional de trabalhador, já que, não contendo a Lei Fundamental nenhuma definição expressa a este respeito, deverá tal conceito ser definido a partir do conceito jurídico comum. Assim, será considerado trabalhador, para efeitos constitucionais, o trabalhador subordinado, ou seja, aquele que trabalha ou presta serviços por conta e sob direcção e autoridade de outrem, independentemente da categoria dessa entidade (privada ou pública) e da natureza jurídica do vínculo (contrato de trabalho privado, função pública, etc.). Verifica-se, pois, que o conceito constitucional não difere, na sua essência, do conceito da Lei Sindical, ao qual já havia sido feita referencia anteriormente.

32. E é também verdade que o n.º 1 do já referido art.º 55.º reconhece a todos os trabalhadores, sem excepção, a liberdade sindical, a qual deverá, ainda segundo os mesmos autores, ser entendida não só como liberdade de associação, mas também como liberdade de actividade sindical.

33. No entanto, é também inegável que a Constituição, ao especificar as formas que directamente reconhece de exercício dessa mesma actividade sindical no local de trabalho, apenas faz alusão à “empresa”.

34. Tal como já havia referido a propósito do Capítulo III da Lei Sindical, também aqui tenho muitas dúvidas sobre a legitimidade de uma interpretação extensiva da alínea d) do n.º 2 do art.º 55.º da Constituição, pois me parece forçado considerar que o legislador constituinte, ao referir-se a “empresa”, tinha em mente abranger também neste conceito o Sector Público Administrativo. A proceder desta forma, não se estará a ultrapassar aquele mínimo de correspondência verbal na letra da lei, exigido pelas regras gerais de interpretação, previstas no art.º 9.º do Código Civil?

35. De qualquer das formas, e ainda que se considere possível encontrar solução para este problema com recurso às potencialidades proporcionadas ao intérprete pelas regras da interpretação e da integração, sempre se poderá duvidar da eficácia de tal solução, do ponto de vista da clareza na definição das situações.

36. Com efeito, a melhor solução, na perspectiva da clareza e segurança na definição dos meios de exercício da actividade sindical ao dispor dos funcionários públicos, residirá, na minha opinião, na regulamentação de tal exercício em diploma próprio, em cumprimento, aliás, do disposto no art.º 50.º da Lei Sindical.

37. Só desta forma se tornará possível colocar um ponto final no conjunto de indefinições e incertezas que vem caracterizando a situação dos trabalhadores da função pública em matéria de liberdade de exercício da actividade sindical.

38. São, aliás, Gomes Canotilho e Vital Moreira quem, na sua Constituição da República Portuguesa Anotada, nos fornecem a prova de que existe, a nível constitucional, alguma indefinição nesta matéria.

39. Referem estes autores que “a liberdade sindical é hoje mais que uma simples liberdade de associação perante o Estado. Verdadeiramente, o acento tónico coloca-se no direito à actividade sindical, perante o Estado e perante o patronato, o que implica, por um lado, o direito de não ser prejudicado pelo exercício de direitos sindicais e, por outro lado, o direito a condições de actividade sindical (direito de informação e de assembleia nos locais de trabalho, dispensa de trabalho para dirigentes e delegados sindicais, etc.)” (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3a edição revista, Coimbra Editora, 1993, anotações ao art.º 55.º, pgs. 299 e 300).

40. Mais adiante, ainda nas anotações ao art.º 55.º da Constituição, e em comentário à utilização da expressão “sem qualquer discriminação”, constante do n.º 2, refere-se que “Mais do que a reafirmação do princípio constitucional da igualdade (art.º 13.º, n.º 2), trata-se de não deixar dúvidas – se dúvidas pudesse haver – de que todos os trabalhadores, qualquer que seja a entidade para quem trabalham (seja uma empresa privada, seja uma empresa pública, seja directamente o Estado), e qualquer que seja o sector (indústria, agricultura, etc.), gozam dos direitos e liberdades sindicais, não sendo lícita qualquer interdição legal” (pg. 300).

41. Porém, ainda mais adiante, na anotação relativa à alínea d) do n.º 2 do mesmo art.º 55.º, explica-se que “A Constituição menciona apenas [a actividade sindical na empresa], mas, mesmo que haja de entender-se que a actividade sindical nos locais de trabalho só está constitucionalmente garantida nas organizações empresariais, nada impede que a lei a reconheça em todos os casos (nomeadamente nos serviços públicos e nas instituições privadas sem carácter empresarial)”.

42. Parece daqui resultar não ser de forma alguma líquido, para Gomes Canotilho e Vital Moreira, que o direito de exercício de actividade sindical nos locais de trabalho esteja também constitucionalmente garantido nas organizações não empresariais

43. Tanto assim é que os mesmos autores acabam por reconhecer, ainda na sua Constituição da República Portuguesa Anotada, que “em relação a alguns direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores, a sua fruição parece estar constitucionalmente garantida apenas para os trabalhadores de organizações empresariais – como sucede com o direito a constituir comissões de trabalhadores (art.ºs 54.º e 55.º) e com o direito ao exercício de actividade sindical nos locais de trabalho (art.º 55.º – 2/d) -, o que, no âmbito da Administração Pública (em sentido amplíssimo), só abrange directamente as empresas públicas (cujos trabalhadores, porém, não possuem normalmente estatuto do funcionalismo público) e os estabelecimentos agrícolas, industriais ou comerciais do Estado geridos sob a forma de serviço administrativo. Todavia, a lei não está impedida de estender tais direitos aos demais trabalhadores da função pública” (anotações ao art.º 269.º, pg. 946).

44. Acontece que, como tive ocasião de referir, e se torna fácil concluir na sequência do que atrás foi exposto, a indefinição prevalece igualmente ao nível da lei ordinária, pelo que urge pôr-lhe termo.

45. Este Órgão do Estado empreendeu já, por mais de uma vez, iniciativas nesse sentido.

46. Assim, em 20.10.81, foi dirigida Recomendação a Sua Excelência o Primeiro-Ministro, na qual se chamava a atenção para a necessidade de tomar medidas tendentes à ultimação de um projecto de diploma destinado a regular o exercício de direitos sindicais na função pública e que se encontrava a ser objecto de reapreciação no âmbito do plano de acção legislativa do então Ministério da Reforma Administrativa.

47. A entrada em vigor de tal diploma viria pôr termo a uma fase transitória que, na matéria em causa, se havia iniciado com a Circular do referido Ministério de 07.04.78.

48. Não tendo, no entanto, sido obtidos os desejados resultados – a Direcção-Geral da Administração Pública informou que não se encontrava em elaboração qualquer ante-projecto sobre direitos sindicais na função pública, continuando a matéria a ser regulada pelo Decreto-Lei n.º 45-A/84, de 3 de Fevereiro, bem como pela Circular de 07.04.78 do ex-Ministério da Reforma Administrativa -foi dirigida Recomendação à Assembleia da República, para que, no âmbito da respectiva reserva relativa de competência legislativa, aprovasse legislação reguladora do exercício da actividade sindical na função pública, uma vez que, por um lado, o Decreto-Lei n.º 45-A/84, de 3 de Fevereiro, se reportava apenas a um aspecto específico desse exercício – o direito de negociação – e que, por outro lado, a Circular de 07.04.78 do ex-Ministério da Reforma Administrativa, para além de não revestir, pela sua própria natureza, a desejada força vinculativa, não era de forma alguma, do ponto de vista formal, o instrumento adequado para a regulamentação da matéria em análise.

49. Todavia, também esta Recomendação não foi acatada, continuando a não existir diploma regulador do exercício da actividade sindical na função pública.

Assim, e em face de tudo quanto foi exposto,RECOMENDO:

Vossa Excelência que sejam adoptadas as medidas legislativas adequadas à regulamentação do exercício da actividade sindical no seio da Administração Pública.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel

A
Sua Excelência
o Primeiro Ministro

P-30/94
Rec. n.º 6/B/96
1996.02.01

1. A tipificação dos vínculos possíveis entre a Administração Pública e o seu pessoal foi definida no Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho e desenvolvida no Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro.
São três as situações-tipo de vinculação originadas: emissão de despachos de nomeação, para provimento de lugares vagos dos quadros previamente aprovados e que correspondem às necessidades permanentes dos serviços (Decreto-Lei n.º 248/85, de 15 de Julho – art.º 14.º, n.º 4; Decreto-Lei n.º 184/89 – art.º 25.º, n.º 1, a); celebração de contratos numa de duas modalidades: (contrato administrativo de provimento ou contrato de trabalho a termo certo) ambas previstas para ocorrer a necessidades próprias do serviço público que não revistam carácter de permanência, mediante o desempenho de funções com carácter de subordinação.
2. Os pressupostos de cada um dos tipos de vinculação referida são referidos na legislação citada, devendo relevar-se que as duas modalidades de contratação tendem a constituir soluções esporádicas e sempre transitórias, ao passo que o pessoal nomeado nos quadros assegura o exercício regular e profissionalização das funções próprias do serviço público. Se respeitados os normativos aplicáveis, o apuramento estatístico conduzirá inevitavelmente à existência de uma esmagadora maioria de situações de pessoal nomeado versas pessoal contratado.
3. Sendo este tendencialmente o resultado do sistema criado pelos normativos atrás citados, de facto a prática administrativa não vem correspondendo ao modelo definido, o que traduz não só uma deficiente interpretação e aplicação da legislação aplicável, mas também uma actuação gestionária lesiva dos interesses dos serviços e do pessoal ao seu serviço, em muitos casos imposta pelo congelamento das admissões há longos anos em vigor.
4. Fixa a lei o limite de um ano para a vigência dos contratos de trabalho a termo, mas com frequência os dirigentes máximos dos serviços, findo aquele prazo, se vêm constrangidos a recorrer ao trabalho dos ex-contratados agora na modalidade de prestação de serviços prevista e regulada no Decreto-Lei n.º 41/84, de 3 de Fevereiro (art.º 17.º) e n.º 184/89 (art.º 10.º), pagos contra recibos emitidos na qualidade de trabalhadores independentes, qualidade que, de facto, aqueles indivíduos não têm. De facto, assim se mantém ininterruptamente uma infinidade de situações que, não podendo já ser de vinculação, é no entanto de realização de verdadeiro trabalho subordinado (sujeito à hierarquia, disciplina e horário de trabalho), ainda que catalogado de independente.
5. A legislação geral do trabalho é aplicável, supletivamente, aos contratos de trabalho a termo certo celebrados pela Administração. Assim, nos casos em que, vencido o limite de um ano, cada relação contratual foi ou é prorrogado até conjuntamente perfazer mais de 3 anos de trabalho, os contratos iniciais convertem-se em contratos sem termo (Regime Jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27.02, art.ºs 44.º, n.º 2 e 47.º por força do art.º 9.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 184/89). Por seu lado, a caducidade destes contratos confere aos trabalhadores o direito a uma compensação de dois dias de remuneração de base por cada mês completo de duração (Decreto-Lei n.º 64-A/89, art.º 46.º, n.º 3). E o pessoal contratado nesta modalidade é beneficiário dos organismos de segurança social para os quais a Administração remete mensalmente a sua quota parte de contribuições em paridade com as demais entidades patronais do sector privado e do sector público não abrangido pela Caixa Geral de Aposentações.
6. Para o satisfatório desempenho das funções que o pessoal citado assegura, não poucas vezes a Administração suporta encargos com a sua frequência de cursos de formação profissional, geral e específica. A formação profissional, a par com o conhecimento da organização onde trabalham e a experiência no tratamento e ultrapassagem das situações de trabalho ali verificadas, constituem apreciável recurso de que a Administração, enquanto respeitadora do principio de boa gestão, não pode abrir mão sem provocar sérias perturbações no normal funcionamento dos serviços e sem agravar os encargos decorrentes do treino e formação de novo pessoal que venha substituir o anterior.
7. Facilmente se conclui que a celebração de contratos a termo certo e ou de prestação de serviços para realização de trabalho subordinado não constitui solução adequada para a Administração Pública. Para os contratados, é fonte de incerteza e, para os serviços, de instabilidade e de acréscimo de despesas.
8. Cumpre por isso adoptar as medidas que contribuam para reduzir ao absolutamente indispensável as situações descritas sem afectar o normal funcionamento dos serviços. Tal passa pelo correcto dimensionamento dos quadros de pessoal dos serviços, o que só aparentemente contribui para um aumento de despesas com pessoal.
9. Mas foram entretanto criadas numerosas situações funcional e socialmente perturbadoras. Tal veio a público com particular evidência e incomodidade após a dispensa de cerca de 10.500 contratados a prazo, em funções não docentes, pelo Ministério da Educação, os quais viram rescindidos os seus contratados em 31.08.94. Sobre essa matéria tive já oportunidade de me dirigir à Ministra da Educação em ofício de 19.09.94, de que junto cópia. Mas também nos restantes Ministérios se verificam situações paralelas. Por exemplo, no Ministério da Saúde, os Hospitais de São João e de Santa Maria vêm tentando manter ao seu serviço numerosos contratados a prazo que desempenham funções de secretariado clínico indispensáveis ao normal funcionamento dos serviços hospitalares. O mesmo se diga dos serviços administrativos das regiões e sub-regiões de saúde.
10. A regularização destas situações, no interesse dos serviços e dos contratados, não resultará da abertura de concursos externos porque o procedimento tendente à aprovação e distribuição das quotas de descongelamentos é inevitavelmente moroso e a data de conclusão dos concursos é aleatória para além de, através deles, não ser garantida a absorção dos contratados, sem que tal seja devido ao não preenchimento por eles de requisitos ou do perfil adequado.
11. Torna-se imperioso aprovar uma medida legislativa de natureza excepcional que simultaneamente regularize as situações existentes e alargue os quadros aprovados por forma a absorvê-las.
Por isso,

R e c o m e n d o
a Vossa Excelência. que promova a aprovação do diploma legal que determine a integração automática nos quadros, consequentemente alargados, do pessoal contratado a termo certo, em regime de prestação de serviços ou a qualquer outro titulo idêntico que perfaça um mínimo de 3 anos de desempenho continuado de funções no mesmo estabelecimento ou serviço.