Exm.º Senhor Presidente da Câmara Municipal do Seixal
Número:19/A/96
Processo:R-1247/91
Data:25.01.1996
Área: A1

Assunto:AUTARQUIAS LOCAIS – TOPONÍMICA – ALTERAÇÃO – CONSERVATÓRIA DO REGISTO PREDIAL.

Sequência:Acatada

Recebeu este Órgão do Estado uma reclamação referente à alteração da designação de uma rua, decidida pela Câmara Municipal do Seixal e à circunstância daquela alteração toponímica não ter dado lugar à correspondente actualização do ficheiro existente na Conservatória do Registo Predial competente.

A queixa referia ainda que os custos inerentes ao averbamento à descrição predial respectiva haviam sido suportados pelo reclamante, na medida em que pagou a certidão emitida pela Câmara Municipal do Seixal necessária para o mencionado averbamento, o que constituía uma situação, pelo menos, injusta.

Por fim, chamava a atenção para a situação de descoordenação funcional existente, nesta matéria, entre a Câmara Municipal do Seixal e a Conservatória do Registo Predial da mesma cidade.
Como se verá, assiste razão ao reclamante, pelos motivos que vão expostos.

I-Exposição de Motivos

1. Durante largos anos e até à entrada em vigor do novo Código de Registo Predial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224/84, de 6 de Julho, o ficheiro organizado nas Conservatórias do Registo Predial com o propósito de dar publicidade à situação jurídica dos prédios seguia o modelo “freguesia _______, n.º ____”, i.e., divisão por freguesias e subdivisão por artigos de matriz.

2. A entrada em vigor do novo Código, em 1 de Outubro de 1984, trouxe consigo uma alteração profunda na forma de organização destes chamados ficheiros reais.

3. Como a doutrina tinha vindo a sustentar ao longo do período de vigência do anterior Código, a disciplina legal, pelo afastamento que revelava entre a situação real e os ficheiros existentes nas Conservatórias Prediais, conduziu à institucionalização de um modelo “contra legem”, em que a arrumação dos verbetes era efectuada “(…) por freguesias e artigos matriciais (precedidos das respectivas secções cadastrais) , separando-se os rústicos dos urbanos e desdobrando-se os mistos em verbetes destinados a integrar a sequência dos artigos rústicos e outros destinados à sequência dos urbanos” (cfr., por todos, MENDES, Isabel Pereira, in Código do Registo Predial Anotado, 1987, Almedina).

4. A nova disciplina legal acolheu estas preocupações situação que é visível na letra da lei:
“Artigo 24.º
(Verbetes reais e pessoais)
1- Para efeitos de busca, haverá em cada conservatória um ficheiro real e um ficheiro pessoal.
2- O ficheiro real é constituído por verbetes indicadores dos prédios, ordenados por freguesias, nos seguintes termos:
a) Prédios urbanos, por ruas e números de polícia;
b) Prédios urbanos, por artigos de matriz;
c) Prédios rústicos, por artigos de matriz, precedidos das respectivas secções, sendo cadastrais.
3- O ficheiro pessoal é constituído por verbetes indicadores dos proprietários ou possuidores dos prédios, ordenados alfabeticamente”.

5. Assim, o modelo adoptado segue, agora, a
organização “freguesia _______, rua ____________, n.º de polícia ____”.

6. Ora, acontece que, pelo menos em algumas Conservatórias do Registo Predial – como é o caso da do Seixal – estes novos ficheiros não têm vindo a ser organizados “in abstracto” mas, tão somente, “in actu”. Quer isto significar que, apenas aproveitando a circunstância de ter sido requerido um registo sobre determinado prédio, é preenchido o verbete respectivo.

7. Demorará alguns anos até que uma circunscrição territorial determinada se encontre totalmente vertida num ficheiro real.

8. No entanto, será de presumir iniludivelmente que não fora essa a intenção do legislador, facto constatável na redacção dada ao art.º 33.º do Código do Registo Predial:

“SECÇÃO II
Alterações toponímicas
Artigo 33.º
(Denominação das vias públicas e numeração policial)

1- As câmaras municipais comunicarão à conservatória competente, até ao último dia de cada mês, todas as alterações de denominação de vias públicas e de numeração policial dos prédios verificadas no mês anterior.
2- A prova da correspondência entre a antiga e a nova denominação ou numeração, se não resultar dos documentos apresentados, pode ser suprida por declaração complementar dos interessados, quando a câmara municipal certificar a impossibilidade de a estabelecer.
3- A certidão a que se refere o número anterior é gratuita”.

9. Parece ser, de igual modo, decorrência lógica, verificar que o disposto neste art.º 33.º impunha dois níveis de obrigações:
– à câmara municipal, a obrigação expressa de comunicar à conservatória as alterações de denominação de vias públicas e de numeração policial dos prédios;
– à conservatória do registo predial correspondente, a obrigação implícita de actualização dos ficheiros.

10. Ou seja, o legislador quis, por esta via, evitar que o desempenho cabal e completo da função das conservatórias fosse impedido ou de alguma forma diminuído pela menor diligência das câmaras municipais.

11. No entanto, o legislador supriu, do mesmo passo, a obrigatoriedade da Conservatória do Registo Predial proceder, oficiosamente, ao averbamento nas descrições ou à anotação nos verbetes (que é como quem diz, à actualização dos dados constantes do ficheiro) . E isto porque se a redacção introduzida pelo Código do Registo Predial de 1983 no art.º 92.º (que corresponde ao actual art.º 90.º), era clara no tocante ao averbamento oficioso obrigatório das alterações comunicadas, já a actual redacção parece desobrigar esse averbamento oficioso.

12. Assim, o Código de 1983 estipulava:

“Artigo 92.º
1- Os elementos das descrições devem ser oficiosamente actualizados quando a alteração conste de documento expedido por entidade competente para comprovar o facto ou lavrado com intervenção de pessoa com legitimidade para pedir a actualização.
2- As alterações comunicadas nos termos dos art.ºs. 33.º e 37.º devem ser oficiosamente averbadas à descrição, depois de previamente anotadas nos verbetes reais”.

13. A actual redacção, dada pelo Decreto-Lei n. 224/84, de 6 de Julho, com, entre outras, a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 60/90, de 14 de Fevereiro, prescreve:

“Artigo 90.º
(Actualização oficiosa das descrições)

1- Os elementos das descrições devem ser oficiosamente actualizados quando a alteração conste de documento expedido por entidade competente para comprovar o facto ou lavrado com intervenção da pessoa legítima para pedir a actualização.
2- Enquanto não se verificar a intervenção prevista no número anterior, a actualização é anotada à descrição, inutilizando-se a anotação se a intervenção não ocorrer dentro do prazo de vigência do registo que lhe deu origem”.

14. Compreende-se que o legislador não fale já na comunicação feita nos termos do então art.º 33.º, uma vez que essa norma deixou de ter correspondência no actual Código; mas o art.º 37.º subsiste correspondendo ao actual art.º 33.º – pelo que nos parece correcto afirmar que, se se impõe às câmaras municipais o ónus da comunicação obrigatória de todas as alterações de denominação de vias públicas e de numeração policial dos prédios, então dever-se-ia, igualmente, prescrever a imperiosa necessidade de serem mantidos actualizados os ficheiros reais das conservatórias.

15. Ao não fazer corresponder no actual art.º 90.º o disposto no anterior n.º 2 do art.º 92.º, o legislador optou por não estipular a oficiosidade do averbamento subsequente à comunicação camarária.

16. Talvez esta opção legislativa radique na verificação da impossibilidade prática de se manterem, por esta via, os ficheiros prediais actualizados.

17. Mas tal não poderá significar, jamais, que o legislador pretendeu transferir os custos do processo de actualização dos ficheiros das Conservatórias Prediais para os particulares, mediante o pagamento de emolumentos devidos pela passagem de certidão camarária.

18. Aliás, subsiste a gratuitidade da certidão mencionada no n.º 3 do referido art.º 33.º, Essa certidão gratuita visa permitir que a prova da correspondência entre a antiga e a nova denominação ou numeração se faça por declaração dos interessados, uma vez que a Câmara Municipal não a pode estabelecer.

19. Ou seja, quando não estiverem reunidas as condições para que a Câmara Municipal, faculte à Conservatória Predial os elementos que permitam a actualização dos ficheiros prediais, então, a intervenção de particulares é necessária. Mas exige-se que a Câmara Municipal certifique a sua impossibilidade para estabelecer a correspondência das denominações ou numerações. O estabelecimento da gratuitidade assegura que, por esta via indirecta, o particular não vai ser penalizado patrimonialmente.

20. Caso as Câmaras Municipais deixem de remeter às Conservatórias Prediais competentes as listas contendo as alterações de denominação ou numeração verificadas no mês anterior, os eventuais interessados na actualização dos ficheiros prediais – designadamente, por carecerem de certidões prediais com as descrições actualizadas – necessitam de solicitar uma certidão à Câmara Municipal que ateste a correspondência entre as antigas e as novas denominações ou as numerações.

21. E, com base neste documento, a Conservatória do Registo Predial poderá, então, actualizar o ficheiro e passar a certidão predial pretendida.

II-Conclusões

22. A certidão camarária deve ser gratuita, sob pena de levar a que seja o particular a suportar o encargo da actualização dos ficheiros prediais.
Pelo que fica exposto, no exercício do poder que me é conferido pelo disposto no art.º 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril,RECOMENDO:

1.º- Que a Câmara Municipal do Seixal, em cumprimento do disposto no n.º 1 do art.º 33.º do Decreto-Lei n. 224/84, de 6 de Julho, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 60/90, de 14 de Fevereiro, comunique à Conservatória do Registo Predial do Seixal, até ao último dia de cada mês, todas as alterações de denominação de vias públicas e de numeração policial dos prédios verificadas no mês anterior.

2.º- Que a Câmara Municipal do Seixal não cobre emolumentos pela passagem das certidões que atestem a correspondência entre a antiga e a nova denominação de vias públicas ou numeração policial, as quais são necessárias aos particulares que por necessitarem de certidões prediais actualizadas, carecem de proceder à actualização prévia das descrições prediais na Conservatória Predial do Seixal.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel