Presidente da Câmara Municipal de Lisboa
Número: 16/A/97
Processo: 4165/96
Data: 19.03.1997
Área:1

Assunto: URBANISMO E OBRAS – OBRAS PÚBLICAS – RESTRIÇÕES DE TRÂNSITO – PREJUÍZO – MORADORES – COMERCIANTES – LEI DA ACÇÃO POPULAR (LEI 83/95, DE 31 DE AGOSTO)

Assunto: Acatada

I – Exposição de Motivos

Da Queixa

1. Tendo sido dirigida ao Provedor de Justiça uma reclamação relativa ao fecho ao trânsito da Rua da Rosa, em Lisboa, e às consequências que adviriam de tal facto para os comerciantes estabelecidos naquela rua do Bairro Alto, procedeu-se à instrução do respectivo processo, designadamente pedindo esclarecimentos ao Director Municipal de Infra-estruturas e Saneamento sobre os procedimentos camarários adoptados na preparação e no decurso das obras reclamadas.

2. Foi, então, possível apurar os seguintes factos relevantes:

a) Em finais de Setembro de 1996, a Câmara Municipal de Lisboa decidiu realizar obras de reconstrução da Rua da Rosa;

b) Em 07/10/96, a Junta de Freguesia da Encarnação fez distribuir uma comunicação, epigrafada “Informação à população – Vedação de trânsito”, do seguinte teor:

“Leva-se ao conhecimento de V.Exa. que face à necessidade de se proceder a obras de reconstrução de pavimentos vai a Rua da Rosa ser vedada ao trânsito, no troço compreendido entre a Rua D. Pedro V e a Travessa Água da Flor, a partir das 24 horas, do dia 08 de Outubro/96, por um período de cerca de 75 dias”;

c) Os reclamantes do processo em cujo âmbito a presente reclamação é formulada, receberam o aviso no dia 07/10/96, às 18.45 horas.

3. O texto da queixa mencionava, ainda, que “a Câmara nem sequer tomou o cuidado (…) de permitir o estacionamento nas ruas laterais para cargas e descargas”.

4. Era, acrescidamente, reclamado o facto de não ter sido colocada sinalização indicando o(s) percurso(s) alternativo(s) para a Rua da Rosa.

5. Aos factos já descritos, a queixa acrescentava que “há mais de seis meses fecharam (…) a Rua da Rosa (…), a pretexto de colocar uma grua para obras na ex-Caixa Geral de Depósitos, sem aviso prévio e sem qualquer contemplação para com os prejuízos causados aos moradores e comerciantes do Bairro”.

6. Foi este conjunto de factos que motivou a formulação da presente Recomendação, que atende, em especial, aos aspectos que relevam do procedimento da Câmara Municipal de Lisboa na preparação, na publicitação e na realização de obras na via pública.

Do Procedimento Camarário

Da Preparação das Obras

7. O Director Municipal de Infra-estruturas e Saneamento informou este Órgão do Estado que “a Câmara Municipal de Lisboa decidiu realizar as obras de reconstrução da Rua da Rosa nos finais do mês de Setembro de 1996”.

8. Verifica-se que desde a deliberação camarária até ao começo das obras terão decorrido, no máximo, três semanas – de finais de Setembro, segundo refere a câmara municipal (logo, nunca antes de 16/09/96), até 08/10/96.

9. Não resultam da instrução elementos que permitam afirmar ter sido o processo de obras deficientemente planificado ou estruturado; e mesmo os atrasos já verificados, até pela explicação avançada (“em consequência das chuvadas que têm acontecido”), revelam-se justificáveis.

Da Publicitação das Obras

10. À planificação dos trabalhos seguir-se-á, por imperativo lógico, a publicitação das obras até, se mais não fosse, como forma de rentabilização dos meios disponibilizados.

11. A colaboração dos moradores e comerciantes, necessária nos processos de obras em qualquer zona de Lisboa, torna-se imprescindível em áreas com as características de malha urbana como as que existem no Bairro Alto.

12. A reclamação cujo conteúdo levou à abertura de processo na Provedoria de Justiça refere que os comerciantes (e, depreende-se, também os moradores) da Rua da Rosa apenas tomaram conhecimento da realização das obras naquela via pública no dia 07/10/96 – um dia antes do começo dos trabalhos.

13. E, reafirmo, tal informação resultou da leitura de comunicado da Junta de Freguesia da Encarnação (“Informação à população – Vedação de trânsito”).

14. A Câmara Municipal de Lisboa não promoveu qualquer outra publicitação das obras.

Da Realização das Obras

15. Perguntada sobre os procedimentos tendentes a mitigar os efeitos da interrupção do trânsito, a Câmara Municipal de Lisboa informou este Órgão do Estado que “as medidas estudadas visando atenuar os efeitos da interrupção do trânsito foram determinadas pelo Departamento de Tráfego da Câmara Municipal de Lisboa, permitindo uma acessibilidade possível à área adjacente à Rua da Rosa”.

Acrescentou, ainda, que “o facto da existência de uma grua que impedia a passagem para a Rua da Rosa foi tido em atenção, no sentido em que os desvios de trânsito efectuados tomaram esse dado em consideração” (cfr. ofício n.º … , de … /97).

16. Apesar do ofício da Provedoria de Justiça ter inquirido sobre a ponderação dos prejuízos causados ao comércio local e a possibilidade de atribuição de indemnizações, pelos prejuízos causados em virtude da impossibilidade de circulação na Rua da Rosa, a resposta da Câmara Municipal de Lisboa foi omissa quanto a estas matérias.

17. Depreende-se, pois, que estas questões não mereceram, por parte dos serviços competentes da autarquia, qualquer estudo prévio à interrupção da rua nem, tão pouco, qualquer intervenção compensatória posterior ao início dos trabalhos.

Dos Prejuízos Causados aos Comerciantes e Moradores

18. Afigura-se-me notória a circunstância do comércio na Rua da Rosa implicar, para o seu decurso normal, a circulação de pessoas (também de carro mas especialmente a pé).

19. Embora sendo igualmente evidente que os trabalhos na via pública não podem deixar de ser realizados por esse facto, medidas há que, devidamente ponderadas, suficientemente estudadas e atempadamente implementadas, atenuam os efeitos perversos que as obras, por via de regra, acarretam.

20. À Câmara Municipal de Lisboa, como entidade promotora da obra a realizar, impor-se-ia a necessidade de tomar medidas visando o célere decurso dos trabalhos com o mínimo de custos para os munícipes (utentes da via pública, comerciantes e moradores), tanto pela prossecução do interesse público – que lhe compete enquanto autarquia – como, especialmente, pela proibição da adopção de comportamentos excessivos e desproporcionados – que decorre do seu desempenho da actividade administrativa, enquanto órgão da Administração Pública.

21. Com efeito, tanto o art. 266º, n.º 1, da Constituição, como o art. 4º, do Código do Procedimento Administrativo, definem o princípio da prossecução do interesse público como uma directiva orientadora da actividade de todos os órgãos administrativos; por outro lado, o n.º 2, do art. 266º, da Constituição e o n.º 2, do art. 5º, do Código do Procedimento Administrativo, impõem o respeito pelo princípio da proporcionalidade na actuação administrativa.

22. Acresce que me parece ser aplicável ao caso em apreço a disciplina jurídica prevista na Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto (“Direito de participação procedimental e de acção popular”) – uma vez que há, em virtude da realização da obra, influência significativa nas condições de vida dos moradores e comerciantes da Rua da Rosa (cfr. art. 4º, n.º 3, da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto).

23. Assim, ainda que as obras promovidas pela Câmara Municipal de Lisboa não se traduzissem em custos superiores a um milhão de contos – caso em que, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 3, do art. 4º, da Lei n.º 83/95, impreterivelmente impor-se-ia a participação popular – deveria ter sido garantido o exercício daquele direito procedimental uma vez que influenciavam significativamente as condições de vida das populações afectadas.

24. Lembro a V.Exa. que “são consideradas como obras públicas (…) com impacte relevante para efeitos (da lei de participação procedimental e de acção popular) as que se traduzam em custos superiores a um milhão de contos ou que, sendo de valor inferior, influenciem significativamente as condições de vida das populações de determinada área (…)” (cfr. art. 4º, n.º 3).

25. E, é minha convicção e as queixas dos cidadãos são desse facto testemunho inequívoco, as obras nas ruas de Lisboa, “maxime” nas zonas mais antigas (em que as condições de circulação, automóvel e pedonal, são mais difíceis; em que a iluminação é, tradicionalmente, mais deficiente; em que as populações residentes estão, usualmente, mais envelhecidas; e em que os comerciantes não gozam da intensa movimentação de pessoas tão propícia ao incremento das vendas) constituem, quase sempre, factor de influência significativa nas condições de vida dos residentes e comerciantes, ainda que seja de admitir que, como resultado dessas mesmas obras, fiquem criadas condições de maior acessibilidade.

26. Julgo, pois, que a Câmara Municipal de Lisboa deveria ter promovido, em tempo, no âmbito do processo de audição dos interessados, a divulgação das principais características da obra a levar a efeito na Rua da Rosa, seus efeitos previsíveis, bem como datas de execução.

27. No caso em apreço, refira-se, a intervenção da Câmara Municipal de Lisboa parece ter implicado um sacrifício desproporcionado aos moradores e, especialmente, aos comerciantes da Rua da Rosa, uma vez que o acesso aquela via foi impedido pelo corte de acesso nas suas duas extremidades: primeiramente, na Calçada do Combro; posteriormente, e enquanto ainda estava vedado aquele acesso, na Rua D. Pedro V.

28. Tal medida apenas não seria tida como desproporcionada se ditada por razões técnicas, de segurança ou de economia de meios. Mas, nestes casos, impor-se-ia a sua justificação perante os interessados o que, manifestamente, não se verificou.

29. Ainda que o entendimento perfilhado pela Câmara Municipal de Lisboa não fosse no sentido de dever garantir o direito procedimental de intervenção, nos termos da disciplina jurídica da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto, a obrigatoriedade de ser assegurada a participação dos moradores e comerciantes da Rua da Rosa decorreria do disposto nos art.s 267º, n.º 1, da Constituição e 7º, do Código do Procedimento Administrativo, normas que prevêem a colaboração dos administrados no processo de formação das decisões administrativas.

30. A Câmara Municipal de Lisboa não publicitou a realização dos trabalhos nem, tão pouco, divulgou elementos sobre a sua duração, fases e implicações previsíveis.

31. Acresce que não prestou informações – parece, aliás, que nem sequer as equacionou – sobre as alternativas de circulação, particularmente para os automobilistas mas, igualmente, para os transeuntes.

32. É particularmente relevante, neste contexto, a questão da ponderação de localizações alternativas para a realização das cargas e descargas durante o período das obras. Também quanto a este aspecto não foram estudadas medidas provisórias nem, tão pouco, implementadas soluções alternativas.

33. Por fim, como já referi, foram cortados os acessos à Rua da Rosa, simultaneamente, em ambas as extremidades, uma das quais para permitir, ao que parece, a realização de obras em edifício da Caixa Geral de Depósitos e, por isso, sem qualquer vantagem directa ou imediata para o interesse colectivo dos moradores e comerciantes.

II – Conclusões

34. Uma vez que os trabalhos na Rua da Rosa estavam já em curso à data da apresentação da queixa neste Órgão do Estado, mesmo o eventual acatamento das recomendações formuladas no âmbito deste processo poderá não aproveitar aos comerciantes e moradores daquela rua do Bairro Alto. Não obstante, caso se verifique a apreciação das recomendações que formulo em tempo útil relativamente ao processo de obras na Rua da Rosa, solicito a tomada de medidas urgentes que aproveitem, designadamente, aos comerciantes (em especial, a sinalização de acessos alternativos e a delimitação de espaços de estacionamento para cargas e descargas).

35. Pelo que deixei exposto, decidi dirigir esta Recomendação a V.Exa., Senhor Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, por considerar que a situação reclamada neste processo encontra paralelo em inúmeras outras situações descritas ao Provedor de Justiça, relacionadas com obras realizadas nas vias públicas de Lisboa. Assim,

RECOMENDO

A) Que, no tocante aos processos de obras na via pública promovidos pela Câmara Municipal de Lisboa que forem susceptíveis de influenciar significativamente as condições de vida das populações afectadas, nos termos do n.º 3, do art. 4º, da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto – e ainda que os trabalhos não se traduzam em custos superiores a um milhão de contos – seja garantida a participação dos interessados, designadamente através de audiência prévia (em especial dos moradores e comerciantes) sobre os processos de planificação dos trabalhos;

B) Que a Câmara Municipal de Lisboa proceda ao anúncio público das obras, através da divulgação das principais características dos trabalhos, bem como da data de realização, nomeadamente através de afixação de “placard” na via pública respectiva;

C) Que seja assegurada a devida ponderação das observações recolhidas, bem como a resposta às sugestões feitas;

D) Que seja equacionado, e implementado, um sistema de sinalização, para transeuntes e automobilistas, tendo em vista, principalmente, a minimização dos efeitos negativos provocados na actividade dos estabelecimentos comerciais; e,

E) Que seja garantida localização alternativa para a realização das cargas e descargas na via em obras, durante o período dos trabalhos.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL