Ministra do Ambiente e Recursos Naturais

Rec. nº 135/A/93
Proc.: I.P. – 41/93
Data:93.09.29
Área: A 1

Assunto: AMBIENTE – RUÍDO – ALTERAÇÕES AO REGULAMENTO GERAL SOBRE O RUÍDO.

Sequência: Parcialmente acatada

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

1. Uma das principais competências atribuídas ao Provedor de Justiça é a de emitir recomendações para a alteração de actos legislativos, quando no exercício da sua actividade verifique deficiências que obstem à prossecução do interesse público ou à efectivação de direitos fundamentais.

2. Desde que a protecção do ambiente e a valorização da qualidade de vida dos cidadãos se tornaram objecto de uma actuação administrativa sistemática, dando assim cumprimento a princípios constitucionalmente consagrados desde 1976, não pode o Provedor de Justiça furtar-se ao exercício da sua actividade nos domínios da qualidade da água, do ordenamento do território, da protecção de biótipos ameaçados e, naturalmente, sobre o combate ao ruído.

3. Com efeito, a promoção de um ambiente mais sadio, imperativo constitucional e objectivo programático assinalado pela Lei de Bases do Ambiente (Lei n.° 11/87, de 7 de Abril), exige o combate às formas de poluição sonora. De resto, nessa mesma lei, não ficou por reconhecer que “a luta contra o ruído visa a salvaguarda da saúde e bem-estar das populações” (cfr. art.º 22.°, n.° 1), razão pela qual foram enunciados vários meios de concretização de tal fim.

4. Foi de acordo com estes pressupostos que o Regulamento Geral sobre o Ruído, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 251/87, de 24 de Junho, pretendeu consubstanciar um conjunto normativo adequado a uma política de prevenção e repressão das formas de poluição sonora.

5. Cedo se revelaram deficiências de redacção e técnica legislativa na aplicação do regime contido no Decreto-Lei n.° 251/87, de 24 de Junho, algumas das quais facilmente evidenciadas pela insuficiência de estudos dogmáticos sobre a matéria e pela escassez de elementos comparatísticos noutras ordens jurídicas da família romano-germânica e noutros sistemas administrativos congéneres.
Assim, houve, necessidade de proceder às primeiras alterações em 1989, através da aprovação do Decreto-Lei n.° 292/89, de 2 de Setembro.

6. As largas dezenas de reclamações respeitantes ao ruído recebidas nesta Provedoria, essencialmente dirigidas contra omissões dos poderes políticos, habilitam este órgão do Estado a assinalar algumas das imperfeições do regime jurídico estabelecido nesta área. E pode afirmar-se que, sem embargo do défice de recursos humanos e técnicos patenteado pela Administração Pública Central e Local para o exercício dos seus poderes fiscalizadores, são as deficiências legislativas responsáveis em boa medida pela perpetuação de alguns prejuízos ambientais e de saúde pública causados pelo ruído.

7. Em primeiro lugar, deve estranhar-se o excesso de difusão das competências de fiscalização previstas pelo capítulo VIII do Regulamento Geral sobre o Ruído.
Com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.° 292/89, de 2 de Setembro, pode ler-se no art.” 33.°, n.° 1:

“A competência para fiscalização do cumprimento das disposições constantes do presente Regulamento cabe às autoridades policiais, às entidades com superintendência técnica em cada sector e ao director regional do ambiente e recursos naturais (…)”

8. Identificando, não já em abstracto, mas para cada caso, a prolixidade de órgãos e serviços com superintendência técnica (e deve apontar-se a falta de rigor com que o conceito de superintendência é aqui utilizado), observa-se não raras vezes ou a duplicidade desnecessária de intervenções ou a situação de conflito negativo de competências. Em ambas as hipóteses é sempre o cidadão prejudicado em termos de custos, de morosidade dos procedimentos e de perplexidade face ao complexo sistema.

9. Em segundo lugar, deve registar-se o âmbito material de aplicação do regime definido pelo Decreto-Lei n.° 251/87, de 24 de Junho, fica bastante aquém das fontes geradoras de ruído. Há no sistema vigente uma conexão muito estreita entre actividades sujeitas a licenciamento e actividades ruidosas sujeitas a controle administrativo.

10. O Regulamento Geral sobre o Ruído, além de pretender aplicar-se aos casos de edifícios, indústria, comércio e serviços, certos equipamentos, espectáculos e diversões, tráfego e sinalização sonora, previu no seu âmbito de aplicação as actividades geradoras de ruído, em geral, que possam causar incomodidade (art.º 2.°, al. g).

11. A autorização destas actividades, no que concerne à poluição sonora, far-se-á nos termos da legislação em vigor. Tal significa que no caso da actividade em questão estar sujeita a um processo de licenciamento, este incluirá uma parte específica sobre a aplicação das normas relativas ao ruído. Contudo, isto só concorrerá se a actividade for, por si só, licenciável.
Além do mais verifica-se, neste ponto, uma insanável petição de princípio, a qual parte da simples necessidade de definição de actividades geradoras de ruído). Ou se parte de um conceito de actividades ruidosas que nele faz incluir uma extensão interminável de situações ou se considera que são ruidosas tão só aquelas que infrinjam os limites acústicos definidos e então a concretização do conceito só é possível a posteriori, frustando-se por completo a sua operacionalidade.

12. Escapam ao âmbito do Decreto-Lei n.° 251/87, de 24 de Junho, por via de regra, as actividades originadoras de ruídos temporários, como seja o caso de reparações de construção civil independentes de prévia autorização administrativa. Nos termos dos art.°5 2.° e 3.° do Regulamento Geral sobre o Ruído, isto importa a ausência de controlo preventivo das emissões de ruído daí provenientes.

Semelhante deficiência pode apontar-se à redacção do art.º 20.°, n.° 1, quando se reporta a “quaisquer actividades ruidosas, públicas ou privadas”.

13. Num momento sucessivo, ou seja, o da realização das mencionadas actividades, é também extremamente dificultada qualquer intervenção pronta e eficaz por parte da Administração Pública.
Com efeito, todo o dispositivo enunciado pelo art.º 21.°, quer na sua finalidade de protecção contra fontes temporárias ou ocasionais de ruído, quer na sua vertente de medidas cautelares de polícia, é comprometido pela infeliz redacção do art.” 20.°, n.° 1, quando após uma breve enumeração se refere a “quaisquer actividades ruidosas, públicas ou privadas”.

14. Podem resumir-se a três as consequências nefastas da falta de uma descrição, ainda que meramente exemplificava, de actividades ruidosas que em geral provocam incomodidade:

a)o preceito em análise indicia a existência de uma actividade tendencialmente permanente, ao referir-se ao licenciamento dos locais;

b) a expressão actividades ruidosas não delimita com um mínimo de rigor, exigido pelo princípio da legalidade da actuação administrativa, o quadro das possíveis intervenções (sendo potencialmente aplicável a quase todas as actividades humanas), com a consequência de não lograr o efeito útil pretendido de prevenir e reprimir, na medida dos meios, a sua nocividade; e,

c)há, como se pode observar na prática quotidiana, acções temporalmente limitadas com emissões descontínuas de ruído e com intensidade e frequências variáveis, as quais não se compadecem com a metodologia indicada pelo art° 20.°, n.° 1.

15. Em terceiro lugar, importa aperfeiçoar e dotar de maior eficácia as medidas suspensivas das actividades geradoras de ruído, definindo critérios e situações em que o título cautelar se possa exercer o controlo, independentemente da realização de testes de medição acústica.

A este propósito é de louvar a disposição contida no art.º 20.°, n.° 3, introduzida pelo Decreto-Lei n.° 292/89, de 2 de Setembro.
Interessa, todavia, concretizá-la e deixar expressa a autonomia das medidas ali previstas relativamente à determinação técnica dos valores referidos no art.º 20.°, n.° 1, als. a) e b).

16. Em quarto lugar, interessará considerar o problema do ruído produzido no interior de edifícios e as insuficiências reveladas pelo Decreto-Lei n.° 251/87, de 24 de Junho, às quais não pode ficar por imputar boa parte dos conflitos ambientais.

17. A disposição de requisitos técnico-funcionais para a construção ou utilização de novos edifícios (capítulo 111), se bem que demonstre um inegável contributo para a prevenção do ruído, não pode tomar-se como suficiente, fundamentalmente quando as disposições respeitantes a edifícios para indústria, comércio e serviços (secção IV) remetem para a secção II (ruído para o exterior dos edifícios), do capítulo IV (laboração de indústrias, comércio e serviços).

18. De acordo com o regime actual, é bom de ver que estão situadas à margem as actividades industriais, comerciais e de serviços não sujeitas a licenciamento técnico, precisamente quanto a uma das maiores fontes de perturbação neste campo – o ruído para o interior dos próprios edifícios onde se situem.

19. É tanto mais assim, quanto a secção II (ruído no interior dos edifícios) apenas se reporta à protecção das condições de trabalho e às actividades que requeiram concentração e sossego, não sendo inequívoca a intenção de contemplar o simples lazer e o sono.

20. Será difícil, talvez mesmo impossível, proceder a um enunciado de todas as actividades industriais, comerciais e de serviços, cuja não necessária licença técnico-administrativa orientada também por critérios de combate ao ruído, inviabiliza em larga escala a aplicação do regime contido no Decreto-Lei n.° 251/87, de 14 de Junho e propicia frequentes agressões ambientais, essencialmente nas grandes concentrações urbanas onde predomine a construção vertical.

Porém, talvez não se mostre despiciendo inventariar algumas dessas situações, sem quaisquer veleidades sistemáticas ou de exaustão:

� pequenas superfícies comerciais;
� depósitos de animais domésticos e de estimação (note-se que o âmbito do
Decreto-Lei n.° 317/85, de 2 de Agosto, se restringe aos cães);
� estabelecimentos de ensino, creches e jardins de infância;
� laboratórios clínicos, centros médicos e de enfermagem;
� colectividades pertencentes a associações desportivas, recreativas ou culturais; . dependências bancárias;
� centros informáticos;
� estúdios de música e gravação, bem como escolas de música e de canto;
� oficinas de reparação e manutenção de veículos;
� lavandarias;
� estacionamentos.

21. Em vigor desde 1 de Janeiro de 1988″ o Regulamento Geral sobre o Ruído deveria ter sido revisto até ao dia 1 de Janeiro de 1991 (sem prejuízo de revisão intercalar levada a cabo pelo Decreto-Lei n.° 292/89, de 2 de Setembro), por iniciativa do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, como estipula o art.º 2.°, do Decreto-Lei n.° 251/87, de 24 de Junho.

Tal revisão, segundo o citado preceito, deve processar-se com base nas informações prestadas pelas demais entidades interessadas, razão pela qual, por mais uma vez se justifica a presente RECOMENDAÇAO.

CONCLUSÕES

De acordo com os motivos expostos e no exercício dos poderes de recomendação legislativa que a Constituição e o art.º 20.°, n.° 1, al. b) do seu Estatuto aprovado pela Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, o Provedor de Justiça entende RECOMENDAR a Sua Excelência, a Ministra do Ambiente e Recursos Naturais:

1.° – A concentração das competências fiscalizadoras do cumprimento dos níveis de ruído legalmente admissíveis, sem quebra da devolução de poderes para a Administração Autárquica imposta pelo princípio constitucional da descentralização.

2.° – A aplicação do Regulamento Geral sobre o Ruído também a actividades não sujeitas a licenciamento técnico de outra ordem, inclusivamente a ruídos originados pelo exercício temporário de certas actividades, como seja o caso das obras de reparação e manutenção de construção civil pelo ruído que provocam no interior dos edifícios onde se realizam. À semelhança do que ocorre actualmente com a disposição contida no art.º 21.°, n.° 1, importa condicionar outras actividades, se necessário for através de uma licença de ruído, fixando exigências de horário, de localização e de protecção de terceiros. Os exemplos fornecidos neste campo por ordenamentos jurídicos estrangeiros são múltiplos (v.g. Finlândia), deles se podendo retirar bons resultados.

Neste sentido e para além de uma concretização do conceito de actividades ruidosas que permita conferir-lhe operacionalidade, antes da efectuação de testes de medição acústica, importa estabelecer um elenco de actividades sobre as quais recaia a presunção de serem emissores de ruído superior aos limites legalmente fixados.

3.° – A correcta definição de pressupostos que permitam à Administração Pública tomar medidas cautelares, nomeadamente, suspensivas de actividades geradoras de ruídos ilícitos, antes da realização dos testes de medição acústica.

Na verdade, muito embora sem o recurso aos meios técnicos de medição do ruído possam ser afectados princípios de objectividade, há ruídos, em certos locais e em certos períodos do dia que comummente poderão ser reconhecidos como lesivos do ambiente. Naturalmente, as decisões deste tipo serão sempre precárias, a menos que confortadas por resultados de medição de acordo com a normalização técnica e delas caberá, em todo o caso, recurso para os tribunais.

4.° – A articulação sistemática entre as disposições concernentes ao ruído provocado pela laboração de estabelecimentos industriais (mesmo fora dos casos contemplados pelo Decreto-Lei n.° 109/91, de 15 de Março e do Decreto-Regulamentar n.° 25/93, de 17 de Agosto), de estabelecimentos comerciais e de locais destinados ao funcionamento de serviços com as normas de protecção do ruído produzido no interior dos edifícios, por forma a salvaguardar o lazer, a tranquilidade e o repouso nos locais destinados à habitação.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL