Director Coordenador da Caixa Nacional de Previdência

Rec. nº 130/A/1993
Processo: R. 617/92
Data: 23-09-1993
Área: A3

ASSUNTO: SEGURANÇA SOCIAL – PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA – ESTATUTO DAS PENSÕES DE SOBREVIVÊNCIA – HERDEIRO HÁBIL

1. O Sr. … queixou-se ao Provedor
de Justiça, como aliás já é do conhecimento de V. Exª, por não lhe ser atribuída a pensão de sobrevivência, a que se julga com direito pela morte de sua mulher, L…, ocorrida em 15/12/87. Esta era, à data do falecimento, professora do ensino primário (aposentada) e contribuinte do Montepio dos Servidores do Estado, nos termos do Decreto-Lei nº 24046, de 21/6/34.

2. O indeferimento da pretendida pensão baseou-se no facto de o ora reclamante não poder ser, no entendimento dessa Caixa, considerado herdeiro hábil, por não reunir os requisitos exigidos pelo artigo 33º daquele diploma: não ter meios de subsistência nem estar impossibilitado de os obter e, como tal, não poder usar da faculdade prevista no nº 1 do artº 64º do Estatuto das Pensões de Sobrevivência (E.P.S.).

3. A pretendida pensão acabou por lhe ser concedida por despacho de 11/1/90, com efeitos a partir de 1/6/89, ao abrigo do Decreto-Lei nº 173/89, de 26 de Maio, para lhe ser retirada logo de seguida, em 11/5/90, por o ora reclamante ter contraído novo casamento em finais de 1988.

4. A decisão que negou inicialmente a pensão ao ora reclamante não corresponde à melhor interpretação do artigo 64º do E.P.S. como adiante se demonstrará.

4.1. Prescrevia esse preceito, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 191-B/79, de 25 de Junho (e antes da nova redacção que lhe foi atribuída pelo Decreto-Lei nº 393/91, de 17 de Setembro), que “os herdeiros hábeis dos contribuintes a que se refere o artigo 61º poderão, no prazo de trinta dias a contar da data de habilitação à pensão, pedir a aplicação do novo regime que por este diploma se instituiu…”.

4.2. Por outro lado, o mesmo Estatuto estabelecia, no seu artigo 41º, nº 3, que “o cônjuge ou ex-cônjuge marido só terá direito à pensão se, além de se verificarem os requisitos para cada caso exigidos pelos números anteriores, sofrer de incapacidade permanente e total para o trabalho ou tiver completado 65 anos à data do falecimento do contribuinte”.

4.3. Tal exigência constituía, assim, um requisito de cuja verificação dependia a qualidade de herdeiro hábil por parte do marido.

4.4. Sucedeu, todavia, que o Decreto-Lei nº 191-B/79, ao dar nova redacção àquele artigo 41º, suprimiu o seu nº 3, deixando, consequentemente, de figurar na lei a referida exigência (cfr. nº 4.2 precedente), a qual ofendia o principio constitucional da igualdade.

4.5. De resto, o preâmbulo desse diploma é expresso ao salientar que um dos seus objectivos primordiais foi o de eliminar os aspectos inconstitucionais que o anterior regime de pensões de sobrevivência comportava.

4.6. Nestes termos, após a entrada em vigor do citado Decreto-Lei nº 191-B/79, o E.P.S. passou a não fazer depender a qualidade de herdeiro hábil do cônjuge marido de qualquer condição.

4.7. Ora, o artigo 64º do mesmo Estatuto, com a alteração introduzida pelo citado diploma nº 191-B/79, ao reportar-se a herdeiros hábeis dos contribuintes está necessariamente a referir-se ao sentido que essa expressão passou a ter no novo texto do Estatuto, ou seja, o de o cônjuge viúvo do sexo masculino adquirir o direito à pensão independentemente de qualquer condicionalismo.

5. De facto, a manter-se a discriminação feita contra os cônjuges viúvos pelo artº 33º do Decreto-Lei nº 24046, de 21 de Junho de 1934, a posição assumida por essa Caixa equivale a não permitir àqueles a opção facultada pela lei no sentido da aplicação do novo regime das pensões de sobrevivência, interpretação esta que tornaria o texto incompatível com a Constituição da República Portuguesa (cfr. artº 13º).

6. Assim sendo, foi ilegal o despacho dessa Caixa que inicialmente negou a pensão de sobrevivência ao ora reclamante, por morte de sua primeira mulher.

7. Nestes termos e ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 20º da Lei nº 9/91 , de 9 de Abril, formulo a V. Exª a seguinte RECOMENDAÇÃO

a) Que à expressão “herdeiros hábeis”, constante do artigo 64º do E.P.S.(antes da alteração que lhe foi introduzida pelo Decreto-Lei nº 393/91, de 17 de Setembro), seja atribuido o sentido que lhe é dado por aquele Estatuto após a alteração introduzida pelo Decreto-Lei nº 191-B/79, de 25 de Junho;

b) Que, por aplicação de tal entendimento, seja revisto o caso do reclamante e lhe seja atribuida a pensão de sobrevivência a partir do mês seguinte àquele em que se verificou o óbito do contribuinte, até à data em que terá contraido novo casamento, o que deverá ser averiguado por certidão de casamento.

8. Solicito, ainda, a V. Exª se digne informar-me do seguimento que a presente Recomendação vier a merecer.

O Provedor de Justiça

José Menéres Pimentel