Presidente do Conselho Directivo do Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado

Rec. nº 128/A/94
Proc.:R-4175/91
Data:1994-08-02
Área: A 5

ASSUNTO: HABITAÇÃO – CONTRATO DE DESENVOLVIMENTO DE HABITAÇÃO – DEGRADAÇÃO DOS PRÉDIOS – FALTA DAS CONDIÇÕES MINÍMAS DE HABITABILIDADE – OBRAS DE REPARAÇÃO – RESPONSABILIDADE CIVIL.

1. Em 9/12/1991, deu entrada na Provedoria de Justiça uma reclamação da Comissão de Condóminos da Urbanização da Quinta da Varejeira relativa à deficiente construção dos prédios da citada urbanização, na qual se alegava o seguinte:

– a Urbanização da Quinta da …, Fase 3, em Miratejo, concelho do Seixal, é composta por um total de 384 fogos, distribuídos por 7 edifícios, sendo 4 em torre (D, E, F e G) e 3 em banda (H,I e J), e habitada por cerca de 1500 pessoas;

– a Urbanização foi construída no âmbito de um Contrato de Desenvolvimento para Habitação (C.D.H.), cuja fotocópia junto, celebrado em 24 de Março de 1983, ao abrigo do Decreto-Lei nº 344/79, de 28 de Agosto, entre a Comissão Liquidatária do Fundo de Fomento da Habitação – actual Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado -, a Caixa Geral de Depósitos e a empresa Proconstroi – Gabinete de Estudos, Projectos e Realização de Obras, S.A., tendo sido concluída em 24 de Maio de 1984;

– as habitações construídas ao abrigo de contratos de desenvolvimento são consideradas casas de renda limitada, sujeitas ao regime do Decreto-Lei nº 608/73, de 14 de Novembro, e demais legislação aplicável;

– sendo as habitações de renda limitada, o prego de venda deveria ser inferior ao do mercado livre, o que, no entanto, não se verificou, pois os pregos, que variavam conforme se tratasse de T2, T3 ou T4, foram ligeiramente superiores aos do mercado tradicional, com diferença apenas no sinal (5%) e na certeza do empréstimo (95%) por parte da Caixa Geral de Depósitos;

– actualmente a degradação nos sete lotes é total, tendo já provocado graves problemas de saúde em crianças e adultos, nomeadamente doenças respiratórias devido ao excesso de humidade;

– nos meses de Novembro e Dezembro de 1989, várias pessoas tiveram de fechar divisões ou mesmo abandonar as casas por estas não terem as mínimas condições de
habitabilidade;

– é perfeitamente anómalo que em edifícios novos, a não ser por deficiências graves, apareçam problemas desta natureza, chegando ao ponto de existirem paredes exteriores dos prédios revestidas a esferovite com um ligeiro reboco de cimento;

– destes factos foi dado conhecimento imediato à empresa construtora, quer individualmente pelos moradores quer através das administrações, e, não obstante ter aquela feito alguns trabalhos, nunca foram os suficientes para que se resolvessem os graves problemas existentes;

– a Proconstroi, através da sua circular de 15 de Fevereiro de 1985, cuja fotocópia junto, reconhece que se estavam a verificar infiltrações de água em alguns fogos dos lotes F, H, I e J;

– na deliberação da Câmara Municipal do Seixal de 27 de Setembro de 1990, cuja fotocópia também junto, referia-se que a intervenção camarária se limitou a dois momentos distintos – a aprovação do projecto e o licenciamento para utilização; que a lei só confere competência à Câmara Municipal para aprovar o projecto e licenciar a obra, verificar a primeira laje da construção e aprovar telas finais do projecto de construção; e que é com surpresa que a Cãmara toma conhecimento que os moradores “Alegam com profusa notícia nos órgãos de comunicação social que até esferovite foi utilizada para o revestimento exterior dos imóveis”;

– perante esta admiração da Câmara os reclamantes são levados a concluir que o revestimento exterior dos imóveis a esferovite não estava previsto no projecto, pelo que se questionam sobre quem procedeu às alterações ao mesmo projecto;

– como prova das deficientes condições de construção que alegam, juntam os reclamantes o Auto de Vistoria a um dos edifícios em causa, realizado pelos serviços competentes da Cãmara Municipal do Seixal em 15/11/88, cuja fotocópia junto também ( ao processo da presente recomendação );

– a empresa construtora reconhece a necessidade de realizar a reparação dos edifícios, mas alega não ter condições para o fazer;

– de acordo com o contrato firmado, a fiscalização da obra era da responsabilidade conjunta da Comissão Liquidatária do Fundo de Fomento da Habitação e da Caixa Geral de Depósitos, concluindo-se ter havido negligência por parte destas entidades, que não só permitiu a deficiente execução da obra, como algumas alterações que não estavam contempladas no respectivo projecto;

– o Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado, que sucedeu à Comissão Liquidatária do Fundo de Fomento da Habitação, confrontado com o problema, remete os reclamantes para o nº 3 da cláusula 6ª do contrato, responsabilizando a Câmara Municipal do Seixal pela fiscalização da obra, e informou-os que o único apoio a dar seria de carácter técnico, fazendo o levantamento dos problemas da obra, conforme teor do ofício de 5/3/90, cuja fotocópia junto ( ao processo da presente recomendação );

– os reclamantes apresentaram em 14/5/90 e em 28/5/91 duas petições à Assembleia da República;

– em notícia do Jornal “0 Público”, de 27/11/90, o Presidente do IGAPHE afirmou que “a Câmara também não pode declinar responsabilidades, uma vez que por ela passou o licenciamento da obra e por ela poderia também passar a resolução do problema” (fotocópia junta ao processo da presente recomendação);

– em 29/10/90, os reclamantes solicitaram ao IGAPHE o envio dos projectos, alterações subsequentes ao projecto inicial, autos de medição, vistorias, mapas de encargos, revisão de preços, memórias descritivas e suporte legislativo, tendo o Instituto respondido, através do ofício de 4/12/90, que esses elementos “deverão ser solicitados à respectiva Cãmara Municipal”, o que os reclamantes fizeram, sem no entanto terem obtido qualquer resposta;

– os reclamantes juntaram o relatório do IGAPHE, que também anexo em fotocópia, ( ao processo da presente recomendação )e do qual destacaram o seguinte trecho: “a fiscalização exercida pelo Fundo de Fomento de Habitação, não é tão completa e determinante como a exercida nas suas próprias obras, que não carecem de licenciamento municipal, o que não se verifica com os contratos de desenvolvimento da habitação, cujas obras são licenciadas pelas Câmaras Municipais que têm de passar a correspondente licença de habitação, fazendo a necessária apreciação e aprovação dos projectos, conforme aconteceu com a urbanização em causa”;

– terminam solicitando a intervenção do Provedor de Justiça no sentido da reposição das condições de habitabilidade da urbanização, para tal responsabilizando as entidades intervenientes no processo.

2. Tendo em vista o esclarecimento da matéria da reclamação, solicitaram-se informações às diferentes entidades visadas, tendo obtido como resposta os seguintes ofícios: da Câmara Municipal do Seixal, de 9/3/92 e de 6/11/92; da Caixa Geral de Depósitos, de 9/3/92; do Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado, respectivamente de 20/4/92 e de 28/10/92; e da Comissão de Petições da Assembleia da República, de 28/1/93(fotocópias juntas, ao processo da presente recomendação).

3. Compulsando os elementos e documentos constantes do processo (designadamente os já acima citados), e depois da sua análise e estudo, conclui-se que:

1- não se suscitam dúvidas sobre a efectiva existência de graves problemas de degradação dos edifícios em causa, indiciadores da deficiente construção dos mesmos;

2- as entidades públicas em falta no caso em apreço, e que portanto devem ser responsabilizadas – e só da responsabilidade das entidades públicas, que não é afastada pelo art.º 6º, al. f), do Decreto-Lei nº 344/79, de 28 de Agosto, nem pela Cláusula Sexta, nº 3, do Contrato de Desenvolvimento para Habitação celebrado em 24 de Março de 1983 e referente ao empreendimento em causa, pode tratar o Provedor de Justiça -, são a Câmara Municipal do Seixal, o Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado e a Caixa Geral de Depósitos;

3- na verdade, e quanto ao Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado, sucessor da Comissão Liquidatária do Fundo de Fomento da Habitação, cumpre salientar, desde logo, que, nos termos da lei (art.º 9º, nº 2, do Decreto-Lei nº 344/79, de 28 de Agosto), lhe cabe fiscalizar a execução das obras realizadas no âmbito dos contratos de desenvolvimento para a habitação;

4- por outro lado, e nos termos do art.º 1º do Capítulo III das “Condições Jurídicas e Administrativas do Contrato” – anexo D ao Contrato de Desenvolvimento para Habitação celebrado a 24 de Março de 1983 e referente ao empreendimento em causa -, ao IGAPHE competia fiscalizar as obras em apreço “para averiguar do efectivo cumprimento do contrato”;

5- ora, do contrato constavam especificações técnicas detalhadas e rigorosas (anexo C – “Condições Técnicas Gerais”), e é por isso que no citado art.º l.º do Capítulo III do anexo D se prevê que a fiscalização possa “acompanhar e controlar o andamento da execução dos projectos, programas e medidas, objecto do contrato” e exigir da empresa construtora “a realização de ensaios de materiais ou elementos de construção em laboratório oficial”, e que no art.º 4º se dispõe que “À Fiscalização incumbe vigiar e verificar o exacto cumprimento do projecto e suas alterações aprovadas, das condições técnicas da execução dos trabalhos e dos objectivos do contrato”;

6- as regras legais e contratuais referidas destinam-se, não só a acautelar o interesse público, mas também a proteger o interesse privado dos moradores na qualidade das suas habitações;

7- os moradores tinham, pois, o direito a confiar em que, para além das outras acções de fiscalização legal ou contratualmente previstas, o IGAPHE tivesse efectuado a fiscalização que lhe competia, e que, a ter sido correctamente realizada, teria obstado à deficiente construção dos imóveis;

8- ao não realizar correctamente a fiscalização que lhe competia, o IGAPHE desrespeitou interesses legal e contratualmente protegidos dos moradores, causando-lhes prejuízos, pelo que, nos termos da Constituição (arte 22º) e da lei (Decreto-Lei nº 48.051, de 21 de Novembro de 1967), deve reparar esses prejuízos;

9- ainda que porventura se possa invocar, em relação à maioria dos casos pelo menos, a prescrição a que se refere o art.º 71º, nº 2, do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho, parece-me de justiça – e, nos termos da Constituição (art.º 23º, nº 1) e da lei (artºs 1º, nº 1, 3º, e 20º, nº 1, al. a), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril), o Provedor de Justiça deve nortear-se antes de mais por critérios de justiça, e não exclusivamente de legalidade -, atento até o facto de os interessados não terem estado inactivos durante o tempo que já decorreu (bem pelo contrário), que o Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado assuma as suas responsabilidades, reparando os prejuízos causados aos moradores dos edifícios em causa, quer realizando as obras necessárias para tal, quer, não sendo isso possível, indemnizando os referidos moradores.

4.Nestes termos, e no uso da competência que me é atribuída pelo art.º 20º, nº 1, alínea a), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril, entendo dever RECOMENDAR que o Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado, eventualmente em conjugação com as outras entidades públicas envolvidas, repare os prejuízos causados aos moradores dos edifícios em causa pela deficiente construção dos mesmos, permitida pela incorrecta fiscalização realizada por parte desse instituto.

Solicito a V.Exa que, nos termos do art.º 38º da Lei nº 9/91, de 9 de Abril, me seja comunicado o seguimento que for dado à presente Recomendação.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSE MENERES PIMENTEL