Presidente do Conselho de Administração da R.T.P., S.A.

Rec. nº 100/A/94
Proc.:R-2453/91
Data:1994-05-24
Área: A 5

ASSUNTO:TRABALHO – EMPRESA PÚBLICA – RTP – REESTRUTURAÇÃO ORGÂNICA – REC. N.º 50/94

Sequência:Não acatada

Na sequência da resposta à Recomendação por mim dirigida, em 24 de Fevereiro último, ao Conselho de Administração a que V. Exa. preside, e após reapreciação de todo o processo à luz dos novos argumentos aduzidos no ofício de 08/04/94, do referido Conselho de Administração, decidi formular nova Recomendação, por considerar que não se encontram esgotadas as vias de solução do assunto epigrafado, o qual julgo ser merecedor de um tratamento mais consentâneo com os direitos e as legítimas expectativas do trabalhador em questão.

Por este motivo, não posso deixar de acrescentar algumas observações ao que, sobre o assunto, tive já oportunidade de dizer na minha primeira Recomendação, o que farei acompanhando de perto o teor do supra citado ofício.

I – As diversas acepções do termo “categoria”

Mesmo aceitando, sem mais, que os cargos de estrutura a que alude a Ordem de Serviço nº 24/80, não consubstanciam a atribuição de uma categoria-função, nem de uma categoria-estatuto, no sentido que a doutrina juslaboralista dá a estas expressões, não posso deixar de salientar as necessárias e irreversíveis consequências que o exercício de um daqueles cargos de estrutura vem a ter na categoria-estatuto do trabalhador.

Veja-se, efectivamente, o disposto nos pontos 6., 6.1., 6.2. e 7., da Ordem de Serviço ns 24/80. Através destas regras,são assegurados, aos trabalhadores que tenham ultrapassado o período de interinidade (acrescido de um ano, nos casos do nº 7), determinados direitos, de acordo com as respectivas carreiras e situações profissionais.

Assim, quer aos trabalhadores na situação descrita em 6.1., quer aos trabalhadores na situação descrita em 6.2., são asseguradas promoções às categorias que, no âmbito da respectiva carreira profissional, mais próximo se encontram, em termos remuneratórios, do cargo de estrutura por eles exercido, sendo, inclusivamente, possível, que um trabalhador passe a titular, definitivamente, um nível de vencimento superior à categoria que detém.

E se o exercício de um cargo de estrutura, por si só, não consubstancia uma categoria-função, nem uma categoria-estatuto, já a referência à categoria que o trabalhador ocupa em determinada carreira profissional não…pode ter outro significado, nem a titularidade definitiva de determinado nível de remuneração pode ser posta em causa, uma vez adquirida.

É por isso que faz sentido apurar, com rigor, o tempo de exercício do cargo de estrutura. A considerar-se – como me continua a parecer correcto – que tal exercício ocorreu por tempo suficiente para permitir a aplicação dos pontos 6. a 7. da supra citada Ordem de Serviço(1), inevitável se torna concluir que, qaundo a R.T.P., em 21/01/86, procede ao enquadramento do jornalista de acordo com a nova reestruturação da Direcção de Informação,deve fazê-lo sem baixar a categoria (estatuto) a que o trabalhador ascendera, dentro da respectiva carreira profissional. Mais: deve fazê-lo sem baixar o nível remuneratório cuja titularidade definitiva havia alcançado há anos.

Em suma, o argumento das diferentes acepções do termo “categoria” constitui uma falsa questão, e o que continua a relevar – mesmo depois de se concluir que o cargo de Director de Informação Não Diária não consubstancia uma categoria-estatuto, nem uma categoria-função -, é apurar se o jornalista exerceu um cargo de estrutura durante tempo suficiente para adquirir a titularidade definitiva do Nível 1 de remuneração, pelo qual auferiu entre 21/07/83 e 21/01/86.

II – A contagem do tempo de exercício de um cargo de estrutura e outros requisitos de aquisição definitiva do nível remuneratório respectivo.

Contrariamente ao que expressamente fora defendido no ponto 1º do ofício de 27/08/91, do então Conselho de Gerência da R.T.P., afirma-se, na resposta à minha Recomendação de 24/02/94 que, afinal, o exercício do cargo de Director de Informação Não Diária não consubstanciou o exercício do ius variandi pela Empresa.

Esta recentissima mudança de posição da R.T.P., ainda que plenamente louvável, uma vez que a tese inicialmente defendida consubstanciava uma grave distorção dos factos e da sua qualificação jurídica, foi, porém, acompanhada de uma nova interpretação dos factos que continuo a não poder aceitar.

Alega a Empresa que o exercício do cargo em questão consubstanciou “a aceitação, pelo trabalhador, do estatuto de transitoriedade ou de precaridade definido para os cargos de estrutura (…) já que, mesmo ao abrigo do ius variandi, a ninguém poderia impor-se a aceitação de funções dirigentes para as quais não tivesse sido contratado ab initio…” (cfr. ponto 2., alínea b), do ofício de 08/04/94).

Com todo o respeito que me merecem V. Exª e o Conselho de Administração a que preside, vejo aqui, de novo, uma falsa questão e um falso argumento.

Por um lado, a impossibilidade de impor a aceitação de funções dirigentes a quem para tal não foi contratado, sendo evidente, nada acrescenta à qualificação da situação concreta, nem à discussão sobre se o exercício do cargo de estrutura, nos termos em que ocorreu, atribuiu ao trabalhador o direito à titularidade definitiva do Nível 1 de remuneração.

Por outro lado, a transitoriedade ou precariedade inerentes ao exercício de um cargo de estrutura, dão lugar à certeza do direito a uma promoção e à titularidade definitiva de determinado nível remuneratório, logo após o termo do período de interinidade (seis meses), nalguns casos acrescido de um ano.

Volta-se, pois, de novo, à verdadeira questão: a dos requisitos exigidos para que o exercício de um cargo de estrutura possa produzir aqueles efeitos – definitivos, irreversíveis – na esfera jurídica do trabalhador.

Ora, o argumento avançado, pela Empresa, para justificar o incumprimento dos requisitos definidos, internamente, para a aquisição definitiva do referido nível remuneratório, é o de que não houve exercício efectivo das funções de Director de Informação Não Diária e que esse exercício efectivo era essencial à contagem do respectivo tempo de exercício.

Em resposta ao ponto III, primeiro parágrafo, da minha primeira Recomendação, assim como à interpretação que faço da expressão “para todos os efeitos”, constante do Despacho nº 31/83, de 7 de Novembro, que nomeou o jornalista em questão para determinadas funções de estudo, esclarecendo que o seu exercício seria contado “para todos os efeitos, nomeadamente salariais e nível do cargo anteriormente desempenhado”, contrapõem, V. Exas., uma interpretação restritiva da referida expressão, enfatizando os casos em que o não exercício efectivo do cargo de estrutura impedem o preenchimento dos requisitos exigidos para que dele possam retirar as consequências previstas na Ordem de Serviço
24/80, nomeadamente remuneratórias.

Admito que em situações de não exercício efectivo de a aplicação das normas constantes da citada Ordem de Serviço se revele mais difícil. Admito mesmo que, em certos casos, o não exercício efectivo de funções impossibilite a avaliação do trabalhador no desempenho das mesmas.
Já não aceito, porém, que assim aconteça em todos os casos, muito menos no caso vertente, em que a cessação do exercício efectivo do cargo ocorreu por força de um despacho que, expressamente, repito, mantém os efeitos daquele exercício, indo ao ponto de salientar – se dúvidas restassem – a manutenção dos efeitos salariais e de nível.

Assim, de duas uma: ou a expressão “todos os efeitos do cargo anteriormente desempenhado” se reporta a todos os efeitos do cargo de estrutura – porque era esse, efectivamente o que o trabalhador vinha desempenhando – e é obrigação da entidade patronal agir de acordo com as condições que, ela própria, impôs ao trabalhador, garantindo-lhe tudo aquilo a que teria direito se continuasse a exercer um cargo de estrutura (se não o extinto, um equivalente), ou aquela expressão deve ser entendida como reportando-se ao cargo/categoria-estatuto detido pelo jornalista (Chefe de Secção) e, nesse caso, os direitos, nomeadamente remuneratórios, do mesmo, seriam os que detinha enquanto Chefe de Secção.

Ora, a interpretação que a R.T.P. perfilha para aquele ponto do citado Despacho, implica um raciocínio que declaratário normal, colocado na posição do “real declaratário” – para recorrer, como bem o fazem V. Exªs, ao disposto no artigo 236º do Código Civil – nunca faria.

Segundo tal interpretação, onde se lê “para todos os efeitos”, deve ler-se “para todos os efeitos possíveis”, facto de que o trabalhador, ainda segundo a mesma interpretação, se deveria ter apercebido, desde o início.

Que assim não é, ou seja, que um destinatário médio, normal, colocado na posição do trabalhador em questão assim não poderia pensar, prova-o o facto de, anos depois, quando o jornalista volta à Direcção de Informação, a própria Empresa lhe ter continuado a abonar pelo Nível 1, decisão com a qual o Dr. … teve oportunidade de concordar, por considerar que haviam sido ultrapassados os 18 meses que permitiam, ao Sr…. , ter direito à titularidade definitiva daquele nível.

Posto isto, não se vislumbra como pode, agora, considerar-se óbvio e manifesto que o jornalista tenha interpretado erradamente o Despacho nº 31/83, quando, durante tanto tempo, a própria Empresa agiu de acordo com idêntica interpretação.

Reitero, pois, o teor da minha Recomendação nº 50/94, de 24/02/94, nomeadamente dos seus pontos 1., 2. e 3. da respectiva parte final, por considerar que os doutos argumentos aduzidos na sequência da formulação da mesma, não vieram alterar o fundo da questão, mas apenas justificar, de modo diferente, uma situação que me continua a parecer merecedora de reapreciação.

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(1) Quanto a outros requisitos, que não o requisito temporal, ver parte II do presente texto.

O Provedor de Justiça

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL