Presidente do Conselho de Administração da R.T.P., S.A.

Rec. nº 50/A/94
Proc.:R-2453/91
Data:1994-02-24
Área: A 5

ASSUNTO:Situação profissional do jornalista.

Sequência:Não acatada

0 jornalista …. solicitou a minha intervenção a propósito da sua situação profissional na R.T.P., que considera prejudicada por uma deficiente interpretação de várias Ordens de Serviço e Despachos desta Empresa, face às normas legais e convencionais vigentes.

Estando em causa a sucessão, no tempo, daqueles Despachos e Ordens de Serviço, cumpre elencar os que, no caso em apreço, se revelam de importância decisiva para a boa resolução da questão:

– Ordem de Serviço nº 40/83, de 21 de Julho – Nomeação “com carácter interino, mas com todas as responsabilidades inerentes às funções”, para o cargo de Director de Informação Não Diária, do jornalista … .

– Ordem de Serviço nº 61/83, de 19 de Setembro – Aprovação da reestruturação dos serviços de Informação. 0 jornalista em questão é indicado no organograma anexo a esta O.S. como responsável pelo Departamento de Informação não Diária.

– Ordem de Serviço nº 80/83, de 4 de Novembro – Aprovação da reestruturação da Informação – 0 Departamento de Informação Não Diária e o seu responsável não figuram no organograma deste serviço.

– Despacho nº 31/83, de 7 de Novembro – 0 jornalista é nomeado “para iniciar os estudos relativos às possibilidades de instalação de um Centro Regional da R.T.P. no Algarve…”, esclarecendo-se ainda que “o exercício dessas funções conta-se para todos os efeitos, nomeadamente salariais e nível do cargo anteriormente desempenhado”.

– Despacho nº 2/85, de 25 de Janeiro – Terminadas as funções de estudo de que o jornalista havia sido incumbido através do Despacho nº 31/83, de 7 de Novembro, determina-se a sua transferência para a Direcção de Informação.

Entre a data deste despacho e a de uma nova reestruturação da Direcção de Informação – 21/01/86 – o jornalista manteve o nível salarial que lhe fora atribuído na sequência da Ordem de Serviço nº 40/83 e posteriormente confirmado pela Ordem de Serviço nº 61/83 e pelo Despacho nº 31/83 (o então nível 1).

Após 21/01/86, foi o Reclamante enquadrado no nível 13, escalão base – e não no nível 14, 3º escalão, como pretendia – por se entender que “não titulava o nível 1 de vencimento” (cfr. ofº de 21 de Junho de 1991, assinado pelo Exmº Chefe do Departamento de Recursos Humanos da R.T.P., em resposta à reclamação do jornalista acerca, precisamente, do enquadramento determinado pela R.T.P.).

A interpretação que o jornalista em questão faz dos factos descritos e dos normativos indicados leva-o a concluir, como é, sobejamente, do conhecimento de V.Exª., que o enquadramento profissional assim determinado pela R.T.P. afectou direitos que já lhe haviam sido garantidos, desde logo o direito a determinada categoria e, consequentemente, a determinado vencimento.

Ouvido o Conselho de Administração da R.T.P., nos termos do disposto no artigo 34º da Lei nº 9/91, de 9 de Abril, decidi formular a presente Recomendação por considerar que as razões aduzidas para justificar a posição defendida por esta Empresa cedem perante a aplicação, ao caso concreto, de regras e princípios básicos do direito laboral.

Tendo presentes os esclarecimentos facultados à Provedoria de Justiça através do ofício de 27 de Agosto de 1991, do então Conselho de Gerência da R.T.P., complementados pelos constantes do recente ofício de 26 de Janeiro p.p., do Conselho de Administração a que V.Exª. preside, procurarei demonstrar os motivos pelos quais entendo não assistir, neste caso, razão à R.T.P..

I – Dos referidos ofícios resulta considerar esta Empresa que as nomeações constantes da Ordem de Serviço nº 40/83, de 21 de Julho e do Despacho nº 31/83, de 7 de Novembro, consubstanciam o exercício, pela entidade patronal, do jus variandi, consagrado no nº 2 do artigo 22º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei nº 49.408, de 24 de Novembro de 1969, que me permito transcrever:

« Salva estipulação em contrário, a entidade patronal pode, quando o interesse da empresa o exija, encarregar temporariamente o trabalhador de serviços não compreendidos no objecto do contrato, desde que tal mudança não implique diminuição da retribuição, nem modificação substancial da posição do trabalhador».
Ora, se no caso da nomeação para iniciar os estudos relativos à instalação de um Centro Regional da R.T.P. no Algarve, se detectam, sem dificuldade, os requisitos exigidos pela supra citada disposição legal e objecto de amplo desenvolvimento pela jurisprudência (v., por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 5 de Junho de 1985, in Acórdãos Doutrinais, nº 289, págs. 98 e seguintes, com destaque para a doutrina e jurisprudência referidas em anotação ao mesmo Acórdão), já no que concerne à nomeação com carácter interino para o cargo de Director de Informação Não Diária, o factor interinidade é susceptível de falsear a apreciação do requisito do carácter necessariamente temporário indispensável ao exercício do jus variandi.

É que, implicando sempre o provimento em cargos de estrutura a nomeação em regime de interinidade durante os primeiros seis meses (cfr. nº 5 da Ordem de Serviço nº 24/80, de 25 de Junho), não pode, posteriormente, invocar-se a situação “precária” – no sentido de sujeita a confirmação posterior – em que o trabalhador se encontra durante o período de interinidade para, findo aquele período, vir “esclarecer” que, afinal, o carácter interino da nomeação significava, não uma verdadeira interinidade no sentido que lhe dá a Ordem de Serviço nº 24/80, de 25 de Junho, mas antes uma alegada temporariedade que se pretende comprovativa do exercício do jus variandi.

A ser assim, desvirtuado ficaria todo o processo de nomeação para cargos de estrutura ao abrigo daquela Ordem de Serviço quando o que aquele processo pretende assegurar é, precisamente, o rigor na escolha dos trabalhadores que deverão ocupar tais cargos. Aliás, quanto ao outro jornalista nomeado interinamente através da Ordem de Serviço nº 40/83, não veio a invocar-se, que se saiba, o exercício do citado direito de variação.

Em suma, se o carácter temporário da tarefa atribuída ao Reclamante pelo Despacho nº 31/83, de 7 de Novembro, resulta claro, desde logo devido à própria natureza daquela tarefa (iniciar estudos relativos à possibilidade de instalação de determinado Serviço da entidade patronal no Algarve), nada indicava, face à nomeação interina para Director de Informação Não Diária, que o jornalista regressaria à sua categoria anterior logo que o interesse da entidade patronal o determinasse, como teria de acontecer se se tivesse exercido, também neste caso, o direito de variação.

II – Também quanto à interferência, em todo o processo, da Ordem de Serviço nº 80/83, de 4 de Novembro, não posso deixar de discordar da posição assumida pela R.T.P..

Afirma esta Empresa que, nessa data, directa e automaticamente por força da referida Ordem de Serviço, o jornalista …. deixa de ocupar o cargo de Director de Informação Não Diária, isto é, deixa de ocupar o cargo de estrutura para que fora nomeado interinamente sem ter ultrapassado o respectivo período de interinidade.
É indiscutível que o referido jornalista deixou de ocupar tal cargo – não seria materialmente possível ocupar um cargo extinto pela citada Ordem de Serviço nº 80/83, de 4 de Novembro.

O que não pode, evidentemente, extrair-se daquela constatação, é que a extinção do cargo que ocupava interinamente tenha devolvido o jornalista, sem mais, ao lugar que ocupava antes de ser nomeado – interinamente, por imposição dos regulamentos vigentes na Empresa – para o cargo agora extinto.

O Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo supra citado a propósito do exercício do jus variandi refere, também, curiosamente, a jurisprudência dominante acerca desta outra questão, lendo-se a págs. 104 da publicação já referida que:
« É evidente que uma empresa tem todo o direito de reestruturar a sua orgânica ainda que seja por razões de política expansionista, mas isso não pode constituir motivo para violar a Lei do Contrato de Trabalho e, procedendo arbitrariamente, modificar substancialmente a categoria dos trabalhadores ou baixá-los de categoria », e ainda que:

« É jurisprudência assente que uma empresa pode reestruturar os seus serviços desde que coloque os trabalhadores em cargos equivalentes aos que vinham exercendo ».

Ora,o cargo que o Reclamante vinha exercendo era, efectivamente, um cargo de estrutura, de direcção, pelo que, tal como enquadrou o jornalista ….. no novo organograma anexo à Ordem de Serviço nº 80/83, de 4 de Novembro, a R.T.P. deveria ter enquadrado o jornalista …. atenta a similitude da situação de ambos.

Admite-se, porém, que esta Empresa não pretendesse confirmar a promoção do referido jornalista.

A regulamentação em vigor, nomeadamente o nº 9 da cláusula 31ª do ACT celebrado entre a Radiotelevisão Portuguesa, E.P. e o Sindicato dos Trabalhadores das Telecomunicações e outros, publicado no BTE, 1ª série, nº 27, de 22/7/79, permitia-lhe fazê-lo, desde que, para tal, lançasse mão de um acto expresso.

Não o fez a R.T.P. . E, por esse motivo, mal andou quando, na sequência da reestruturação operada por via da Ordem de Serviço nº 80/83, de 4 de Novembro, simplesmente omitiu o nome do jornalista em causa sem cuidar de, simultaneamente, esclarecer os motivos de tal omissão.

A nomeação, três dias depois, do mesmo jornalista para as já referidas funções de estudo para a instalação de um Centro Regional da R.T.P. no Algarve, não pode consubstanciar o acto expresso a que alude o citado nº 9, da Cláusula 31ª, do ACT em vigor na Empresa.

Pelo contrário, ao garantir-se ao trabalhador que ” o exercício dessas funções conta-se para todos os efeitos, nomeadamente salariais e nível do cargo anteriormente desempenhado” – indiscutivelmente, o cargo de Director de Informação Não Diária -, não pode deixar de concluir-se – como fez o jornalista visado – que o exercício destas funções, determinado ao abrigo do jus variandi, apenas adiaria o seu enquadramento na nova estrutura da Direcção de Informação, tudo se passando como se continuasse a exercer um cargo de estrutura, por ser essa a natureza do cargo que vinha ocupando desde 21 de Julho de 1983.

Alega a R.T.P. que as funções de estudo para que o jornalista foi nomeado pelo Despacho nº 31/83 não consubstanciam o exercício de um cargo de estrutura. Assim é, de facto. Só que, a própria Empresa cuidou de equiparar, para todos os efeitos, o exercício daquelas funções ao desempenho deste cargo.

Nem de outro modo poderia ter procedido, sob pena de violar os normativos constantes dos artigos 22º, nº 2 ( exercício do jus variandi) e 23º (regra da proibição de baixar a categoria do trabalhador), do supra citado Regime Jurídico aprovado pelo Decreto-Lei nº 49.408, de 24 de Novembro de 1969.

Não pode colher a argumentação de que “… na expressão para todos os efeitos do cargo anteriormente desempenhado não se incluem os efeitos previstos na Ordem de Serviço nº 24/80…” e de que “… esta equiparação, ampla e genérica, não deixa de ter limitações…”.

É que, como já referi, se por um lado só o entendimento de que se mantêm todos os efeitos da aplicação daquela Ordem de Serviço é possível, face à inexistência de acto expresso que impeça a confirmação da promoção atribuída ao Reclamante, por outro lado, não pode deixar de entender-se – atenta a redacção do Despacho nº 31/83, de 7 de Novembro – que se pretendeu a mais ampla das equiparações, não se concebendo limitações a posteriori que não têm, na letra do Despacho, qualquer suporte.

III – Por último, diga-se, ainda, quanto à afirmação de que a titularidade dos cargos de estrutura só ocorre após 18 meses de exercício efectivo das funções correspondentes aos mencionados cargos, que em nenhuma disposição constante quer da lei, quer do ACT em vigor, quer, ainda, de qualquer das Ordens de Serviço citadas, mormente da O.S. nº 24/80, de 25 de Junho, se encontra tal exigência.

Prejudicado fica, pois, o entendimento segundo o qual o tempo de serviço prestado no exercício das funções para que o jornalista foi nomeado em 7 de Novembro de 1983 não deve ser levado em consideração para efeitos da contagem do tempo de exercício do cargo de estrutura que, então, ocupava.

IV – Posto isto, não posso deixar de concordar com o Reclamante quando, após o seu retorno à Direcção de Informação (Despacho nº 2/85, de 25 de Janeiro) pretende retomar o nível salarial pelo qual auferia desde 21 de Julho de 1983, sem que, desde essa data, tivesse sido informado da alteração do título pelo qual auferia tal vencimento e que, legitimamente, concluiu ser o mesmo título que motivara, inicialmente, a atribuição desse nível: a ocupação de um cargo de estrutura.

Aliás, assim concluiu, também, a R.T.P., que lhe manteve o referido nível salarial durante mais um ano (até 21/01/86). A afirmação de que assim aconteceu por mero lapso não justifica a frustração dos direitos e legítimas expectativas do Reclamante, nem, tão-pouco, apresenta credibilidade suficiente, desde logo por se terem tornado conhecidos documentos internos da Empresa em que a questão era abordada e decidida conformemente com o entendimento que tenho vindo a perfilhar (é o caso do documento datado de 5 de Fevereiro de 1985, assinado pelo Sr. … , com vistos de 19/03/85 e de 9/04/85).

Pelo exposto, formulo a seguinte Recomendação:

1. Que seja revogado o acto de enquadramento profissional de que foi objecto o jornalista ….. , em 21/01/86 – na sequência do qual deixou de auferir pelo Nível 1 passando, antes, a auferir pelo Nível 3 – e substituído por outro que preveja o seu enquadramento em categoria equivalente à que lhe permitia auferir pelo Nível 1, isto é, à de Director de Informação Não Diária.

2. Que seja reformulada a carreira do Reclamante, de modo a ser-lhe assegurada a evolução a que teria tido acesso, em termos de categorias atribuídas, caso o enquadramento em questão tivesse ocorrido pela forma que venho referindo.

3. Que, na sequência e de acordo com a reformulação da carreira assim operada, sejam abonadas, ao Reclamante, as diferenças salariais resultantes da comparação entre aquilo que recebeu e o que deveria ter recebido, entre 21/01/86 e a data da efectivação do pagamento destas diferenças.

O PRPVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL