Director da Delegação da Indústria e Energia do Norte

Processo: R-1704/92
Rec. nº 100/A/95
Data:1995-09-06
Área: A 1

ASSUNTO: AMBIENTE – RUÍDO – ACTIVIDADE INDUSTRIAL – INFRACÇÃO CONTINUADA – CONTRA-ORDENAÇÃO – AUTORIDADE COMPETENTE – PRINCÍPIO DA IRRENUNCIABILIDADE DA COMPETÊNCIA.

Sequência: Acatada

I-EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS
A) DOS FACTOS
1. Deu entrada na Provedoria de Justiça uma reclamação apresentada pelo Senhor …, residente no lugar do Alto da Ribeira, freguesia de Lordelo, com base na qual foi aberto o processo referenciado em epígrafe.

2. Os factos descritos na reclamação apresentada, bem como os apurados no decurso da instrução do processo, motivaram a presente Recomendação, nos termos que se passam a expor.

3. Veio queixar-se o Senhor … do facto de a laboração do estabelecimento industrial “…..” provocar ruído, atingindo este níveis que têm afectado com gravidade o direito à saúde e repouso do reclamante e família, residentes em local próximo do local de instalação do referido estabelecimento industrial.

4. Acresce o facto de a laboração da fábrica em causa processar-se por regra continuamente, vinte e quatro horas por dia, os sete
dias da semana, o que mais prejudica o gozo e exercício dos direitos acima invocados.

5. A situação descrita foi presente a várias entidades competentes para a fiscalização e salvaguarda dos bens jurídicos tutelados
pela lei e lesados pelo funcionamento da unidade industrial identificada.

6. Destaca-se aqui a intervenção da Administração Regional de Saúde de Braga, entidade que promoveu a realização de um exame de medição acústica na residência do reclamante, nos dias 9 e 11 de Maio de 1991 (quinta-feira e sábado, 23.30 e as 24 horas, cujo relatório foi enviado a essa Delegação Regional através do oficio nº …, de 17.08.91

7. Nesse mesmo oficio era solicitada a intervenção da Delegação Regional da Indústria e Energia do Norte, no sentido de que fossem
tomadas “as medidas adequadas para evitar o incómodo provocado pela fonte perturbadora”.

8. Com efeito, a situação descrita no relatório confirma os factos invocados pelo reclamante, concluindo-se pela violação do disposto
no art. 14º, do Regulamento Geral Sobre o Ruido, aprovado pelo Decreto-Lei nº 251/87, de 24 de Junho, com as alterações
introduzidas pelo Decreto-Lei nº 292/89, de 2 de Setembro.

9. Na sequência do citado relatório, a Delegação Regional de Indústria e Energia do Norte notifica a empresa ….. para que suspenda a laboração da unidade industrial entre as 20 e as 8 horas, bem como aos sábados, domingos e feriados, conforme determinado no despacho de 20.06.92.

10. O mesmo despacho ordenava ainda a adopção de medidas técnicas correctivas com vista à redução do ruído provocado pela
laboração da fábrica.

11. Em 26.08.92 a empresa requereu a cessação da medida cautelar referida no ponto 9 (vd. supra), tendo esse pedido sido
indeferido, visto não ter sido provado o cumprimento das medidas preconizadas no despacho de 20.06.92.

12. A manutenção da situação de desrespeito pelos limites fixados no Regulamento Geral Sobre o Ruído foi confirmada pelos resultados das vistorias realizadas no local nas datas de 10.09.92 e de 06.09.94.

13. Nesta última vistoria mereceu ponderação o facto de a empresa ter realizado, entretanto, algumas obras, mas foram estas
consideradas insuficientes para a eliminação do ruído perturbador.

14. Do exposto, conclui-se não ter havido uma evolução da situação no sentido da resolução dos danos ambientais provocados pelo
funcionamento da unidade industrial em causa.

15. Motivo por que através de ofício da Delegação Regional da Indústria e Energia do Norte (nº 4631/DL-3357, de 12.09.94), tenha
a Provedoria de Justiça sido informada de que “é intenção manter o horário imposto, no sentido de garantir o sossego do reclamante
durante as horas e dias de descanso e continuar a insistir, com maior frequência, no sentido da realização das obras e adopção de
medidas, tendentes a resolver o assunto”.

16. Até à data, porém, não se mostram cumpridas as prescrições impostas por essa Delegação Regional, sendo certa a ocorrência e manutenção de uma situação de infracção ao preceituado no art. 14º do sempre citado Regulamento Geral Sobre o Ruído.

B) DO DIREITO

17. A infracção em causa constitui uma contra-ordenação punível com coima de 50 a 500 contos, passível de elevação ao dobro, nos
termos dos nºs 2 e 4, do art. 36º, do citado diploma legal.

18. Conforme preceitua o art. 37º do Decreto-Lei nº 251/87, de 24 de Junho (com a redacção dada pelo Decreto-Lei nº 292/89, de 2 de Setembro), têm competência para processar as contra-ordenações as “entidades com superintendência técnica em cada sector,
determinadas em razão da matéria” (vd. ngl), bem como “o director regional do ambiente e dos recursos naturais da comissão de
coordenação regional respectiva e as autoridades sanitárias concelhias ou distritais da área da ocorrência da infracção” (vd.
nº 2).

Nos termos dos ngs 1 e 3, da citada disposição legal, a competência para a aplicação das coimas é atribuida às entidades
competentes para o processamento das contra-ordenações, pese embora, no caso dos directores regionais do ambiente e recursos
naturais e das autoridades sanitárias, a competência ser limitada pelo montante da sanção correspondente à infracção praticada.

19. Chegados a este ponto, passa-se a identificar a “entidade com superintendência técnica em cada sector, determinada em razão da matéria”, por forma a conhecer a entidade competente para o processamento de contra-ordenações e aplicação de coimas na
situação reclamada.

20. A lei atribui às Delegações Regionais da Indústria e Energia, enquanto serviços regionais do Ministério da Indústria e Energia,
competências específicas em sede de aprovação dos projectos de estabelecimentos industriais e fiscalização das condições de
laboração, nos domínios da salubridade, higiene, comodidade, segurança e salvaguarda das incidências negativas para o ambiente,
conforme é prescrito no art. 5º, nº 1, alínea a), do Decreto Regulamentar nº 9/91, de 15 de Março, podendo, contudo, tais
competências ser excepcionadas nos termos do nº 2, da mesma disposição legal, isto é, no caso de a entidade coordenadora no
procedimento de licenciamento industrial ser diversa.

21. No presente caso, porém, não restam dúvidas sobre a competência licenciadora e fiscalizadora da Delegação Regional da
Indústria e Energia do Norte, enquanto entidade coordenadora em função da actividade prosseguida pela empresa …- a tecelagem de algodão.

22. Atente-se que tal era explicitado nos termos do Decreto Regulamentar nº 10/91, de 15 de Março, que aprovou o Regulamento
do Exercício da Actividade Industrial, e respectiva tabela anexa, o que não mereceu alteração com a entrada em vigor do Decreto-
Regulamentar nº 25/93, de 17 de Agosto, por referência à classificação das actividades industriais constante da tabela
aprovada pela Portaria nº 744-B/93, de 18 de Agosto.

23. Sendo a Delegação Regional da Indústria e Energia do Norte a entidade coordenadora e fiscalizadora (conceitos explicitados no
art. 2º, alíneas f) e g), do Decreto-Lei nº 109/91, de 15 de Março, com a redacção dada pelo Decreto-Lei nº 282/93 de 17 de
Agosto) no ãmbito do licenciamento da actividade industrial em causa, considera-se ter a mesma entidade superintendência técnica
no sector em razão da matéria.

24. Tendo o exercício da actividade industrial descrita, bem como as respectivas condições de laboração, sido licenciadas pela
Delegação da Indústria e Energia do Norte, e dispondo o mesmo órgão regional de poderes de fiscalização e reposição do
cumprimento das normas legais e condições fixadas na licença para o exercício daquela actividade, conclui-se ser a Delegação
Regional quem dispõe de poderes de superintendência técnica sobre a actividade industrial em causa.

25. Note-se que é a própria lei que permite tal conclusão, ao condicionar a instalação, alteração e laboração dos estabelecimentos industriais à autorização do “organismo ou serviço do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação ou do Ministério da Indústria e Energia que superintender na actividade industrial em causa”, como resulta da leitura do art. 8º, do Decreto-Lei nº 109/91, de 15 de Março, competindo – como já vimos – a essa Delegação Regional o mencionado poder de autorização, enquanto entidade coordenadora da actividade exercida.

26. Os poderes de superintendência técnica traduzem-se, ainda, numa série de competências específicas cometidas a essa Delegação Regional, nos termos do Decreto-Lei nº 109/91, de 15 de Março, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 282/93, de 17 de Agosto, de que se destacam os poderes consignados no art. 12º (“adopção de medidas, a impor ao industrial, para prevenir riscos e incovenientes susceptiveis de afectar as pessoas e os bens, as condições de trabalho e o ambiente”), no art. 13º (“tomar imediatamente as providências que em cada caso se justifiquem para prevenir ou eliminar a situação de perigo, podendo vir a ser determinada a suspensão da laboração e o encerramento preventivo do estabelecimento, no todo ou em parte, ou a apreensão de todo ou parte do equipamento”) e no art. 14º (“solicitar à Direcção-Geral da Energia a notificação das entidades distribuidoras de energia eléctrica para interromperem o fornecimento desta a qualquer estabelecimento industrial, sempre que se verifique quanto a este a oposição às medidas cautelares previstas no artigo anterior ou a quebra de selos apostos no equipamento ou o reiterado
íncumprimento das medidas, condições ou orientações impostas para
a laboração”).

27. Pelo exposto conclui-se que à Delegação Regional da Indústria e Energia do Norte, enquanto entidade com superintendência técnica sobre a actividade exercida pelo estabelecimento industrial …., compete o processamento da contra-ordenação e a aplicação da coima respectiva, nos termos do disposto nos já citados arts. 33º, 36º e 37º, do Regulamento Geral Sobre o Ruído, aprovado pelo Decreto-Lei nº 251/87, de 24 de Junho, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 292/89, de 2 de Setembro, conhecida a violação da norma contida no art. 14º, do mesmo diploma.

28. Ora, constatada a prática de uma infracção, a competência para processar a contra-ordenação que lhe corresponda constitui um
poder de exercício vinculado.

29. Atente-se, a este respeito, ao disposto no art. 3º, do Decreto-Lei nº 17/91, de 10 de Janeiro, norma que impõe o dever de
levantar ou mandar levantar auto de notícia a qualquer autoridade, agente ou funcionário que, no exercício das suas funções,
presencie ou verifique, ou por qualquer outro meio, tome conhecimento de contravenção ou transgressão que lhe cumpra
conhecer (sendo esta norma aplicável ao procedimento contra-ordenacional, dada a lacuna do regime fixado no Decreto-Lei nº
433/82, de 27 de Outubro, como defendem ROCHA, Manuel Lopes e Aa., in Contra-Ordenações: Legislação e Doutrina, 1994, p. 166).

30. Iniciado o procedimento contra-ordenacional, segue-se a fase de inquérito, devendo aquele ser decidido pelo arquivamento ou
pela aplicação da coima respectiva (cfr. art. 54º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro).

31. Na esteira do que tem sido exposto, é ainda de realçar a aplicabilidade do princípio da irrenunciabilidade das competências
de ordem pública cometidas às entidades administrativas, nos termos expressamente consignados no art. 29º, do Código de
Procedimento Administrativo (Decreto-Lei nº 442/91, de 15 de Novembro).

32. Não pode pois a Delegação Regional da Indústria e Energia do Norte alhear-se da situação de continuada infracção às disposições do Regulamento Geral Sobre o Ruído, estando em causa o fundamental direito ao ambiente.

II – CONCLUSÕES

De acordo com o exposto, no exercício dos poderes que me são conferidos no art. 20º, nº 1, alínea a), do Estatuto, aprovado
pela Lei nº 9/91, de 9 de Abril, entendo RECOMENDAR:

A) A instauração por esses serviços regionais de um procedimento contra-ordenacional contra a empresa …., ao abrigo do disposto nos arts. 36º, nº 2 e 37º, nº 1, do Regulamento Geral Sobre o Ruído, aprovado pelo Decreto-Lei nº 251/87, de 24 de Junho, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 292/89, de 2 de Setembro, por violação da norma contida no art. 14º, nº 1, do mesmo diploma.

B) A apreensão dos objectos que tenham servido à prática da infracção, como medida cautelar a tomar no decurso do
procedimento contra-ordenacional, conforme previsto no art. 83º, do Decreto-Lei nº 433/89, de 27 de Outubro, por forma a não permitir a manutenção da situação de infracção e a prevenir a violação plúrima, por forma continuada, do mesmo tipo legal.

C) A notificação da empresa …. para que sejam adoptadas medidas com vista ao cumprimento dos limites de produção de ruído e
condicionamentos horários previstos no Regulamento Geral Sobre o Ruído (Decreto-Lei nº 251/87, de 24 de Junho, com a redacção dada pelo Decreto-Lei nº 292/89, de 2 de Setembro), com fixação de prazo para a execução das medidas determinadas.

D) A realização de uma vistoria no local, decorrido o prazo fixado, para verificação do cumprimento das condições estabelecidas, ao abrigo do disposto no art. 19º, nº 1, do Decreto Regulamentar nº 25/93, de 17 de Agosto.

E) A comunicação à provedoria de Justiça dos resultados da vistoria recomendada e das eventuais providências tomadas por esses serviços regionais em face daqueles resultados, nos termos estabelecidos no art. 19º, nº 3,do citado Decreto Regulamentar nº 25/93, de 17 de Agosto.

0 PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel