Director Regional da Indústria e Energia do Norte

R-1307/94
Rec.nº77/A/95
Data:1995-07-19
Área: A 1

Assunto:AMBIENTE – RUÍDO – ESTABELECIMENTOS INDUSTRIAIS – COMPETÊNCIAIS DAS DELEGAÇÕES REGIONAIS – MINISTÉRIO DA INDÚSTRIA E ENERGIA – INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTO POR CONTRA-ORDENAÇÃO – PRINCÍPIO DA LEGALIDADE DA COMPETÊNCIA

Sequência: Acatada

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

A) Dos factos.

Tomei conhecimento, em razão de queixa que me foi dirigida sobre estabelecimento industrial explorado pela empresa “Construgões Amoreira – Abílio Manuel Barbosa Moreira, Lda.”, sita no lugar de Ribas, freguesia de Sanfins, concelho de Paços de Ferreira, distrito do Porto, do seguinte:

1. Foram efectuadas três medições de ruído no que concerne à actividade exercida pela firma nomeada, designadamente em 07.12.93., em 11.08.94. e em 03.11.94., tendo a primeira e a última medição sido realizadas pelo Laboratório de Ergonomia da Universidade do Minho e a segunda, pelo Laboratório do
Instituto Geológico e Mineiro.

2. Os relatórios dos três exames concluiram pela inobservância dos requisitos fixados pelas disposições contidas nos artigos 14º, nº 1 e 20º, nº 1, al. a), do Regulamento Geral sobre o Ruído, aprovado pelo Decreto-Lei nº 251/87, de 24 de Junho, com a redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei nº 292/
/89, de 2 de Setembro.

Com efeito, nos termos dos esclarecimentos prestados a esta Provedoria pela Delegação Regional da Indústria e Energia do Norte, no exercício da sua actividade a indústria reclamada excede largamente os limites consignados pelo citado diploma, sendo que a discrepância entre os valores apurados e os
valores legais perfazia, em 07.12.93., + 8,4 dB (A), em 11.08.94., + 9,5 dB (A) e, em 03.11.94., +8,5 dB (A).

3. Por ofício de 17.01.95., a Provedoria de Justiça questionou a Delegação Regional da Indústria e Energia do Norte sobre o exercício dos poderes que lhe assistem no domínio de mera ordenação social, designadamente quanto às competências previstas nos artigos 37º e 38º do Regulamento Geral sobre o Ruído.

4. Subsequentemente, expôs V.Exa. a esta Provedoria entendimento segundo o qual os artigos 37º e 38º do Regulamento Geral sobre o Ruído não conferem às Delegações Regionais da Indústria e Energia competência em sede contra-ordenacional.

E acrescentou o seguinte:
“Esclarecemos V.Exa. que nunca aplicamos qualquer coima ao abrigo do referido Decreto-Lei.

O que se tem feito é notificar os industriais para a realização de medições de ruído e empoeiramentos nos locais de trabalho e contra terceiros, sancionando pelo seu não cumprimento, ao abrigo do D.L. 282/93 e Dec. Reg. 25/93.

Os resultados das medições de ruído e eventuais contra-ordenações iniciadas, têm sido transmitidas à Direcção Regional do Ambiente e Recursos Naturais, Administração Regional de Saúde, Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho e Câmara Municipal.

Neste caso, aguardamos os seus pareceres e actuação.”

B) Do Direito.

1. As Delegações Regionais da Indústria e Energia são serviços regionais do Ministério da Indústria e Energia, aos quais compete, no que concerne à administração industrial, o exercício dos poderes enunciados no art. 5º do Decreto-Regulamentar nº 9/91, de 15 de Março, em particular, aprovar os projectos de estabelecimentos industriais e as respectivas condições de laboração, nos domínios da salubridade, higiene, comodidade, segurança e salvaguarda das incidências negativas para o ambiente e proceder ao respectivo licenciamento e fiscalização (cfr. art. 5º, nº 1, al. a), do Decreto Regulamentar nº 9/91).

Tais competências são excepcionadas, pelo art. 5º, nº 2, do citado Decreto, quanto ao licenciamento e à aprovação de projectos de estabelecimentos industriais aos quais, em razão da actividade que prosseguem, corresponda, como entidade coordenadora, nos termos da Tabela anexa ao Decreto Regulamentar nº 10/91, de 15 de Março, a Direcção Geral da Indústria.

2. No caso, a Direcção Regional da Indústria e Energia do Norte constituia, à data da aprovação da instalação do estabelecimento industrial, por força da natureza da actividade industrial – fabricação de cantarias e outros produtos de pedra – e por determinação legal ( art. 3º do Regulamento do Exercício da Actividade Industrial, aprovado pelo Decreto Regulamentar nº 10/91, de 15 de Março, e tabela de classificação de actividades industriais, em anexo), a respectiva entidade coordenadora, competindo-lhe a coordenação do respectivo processo de licenciamento e a concessão da autorização para a instalação, alteração e laboração do estabelecimento.

A revisão da legislação relativa ao exercício da actividade industrial e designadamente, a aprovação pela Portaria nº 744-B/93, de 18 de Agosto, da nova tabela de classificação de actividades industriais, não acarretou qualquer alteração dos poderes funcionais das Delegações Regionais enquanto entidades coordenadoras quanto ao exercício da actividade descrita.

3. De resto, a lei confia às Delegações Regionais do Ministério da Indústria e Energia, como poderes instrumentais dos que antecedem, a realização de vistorias e a imposição de condições específicas de laboração e, do mesmo passo, determina a obrigação do industrial facultar o acesso da entidade coordenadora às instalações do estabelecimento e de lhe fornecer as informações e apoios requeridos.

Aos poderes enunciados, acrescem ainda os que são conferidos às entidades coordenadoras pelo Decreto-Lei nº 109/91, de 15 de Março, na redacção do Decreto-Lei nº 282/93, de 17 de Agosto, e a que se reportam os artigos 12º (“adopção de medidas, a impor ao industrial, para prevenir riscos e inconvenientes susceptíveis de afectar as pessoas e os bens, as condições de trabalho e o ambiente”), 13º ( imposição de medidas cautelares a tomar em situação qualificada como de perigo grave para a saúde, a segurança de pessoas e bens, a higiene e segurança dos locais de trabalho e o ambiente, entre as quais se contam a suspensão da laboração e o encerramento preventivo do estabelecimento, no todo ou em parte, ou a apreensão de equipamento), e 14º (formulação de pedido dirigido à Direcção Geral de Energia de notificação das
entidades distribuidoras de energia eléctrica no sentido da interrupção do seu fornecimento, em caso de oposição a medidas cautelares, de quebra de selos apostos no equipamento ou de reiterado incumprimento de condições, orientações ou medidas fixadas quanto à laboração).

4. Assim, afigura-se manifesto que, tendo o exercício da actividade desenvolvida pela empresa “Construções Amoreira, Abílio Manuel Barbosa Moreira, Lda.,” e as condições da respectiva laboração, merecido aprovação da Delegação Regional da Indústria e Energia do Norte, dependendo a alteração das condições de laboração do seu consentimento e dispondo tal serviço regional de poderes de fiscalização quanto à conformidade entre o exercício daquela indústria e as normas que o regem, aquela delegação constitui, para os efeitos legais, entidade com superintendência técnica sobre a actividade exercida pela empresa nomeada.

Tal asserção poderá aliás firmar-se na redacção do art. 8º do Decreto-Lei ns 109/91, de 15 de Março, que condiciona a instalação, alteração e laboração dos estabelecimentos industriais a autorização do “organismo ou serviço do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação ou do Ministério da Indústria e Energia que superintender na actividade industrial em causa” e confere a essa entidade competência para coordenar todo o processo de licenciamento.

5. Passa-se a citar, pela expressão que assumem no contexto delineado, o teor das disposições contidas no artigo 37º do Regulamento Geral sobre o Ruído.

” 1- O processamento das contra-ordenações e a aplicação das coimas competem às entidades com superintendência técnica em cada sector, determinadas em razão da matéria.

2- Serão igualmente competentes para o processamento das contra-ordenações o director regional de ambiente e recursos naturais da comissão de coordenação regional respectiva e as autoridades sanitárias concelhias ou distritais da área da ocorrência da infracção.

3- Compete ao director regional do ambiente e dos recursos naturais da comissão de coordenação regional respectiva e à autoridade sanitária distrital da área da ocorrência da infracção a aplicação de coimas até 200 contos. “

O legislador confia às entidades com superintendência técnica sobre a actividade exercida que atente contra as prescrições contidas no Regulamento Geral sobre o Ruído uma competência genérica quanto à instauração de processo por contra-ordenação e à aplicação de coimas.

Verificada uma situação de infracção, aquelas entidades têm o poder de instaurar processo contra-ordenacional e de aplicar, nos casos justificados, coima correspondente à infracção praticada, nos termos previstos no art. 36º do Regulamento.

Ao invés, a competência atribuída às entidades a que se reporta o art. 37º, nº 3, no domínio do ilícito de mera ordenação social, sofre limitações em razão do montante da sanção cominada para a infracção praticada.

6. MANUEL LOPES ROCHA e outros Autores sustentam serem aplicáveis ao procedimento por contra-ordenação, em caso de lacunas e omissões do regime estabelecido pelo Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, o regime de processamento das contravenções e transgressões fixado pelo Decreto-Lei nº 17/91, de 10 de Janeiro, com expressa invocação do seu art. 3º (Contra-Ordenações, Legislação e Doutrina, 1994, p.p. 166).

A afirmação da aplicabilidade a título subsidiário da disciplina processual do ilícito contravencional fundamenta-se na ponderação da natureza do processo contravencional.

7. Nos termos do art. 3º do Decreto-Lei n4 17/91, de 10 de Janeiro, a autoridade, agente de autoridade ou funcionário público que, no exercício das suas funções, presencie ou verifique ou, por qualquer meio, tome conhecimento de contravenção ou transgressão que lhe cumpra conhecer, deverá levantar ou mandar levantar auto de notícia.

0 dever de proceder à remessa da participação e das provas recolhidas às autoridades administrativas com competência para declarar se foi cometido o ilícito e qual a sanção aplicável, impende, tão só, sobre as autoridades policiais e fiscalizadoras, destituídas daqueles poderes funcionais, nos termos estatuídos no art. 48º, ns 3, do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro.

Merece pois reparo o facto de a Delegação Regional da Indústria e Energia do Norte, na posse de elementos que indiciam a prática de infracção, se abster de desencadear procedimento por contra-ordenação, limitando-se a comunicar tais elementos a terceiras entidades.

Constatada a prática de uma infracção, a competência para processar a contra-ordenação que lhe corresponda, constituirá um poder de exercício vinculado.

8. Iniciado o processo, deve a autoridade administrativa proceder à sua investigação e instrução, e concluída esta, decidir pelo arquivamento do processo ou pela aplicação de coima (art. 54º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro).

De outro modo, ficarão frustados os motivos de interesse público que ditaram a fixação de normas que definem os tipos de contra-ordenação e cominam as sanções aplicáveis e que subjazem à consagração de prescrições relativas ao exercício de actividades ruidosas.

9. A competência dos órgãos da Administração tem natureza de ordem pública pelo que é irrenunciável. Assim o revela expressamente o art. 29º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei nº 442/91, de 15 de Novembro.

A irrenunciabilidade, seja por forma expressa, seja por forma tácita, à titularidade e ao exercício da competência constitui um corolário do princípio da legalidade da competência.

O órgão administrativo não pode prescindir do uso dos poderes que lhe são legalmente conferidos para a prossecução das atribuições da pessoa colectiva em que se integra.

10. Acresce que a competência é ímodificável, não podendo a Administração alterar o conteúdo ou a repartição da competência estabelecidos por lei (v.d. FREITAS DO AMARAL, Diogo, in Curso de Direito Administrativo, 2ª edição, Vol. I, pp.608).

CONCLUSÕES

De acordo com o exposto, no exercício dos poderes que me são conferidos no artº 20º, n4 1, alínea a), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril, entendo RECOMENDAR a V.Exa. que determine:

A) A instauração por esses serviços regionais de procedimento contra-ordenacional contra a sociedade “Construções Amoreira – Abílio Manuel Barbosa Moreira, Lda.”, ao abrigo das disposições contidas nos artigos 36º, nº 2 e 37º, nº 1, do Regulamento Geral sobre o Ruído, aprovado pelo Decreto-Lei nº 251/87, de 24 de Junho, na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei nº 292/89, de 2 de Setembro, por violação do estatuido no artigo 14º, nº 1, do citado Regulamento.

B) A apreensão dos objectos que tenham servido à prática da infracção, como medida cautelar a tomar no decurso do processo por contra-ordenação nos termos previstos no artigo 83º do Decreto-Lei nº 433/89, de 27 de Outubro, de forma a evitar que a situação de infracção perdure na pendência do procedimento.

C) A notificação da sociedade “Construções Amoreiras -Abílio Manuel Barbosa Moreira, Lda.”, no sentido de adoptar medidas aptas a assegurar que o exercício da actividade industrial reclamada observe as prescrições contidas no Regulamento Geral do Ruído, aprovado pelo Decreto-Lei nº 251/87, de 24 de Junho, na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei nº 292/89, de 2 de Setembro, com fixação de prazo para execução das medidas determinadas.

D) A realização de vistoria, após o decurso do prazo estabelecido, para verificação do cumprimento das condições impostas, nos termos estatuidos no artigo 19º, nº 1 do Decreto Regulamentar nº 25/93, de 17 de Agosto;

E) A comunicação a este órgão do Estado das conclusões da vistoria preconizada no ponto que antecede e de eventuais providências adoptadas por esses serviços regionais no exercício da faculdade atribuída pelo artigo 19º, nº 3 do Decreto Regulamentar nº 25/93, de 17 de Agosto.

0 PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel