Ministro das Finanças

R-241/94
Rec. nº 23/B/95
Data:28.06.95
Área: A2

Assunto:PRIVATIZAÇÕES – ENTIDADES ESTRANGEIRAS RESIDENTES NA UNIÃO EUROPEIA – PARTICIPAÇÃO – PRECEITOS LIMITADORES – ALTERAÇÃO DOS DIPLOMAS RELATIVOS A REPRIVATIZAÇÕES – COMPATIBILIDADE – TRATADO DA UNIÃO EUROPEIA.

Sequência:

1.Verifico, através da análise de vários diplomas legais relativos às reprivatizações de empresas nacionalizadas em Portugal, que contém preceitos limitadores da participação de cidadãos ou sociedades estrangeiros no capital de empresas reprivatizadas, sem excepcionar os residentes na União Europeia, normas estas que entendo serem incompatíveis com várias disposições do Tratado da União Europeia.

2.Como Vossa Excelência compreenderá, considero essa situação inaceitável e violadora dos compromissos assumidos por Portugal aquando da adesão às Comunidades Europeias, sendo, portanto, de toda a urgência a compatibilização daqueles diplomas com o direito comunitário.

A-Investimentos de carteira e investimentos directos

3.Os diplomas relativos às reprivatizações em Portugal violam as disposições do direito comunitário, quer no que respeita aos investimentos directos, quer no que respeita aos investimentos de carteira efectuados em Portugal por entidades residentes ou com sede na União Europeia.

4.No que se refere aos investimentos de carteira, a aquisição de acções negociadas na bolsa – entendidas, de acordo com as notas explicativas às sucessivas directivas de execução do artº 67º do Tratado de Roma , como «os títulos que são objecto de transacções regulamentadas cujas cotações são publicadas» – estes movimentos de capitais já se encontravam completamente liberalizados, em termos comunitários, aquando da adesão de Portugal à, então, Comunidade Económica Europeia.

5.Na verdade, nem nos artºs 221º e seguintes do Tratado de Adesão de Portugal e Espanha, nem em qualquer das directivas supra mencionadas se consagrava norma transitória para Portugal quanto aos investimentos de carteira.

6.Vale isto por dizer que, no que respeita a participação financeira que não assegure o controlo da empresa reprivatizada, Portugal não poderia, à data da adesão, como agora, proceder a qualquer restrição à participação de estrangeiros, na aquisição de acções negociadas na bolsa. E como refere Luís Morais no livro «Privatizações de Empresas Públicas – As Opções de Venda», Edição da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1990, pág. 124, a «aquisição por não residentes de títulos nacionais negociados na Bolsa» corresponde precisamente à forma típica de participação de capital estrangeiro na privatização de empresas portuguesas.

7.Quanto aos investimentos directos, em que está em causa a participação que assegura o controlo da gestão da empresa reprivatizada nos termos do artº 52º do Tratado de Roma, a situação foi objecto de diferente tratamento jurídico.

8.Os investimentos directos são, nos termos das notas explicativas às Directivas supra referenciadas, «os investimentos de qualquer natureza efectuados por pessoas singulares, empresas comerciais, industriais ou financeiras e que servem para criar ou manter relações duradouras e directas entre o investidor e o empresário ou a empresa a que se destinam esses fundos com vista ao exercício de uma actividade económica».

9.Nos termos do artº 222º do Tratado de Adesão de Portugal e Espanha às Comunidades Europeias, até 31 de Dezembro de 1989, Portugal podia manter «um regime de autorização prévia para os investimentos directos, (…) efectuados em Portugal por nacionais de outros Estados membros e relacionados com o exercício do direito de estabelecimento e da livre prestação de serviços(…)».

10.Assim, desde 1 de Janeiro de 1990, até mesmo as limitações relativas aos investimentos directos realizados por cidadãos ou sociedades comunitários em Portugal deveria ter cessado.

B- A legislação comunitária relativa aos movimentos de capitais

11.Quando Portugal aderiu à Comunidade Económica Europeia, em 1 de Janeiro de 1986, vigoravam então, no que respeita aos movimentos de capitais em toda a Comunidade, os artºs 67º a 73º do Tratado da Comunidade Económica Europeia.

12.Podia ler-se no nº 1, do artº 67º:

«Os Estados membros suprimirão progressivamente, entre si, durante o período de transição, e na medida em que tal for necessário ao bom funcionamento do Mercado Comum, as restrições aos movimentos de capitais pertencentes a pessoas residentes nos Estados membros, bem como as discriminações de tratamento em razão da nacionalidade ou da residência das partes, ou do lugar de investimento.»

13.Por se ter entendido que o artº 67º continha uma regra incompleta e condicional, não sendo, portanto, de aplicabilidade directa – por não prescrever uma interdição de pleno direito das restrições aos movimentos de capitais, nem fixar uma data limite para a sua supressão – foi necessário proceder à adopção pelo Conselho de Ministros da Comunidade Europeia das necessárias directivas de aplicação.

14.Adoptaram-se, sucessivamente, as Directivas supra indicadas que permitiram atingir um elevado grau de liberalização dos movimentos de capitais, com vista à criação de um espaço europeu verdadeiramente integrado.

15.O Tratado da União Europeia veio a substituir os artºs 67º a 73º do Tratado de Roma, nos termos do artº 73º A, pelos artºs 73º B a 73º G, os quais entraram em vigor em 1 de Janeiro de 1994.

16.Pode ler-se no artº 73º B:

«No âmbito das disposições do presente capítulo (“Os capitais e os pagamentos”), são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados membros e entre Estados membros e países terceiros».

17.Foram, portanto, liberalizados nesta data todos os movimentos de capitais, agora sem excepções, regra esta que é de aplicabilidade directa, por impor uma obrigação clara, precisa (no sentido de as jurisdições nacionais não poderem suprir uma eventual deficiência da norma) e incondicional (no sentido de não deixar aos Estados membros qualquer margem de apreciação), produzindo, de acordo com a jurisprudência uniforme do Tribunal de Justiça das Comunidades, efeito directo, (no sentido de ser automática a incorporação daquela norma nas ordens jurídicas nacionais, sem necessidade de sujeição a qualquer processo de recepção ou transposição).

C – A legislação portuguesa

Lei nº 84/88, de 20 de Julho

18.Ao arrepio do quadro jurídico comunitário à data em vigor, a Lei nº 84/88, de 20 de Julho, relativa à transformação de empresas públicas em sociedades anónimas, previa na alínea d), do nº 1, do artº 5º, que «o montante de acções a adquirir pelo conjunto de entidades, singulares ou colectivas estrangeiras, ou cujo capital seja detido maioritariamente por entidades estrangeiras, não pode exceder 10% das acções a alienar sob pena de nulidade».

19.Na sequência desta Lei-quadro, foram publicados vários diplomas relativos a operações de reprivatização de empresas que limitavam a participação de estrangeiros. Citam-se, a título de exemplo:

-Decreto-Lei nº 352/88, de 1 de Outubro – relativo à reprivatização do Banco Totta e Açores – participação estrangeira máxima de 10%.
-Decreto-Lei nº 353/88, de 6 de Outubro – relativo à reprivatização da Unicer União Cervejeira S.A. – participação estrangeira máxima de 10%.
-Decreto-Lei nº 109/89, de 20 de Março – relativo à reprivatização da Aliança Seguradora – participação estrangeira máxima de 10%.

20.Em cartas endereçadas ao Governo português, nos termos do artº 169º do Tratado de Roma, nomeadamente na datada de 4/7/94, a Comissão Europeia fez notar que a alínea d), do nº 1, do artº 5º, da Lei nº 84/88, bem como os Decretos-Lei adoptados para sua aplicação, ultrapassavam já as medidas que Portugal estava autorizado a aplicar transitoriamente pelo Acto de Adesão, uma vez que não constituíam uma simples autorização ao investimento mas, pelo contrário, um entrave aos investimentos realizados em Portugal por operadores comunitários não portugueses, sempre que assegurassem uma participação social superior a 10% do capital das empresas, sob pena de nulidade da operação em causa.

21.Este diploma legal era, já então, incompatível com o direito comunitário também no que se refere a participação que não assegure o controlo da empresa reprivatizada às pessoas singulares residentes e às sociedades com sede na CEE – investimentos de carteira -, na medida em que não permitia que aquela participação fosse superior a 10%.

Lei nº 11/90, de 5 de Abril

22.Posteriormente, a Lei nº 84/88 veio a ser revogada pela nova Lei-quadro das privatizações – Lei nº 11/90, de 5 de Abril. Este diploma legal prevê no seu artº 13º, nº 3, que: «O diploma que operar a transformação poderá ainda limitar o montante das acções a adquirir ou subscrever pelo conjunto de entidades estrangeiras, ou cujo capital seja detido maioritariamente por entidades estrangeiras, bem como fixar o valor máximo da respectiva participação no capital social e correspondente modo de controlo, sob pena de venda coerciva das acções que excedam tais limites, ou perda do direito de voto conferido por essas acções, ou ainda de nulidade de tais aquisições ou subscrições, nos termos que forem determinados».

23.Como se pode ler no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 71/90, de 21 de Março de 1990 – processo nº 68/90, publicado no B.M.J. nº 395, págs. 135 e seguintes: «Esta Lei-quadro das privatizações é concebida como uma norma sobre a produção normativa (…) destinada a desempenhar uma função habilitante, na medida em que constitui pressuposto da prática, pelo governo, dos actos normativos da reprivatização de cada empresa pública ou nacionalizada (…) e dotada de uma primariedade material e hierárquica (…)».
«(…)Por outro lado trata-se de uma lei ordenadora ou de enquadramento de um processo normativo composto por um conjunto de actos nela previstos e a ela subordinados, a praticar pelo governo, e nisto consistirá a sua função habilitante e simultaneamente conformadora».

24.Assim, vários diplomas legais regulamentadores da reprivatização de empresas públicas utilizaram a faculdade que lhes era conferida pelo artº 13º daquele diploma.

25.Citam-se, a título de exemplo:

.Decreto-Lei nº 170-A/90, de 26 de Maio – relativo à reprivatização da UNICER – União Cervejeira, S.A. – participação estrangeira máxima de 20% do capital.
.Decreto-Lei nº 170-B/90, de 26 de Maio de 1990 relativo à reprivatização do Banco Totta & Açores – participação estrangeira máxima de 25%.
.Decreto-Lei nº 348/90, de 5 de Novembro relativo à privatização da Aliança Seguradora S.A. – participação estrangeira máxima de 30%.
.Decreto-Lei nº 321-A/90, de 15 de Outubro relativo à privatização do Banco Português do Atlântico – participação estrangeira máxima de 5%.
.Decreto-Lei nº 138-A/91, de 9 de Abril relativo à privatização da Sociedade Financeira Portuguesa – participação estrangeira máxima de 33%.
.Decreto-Lei nº 140/91, de 10 de Abril – relativo à reprivatização da Companhia de Seguros Bonança – participação estrangeira máxima de 5%.
.Decreto-Lei nº 165/91, de 7 de Maio – relativo à reprivatização do Banco Espírito Santo & Comercial de Lisboa – participação estrangeira máxima de 5%.
.Decreto-Lei nº 182/91, de 14 de Maio – relativo à reprivatização do Banco Fonsecas & Burnay – participação estrangeira máxima de 35%.
.Decreto-Lei nº 196/91, de 29 de Maio – relativo à reprivatização da Rodoviária Nacional – participação estrangeira máxima de 30%.
.Decreto-Lei nº 353/91, de 20 de Setembro – relativo à reprivatização da Petrogal, Petróleos de Portugal – participação estrangeira máxima de 40%.
.Decreto-Lei nº 2/92, de 14 de Janeiro – relativo à reprivatização da Companhia de Seguros Mundial Confiança – participação estrangeira máxima de 25%.
.Decreto-Lei nº 68/92, de 27 de Abril – relativo à reprivatização da Companhia de Seguro de Créditos – participação estrangeira máxima de 35%.
.Decreto-Lei nº 147/92, de 21 de Julho – relativo à reprivatização da Companhia de Seguros Bonança – participação estrangeira máxima de 5%.
.Decreto-Lei nº 173-A/92, de 12 de Agosto – relativo à reprivatização da Companhia de Seguros Império – participação estrangeira máxima de 35%.
.Decreto-Lei nº 199/92, de 23 de Setembro – relativo à reprivatização do Crédito Predial Português – participação estrangeira máxima de 25%.
.Decreto-Lei nº 266/93, de 31 de Julho – relativo à reprivatização do Banco Totta & Açores – participação estrangeira máxima de 25%.

26.À data da publicação da Lei nº 11/90, de 5 de Abril, o regime de autorização necessário aos investimentos, como se referiu, já deveria ter cessado, considerando a Comissão, na carta acima mencionada, que os investimentos directos deveriam ter sido objecto de liberalização incondicional, pelo que o artº 13º, nº 3, da Lei nº 11/90, bem como os Decretos-Lei subsequentes adoptados em sua aplicação, acabam por repetir a assinalada infracção ao direito comunitário.

27.É óbvia, também, a incompatibilidade destas normas com o direito comunitário em relação aos investimentos de carteira, já que continuam a admitir limitações à possibilidade de participação de estrangeiros residentes na Comunidade, no capital social das empresas privatizadas.

Decreto-Lei nº 65/94, de 28 de Fevereiro

28.Posteriormente, através do Decreto-Lei nº 65/94, de 28 de Fevereiro, vem determinar-se que a limitação à participação de estrangeiros no capital das sociedades cujo processo de reprivatização tenha sido concluído, seja de 25%, excepto se o diploma de reprivatização fixar um limite mínimo superior.

29.Mais uma vez, também este diploma é incompatível com o direito comunitário, na medida em que não excepciona, tal como os anteriores, os não nacionais considerados residentes na União Europeia.

D – Primado do Direito Comunitário

30.Todos estes diplomas são, assim, susceptíveis de contrariar o princípio do primado das normas comunitárias sobre o direito interno e, como refere Mota de Campos in «Direito Comunitário», II Volume, Fundação Calouste Gulbenkian, 4ª edição, pág. 392, Portugal obrigou-se «no Tratado de Adesão – como se comprometera já a fazê-lo na fase das negociações- a acatar sem reservas a primazia do direito comunitário, nos termos definidos pelo Tribunal das Comunidades Europeias».

31.Aliás, como acrescenta o mesmo autor, a Constituição Portuguesa é favorável «à aceitação da primazia do direito comunitário, nos termos constantes do nº 3, do artº 8º, redigido precisamente na perspectiva da adesão de Portugal às Comunidades Europeias».

32.O princípio do primado do direito comunitário foi nomeadamente desenvolvido no Acórdão Costa-Enel, de 15/7/1964 do Tribunal de Justiça das Comunidades. Aí o primado é enunciado como exigência da própria ordem jurídica da Comunidade. Refere-se nesse Acórdão que:

«(…) o Tratado CEE institui uma ordem jurídica própria, integrada no sistema jurídico dos Estados membros após a entrada em vigor do Tratado e que se impõe às suas jurisdições»;

«(…)a integração no Direito de cada país membro, de disposições provenientes de fonte comunitária e mais genericamente os termos e o espírito do Tratado, têm como corolário a impossibilidade de os Estados fazerem prevalecer, contra uma ordem jurídica aceite por eles numa base de reciprocidade, qualquer medida unilateral posterior que desta forma não lhes poderá ser oposta».(Citações reproduzidas do Livro «Acórdãos Notáveis do Tribunal de Justiça (C.E.), Europa Editora, 1993, pág. 85.)

Vale isto por dizer que as normas portuguesas em causa na medida em que violam normas do Tratado, contrariam o princípio do primado do direito comunitário que Portugal se comprometeu a acatar.

33.E violam nomeadamente,

a) O princípio respeitante ao tratamento nacional a estrangeiros, constante do artº 221º do Tratado. Dispõe esse artigo:

«No prazo de três anos a contar da data da entrada em vigor do presente Tratado, os Estados membros concederão aos nacionais dos outros Estados membros, o mesmo tratamento que aos seus próprios nacionais, no que diz respeito à participação financeira daqueles no capital das sociedades, na acepção do artº 58º (sociedade de direito civil ou comercial, incluindo as sociedades cooperativas e as outra pessoas colectivas de direito público ou privado, com excepção das que não prossigam um fim lucrativo), sem prejuízo da aplicação das outras disposições do presente Tratado».

Esta norma, por impor uma obrigação clara, precisa e incondicional, produz efeito directo, no sentido de ser automática a sua incorporação na ordem jurídica nacional, sem sujeição, portanto, a qualquer processo de recepção ou transposição.

b) Princípio geral da não discriminação em razão da nacionalidade – previsto no actual artº 6º do Tratado. Dispõe este artº 6º:

«No âmbito da aplicação do presente Tratado, e sem prejuízo das suas disposições especiais é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade».

Igualmente este artigo já foi considerado «directamente aplicável» pelo Acórdão Kenny de 28/6/1978, Proc. nº 1/78 do mesmo Tribunal, citado por Mota de Campos na obra supra referenciada, II Volume, pág. 246.

c) O artº 52º do Tratado de Roma que prevê:

«No âmbito das disposições seguintes, suprimir-se-ão gradualmente as restrições à liberdade de estabelecimento dos nacionais de um estado membro no território outro estado membro», entendendo-se por liberdade de estabelecimento «tanto o acesso às actividades não assalariadas e o seu exercício, como a constituição e gestão de empresas e designadamente de sociedades na acepção do segundo parágrafo do artº 58º, nas condições definidas na legislação do país de estabelecimento, sem prejuízo do disposto no capítulo relativo aos capitais».

d) O actual artº 73º-B, nº 1, do Tratado da União Europeia. Prevê-se neste artigo que:

«No âmbito das disposições do presente capítulo (“Os capitais e os pagamentos”), são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados membros e entre Estados membros e países terceiros».

E – Posição da Comissão Europeia

34.Por várias vezes a Comissão Europeia chamou a atenção do Governo português, através do mecanismo previsto no artº 169º do Tratado da União Europeia, para o facto de as normas constantes de diplomas relativos às reprivatizações serem incompatíveis, na matéria em apreço, com o direito comunitário.

35.Ainda antes da entrada em vigor do Tratado de Maastricht, em carta datada de 9/3/92, a Comissão fazia notar ao Governo português que todas as disposições legais respeitantes às reprivatizações portuguesas, e que tinham sido levadas ao conhecimento da Comissão até Março de 1992 – Lei nº 84/88, de 20 de Junho, Decreto-Lei nº 352/88, de 1 de Outubro, Lei nº 11/90, de 5 de Abril, e Decreto-Lei nº 179-B/90, de 26 de Maio – incluíam normas consideradas «não conformes à legislação comunitária».

36.A Comissão Europeia referia, em especial, que:

a) «não eram compatíveis com o direito de estabelecimento, tal como consagrado no artº 52º do Tratado de Roma»;

b) «as disposições portuguesas resultam também numa restrição à livre circulação de capitais imposta nos termos do artº 67º do Tratado da CEE e executado pela Primeira Directiva do Conselho de 11 de Maio de 1980, com a redacção que lhe foi dada pela Directiva nº 86/566/CEE, de 17 de Novembro de 1986 e, desde Julho de 1990, pela Directiva 88/361/CEE, de 24 de Julho de 1988».

A interpretação da Comissão em relação a este artigo era a de que Portugal só poderia restringir a aquisição por não residentes de valores mobiliários nacionais nos casos em que essas acções não fossem negociadas em bolsa e, mesmo neste caso, só se essa restrição não estivesse em vigor à data da notificação da directiva – não se encontrando preenchida nenhuma desta condições.

37.O Governo português respondeu então à Comissão Europeia, em síntese, que:

-o processo em curso em Portugal é um processo de reprivatizações em relação a empresas nacionalizadas na sequência da Revolução de 25 de Abril de 1974;

-no processo de nacionalizações tinham sido expressamente salvaguardados os capitais estrangeiros;

-o direito português não coloca qualquer espécie de obstáculos à criação e gestão de empresas por parte de estrangeiros, em especial de nacionais de outros Estados membros da Comunidade, nos sectores de actividade em que se integram as empresas a reprivatizar;

-as reprivatizações constituem um elemento essencial na consolidação da estrutura empresarial portuguesa, profundamente afectada pelas referidas nacionalizações;

-as reprivatizações permitem uma maior liberalização dos mercados e da economia e a plena integração de Portugal no processo de criação da União Europeia;

-a experiência decorrente de operações de privatizações realizadas em outros Estados membros da Comunidade Europeia, nomeadamente Grã-Bretanha e França;

-na Lei-quadro das privatizações não se estabeleceram imperativamente limites nas acções a adquirir por entidades estrangeiras, tratando-se de uma mera faculdade;

-nos casos específicos em que foram estabelecidos limites, o Governo teve em conta «não só as condições discriminatórias em que foram nacionalizadas as empresas que agora são objecto de reprivatização, mas também os regimes em que foram aplicados noutros Estados membros da Comunidade Europeia relativamente a privatizações de empresas públicas».

38.O Governo português admite, porém, que:

-as restrições impostas nos actos de reprivatizações não se devem manter sem limites no tempo – excepto nos casos de aplicação dos artºs 55º, 56º, e 223º do Tratado CEE;

-a data adequada para a eliminação de tais restrições é 1 de Janeiro de 1999, que coincide com o limite temporal consagrado no Tratado de Maastricht relativamente à adopção definitiva da moeda única.

Estes argumentos, de carácter eminentemente político e económico são, aliás, idênticos aos remetidos a esta Provedoria de Justiça pelo Ministério das Finanças, por ofício nº 1576, de 12 de Junho de 1992.

39.Em carta datada de 5 de Agosto de 1992, a Comissão Europeia limita-se a reiterar a incompatibilidade das normas internas do direito português com o direito comunitário nos termos expostos anteriormente. E convida o Governo português a comprometer-se a que os limites previstos na lei portuguesa não sejam aplicados nem nos casos em que uma reprivatização assegura o controlo e gestão de uma empresa reprivatizada, nem no caso em que esse controlo não é garantido.

40.O Governo português responde, reiterando a sua posição e não admitindo qualquer alteração da lei vigente.

41.Em 28 de Outubro de 1992, a Comissão responde que o Governo português �não abalou a nossa convicção de que estas restrições constituem de facto uma violação clara da legislação comunitária, uma vez que os residentes comunitários fora de Portugal não são livres de basear as suas decisões de investimento em considerações económicas, contudo o conceito de mercado único implica exactamente este tipo de liberdade�. E mais uma vez solicita ao Governo português que efectue as alterações necessárias à legislação portuguesa.

42.Em carta datada de 21 de Março de 1993, Portugal limita-se a reiterar a sua anterior posição, comprometendo-se apenas a promover a fixação de um termo resolutivo para as restrições à participação de estrangeiros residentes na União Europeia que poderia coincidir com o final da segunda fase da União Económica e Monetária.

43.Em 4 de Julho de 1994, a Comissão Europeia volta a chamar a atenção do Governo português para a incompatibilidade das disposições internas portuguesas com o direito comunitário, já que aquelas limitam a participação das entidades estrangeiras comunitárias no capital de certas sociedades portuguesas.

44.Em resposta a esta carta da Comissão Europeia, o Governo reitera a sua posição, acrescentando ter informado a Comissão e assumido o compromisso formal de que nas operações de reprivatização ainda por realizar não seriam impostos quaisquer limites à aquisição de acções com base na nacionalidade dos investidores, a não ser que justificadas por normas específicas de direito comunitário como, por exemplo, os artºs 55º, 56º e 223º do Tratado CEE. E adianta que as reprivatizações do Banco Pinto e Sotto Mayor, Secil/CMP, Cimpor, Rodoviária da Estremadura e Siderurgia Nacional, comprovam o respeito pelos compromissos assumidos.

45.Face a estes argumentos, não posso, porém, deixar de fazer notar a Vossa Excelência que:

-apesar de, efectivamente, os últimos diplomas relativos às reprivatizações não consagrarem medidas restritivas à participação de estrangeiros, o mesmo não se passa com os diplomas anteriores relativos às mesmas operações concluídas ou em curso, que continuam a limitá-la, sem excepcionar os nacionais da União Europeia;

-que a Lei-quadro das privatizações, apesar do compromisso assumido pelo Governo português perante a Comissão Europeia de não usar nas futuras reprivatizações a faculdade que lhe é concedida pelo disposto nº 3, do artº 13º, mantém esta disposição em vigor, para todos os efeitos, na ordem jurídica interna portuguesa, nada impedindo, portanto, que o Governo se venha a servir dela quando bem entender, mesmo ao arrepio do referido compromisso;

-que todos os argumentos fornecidos à Comissão Europeia e mesmo a este órgão de Estado se baseiam em considerandos de carácter estritamente de natureza política, e não em considerandos de carácter jurídico, sem nunca contestar, portanto, a incompatibilidade das referidas normas internas com o direito comunitário.

46.Assim, e considerando que as normas supra citadas são incompatíveis com os artºs 6º e 221º, e 52º, 58º, 67º e seguintes do Tratado de Roma e com os artº 221º a 231º do Acto de Adesão de Portugal às Comunidades Europeias, bem como, actualmente, com os artº 73 e seguintes do Tratado CEE com a redacção que lhe foi introduzida pelo Tratado da União Europeia,

RECOMENDO:

que, ao abrigo do disposto do nº 1, do artº 170º da Constituição da República Portuguesa seja promovida a revogação, por incompatíveis com a legislação comunitária das seguintes normas e diploma:

a)O nº 3, do artº 13º, da Lei nº 11/90, de 5 de Abril;

b)Todas as normas constantes dos diplomas relativos às reprivatizações que restrinjam a participação de entidades estrangeiras residentes ou com sede na União Europeia, quer tenham sido publicadas ao abrigo da Lei nº 11/90, de 5 de Abril, quer da Lei nº 84/88, de 29 de Junho;

c)O Decreto-Lei nº 65/94, de 18 de Fevereiro.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel