Governador Civil do Distrito de Lisboa
Processo:R-1392/95
Número: 87/A/96
Data:23.10.1996
Área: A1

Assunto:AMBIENTE – ESTABELECIMENTO SIMILAR – REGIME JURÍDICO DE ESTABELECIMENTO HOTELEIROS E SIMILARES – LICENÇA DE UTILIZAÇÃO – MEDIDAS DE POLÍCIA.

Sequência:Sem resposta

I-Exposição de Motivos

1. No âmbito de processo em curso na Provedoria (processo n.º R-1975/92) e na sequência de pedido de esclarecimentos formulado, manifestou o Governo Civil do Distrito de Lisboa entendimento nos termos do qual, as recentes alterações legislativas que os Decretos-Lei n.ºs 316/95, de 28 de Novembro, e 327/95, de 5 de Dezembro, consubstanciam, provocaram a perda de competência do Governador Civil “para determinar o encerramento dos estabelecimentos similares de hoteleiros, que se encontrem abertos ao público sem o necessário licenciamento”, que lhe fora atribuída pelos regulamentos policiais.

2. De acordo com a opinião perfilhada, o poder do Governador Civil ordenar o encerramento de estabelecimentos similares subsiste tão só nos casos previstos no art.º 48.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 316/95, de 28 de Novembro, nos termos do qual pode o Governador Civil aplicar a medida de polícia de encerramento de salas de dança e estabelecimentos de bebidas cujo funcionamento acarrete perigo para a manutenção da ordem, da segurança ou da tranquilidade pública, já que a publicação do Decreto-Lei n.º 316/95 terá determinado a caducidade dos regulamentos de polícia e o Decreto-Lei n.º 327/95 terá revogado o Decreto-Lei n.º 328/86, de 30 de Setembro, tendo cessado, assim, a vigência das disposições constantes dos citados diplomas atributivas da faculdade de decidir o encerramento daqueles estabelecimentos.

3. O Decreto-Lei n.º 316/95 alterou o Estatuto dos Governadores Civis, conferindo nova redacção aos artigos 2.º, 4.º, 7.º e 24.º do Decreto-Lei n.º 252/92, de 19 de Novembro, e aprovou o regime jurídico do licenciamento das actividades contempladas no art.º 1.º.
3.1. Dispunha o art.º 4.º, n.º 3, al. c), do Decreto-Lei n.º 252/92, de 19 de Novembro, que aprovou o Estatuto dos Governadores Civis, competir-lhes, no exercício de funções de polícia, a elaboração de regulamentos distritais, a aprovar pelo Governo, designadamente por despacho do Ministro da Administração Interna, sobre matérias da sua competência policial que não sejam objecto de lei ou regulamento geral.
3.2. Esta norma foi expressamente revogada pelo art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 316/95, de 28 de Novembro, correspondendo ao acolhimento de Recomendação formulada pelo Provedor de Justiça, preceituando o actual art.º 4.º, n.º 3, al. d), que:
“Compete ao governador civil, no exercício de funções de polícia, propor ao Ministro da Administração Interna a elaboração dos regulamentos necessários à boa execução das leis que estabelecem o modo de exercício das suas competências”.
3.3. Compete igualmente ao Governador Civil, de acordo com a nova redacção conferida ao art.º 4.º, n.º 3, al. c), do Decreto-Lei n.º 252/92, no exercício daquelas funções, assegurar a observância das leis e regulamentos. Esta faculdade foi aditada ao elenco das funções policiais do Governador Civil pelo Decreto-Lei n.º 316/95, de 28 de Novembro.

4. O Decreto-Lei n.º 327/95, de 5 de Dezembro, diploma que iniciou a sua vigência em 1 de Janeiro de 1996, aprovou o regime jurídico da instalação e funcionamento dos empreendimentos turísticos, dispondo, em especial, sobre o regime de cada tipo de estabelecimento turístico, em regulamentos anexos.
O Decreto-Lei n.º 328/86, de 30 de Setembro, fora objecto de revogação nos termos estipulados no art.º 16.º, n.º 1, al. g), mantendo-se no entanto a sua aplicação aos projectos de empreendimentos turísticos que integrem as previsões da al. a) e b), do n.º 1, do art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 327/95 (projectos reportados a estabelecimentos a instalar em municípios sem plano director municipal eficaz, e projectos em apreciação nas câmaras municipais ou na Direcção-Geral do Turismo em 1 de Janeiro de 1996).

5. As alterações vindas de citar não prejudicam o exercício das competências que o Decreto-Lei n.º 328/86 e os regulamentos policiais, em desenvolvimento do regime ali previsto, cometeram aos governadores civis .
5.1. Recusada a ratificação do Decreto-Lei n.º 327/95 de 5 de Dezembro, e expressamente repristinado o regime do Decreto-Lei n.º 328/86, não restam dúvidas, a meu ver, acerca da afirmação dos poderes dos governadores civis quanto ao licenciamento da indústria hoteleira e similar.
a) Dispõem os governadores civis de superintendência técnica sobre aquele sector, competindo-lhes proceder à emissão de alvará de licença de abertura quanto aos estabelecimentos hoteleiros e similares dos hoteleiros, nos termos definidos nos regulamentos policiais distritais (na parte em que estes não caducaram), e como poderes instrumentais de tal faculdade, coordenar os respectivos processos licenciatórios, vistoriar os estabelecimentos, recolher pareceres e autorizações das demais entidades que intervêm no procedimento licenciatório.
b) O exercício de tais poderes processa-se nos termos prescritos em regulamento (cfr. art.º 37.º, n.º 1, art.º 38.º, n.º 1, e art.º 83.º do Decreto-Lei n.º 328/86, de 30 de Setembro), constituindo as disposições dos regulamentos de polícia distritais, em matéria de exercício da actividade hoteleira e similar, normas que desenvolvem o regime fixado pelo Decreto-Lei n.º 328/86.
c) Prevêem aqueles regulamentos o poder dos governos civis aprovarem os horários de funcionamento de estabelecimentos hoteleiros e similares, outorgando, a par da licença de abertura, a licença de funcionamento e o poder de determinarem o encerramento dos estabelecimentos similares e hoteleiros, designadamente quando o seu funcionamento não obedeça aos requisitos prescritos por lei ou regulamento, e quando os mesmos mantenham o exercício de actividade não licenciada.
5.2. Especial referência merece a competência prevista no art.º 55.º do Decreto-Lei n.º 328/86, de 30 de Setembro, o qual confere aos governos civis o poder de determinar o encerramento dos estabelecimentos citados ou de partes individualizadas dos mesmos, quando lhes seja dirigida comunicação fundamentada pela Direcção-Geral do Turismo, Câmara Municipal respectiva ou Direcção-Geral dos Espectáculos, nos casos em que o funcionamento do estabelecimento lese interesses públicos que àquelas entidades, cumpra, em especial, acautelar.
5.3. Também a interdição consagrada no art.º 36.º, n.º 1, al. b), do citado Decreto-Lei, quanto aos estabelecimentos cuja actividade aquele diploma se propõe regular, de iniciar exploração sem que a mesma se mostre autorizada, na sequência de vistoria, pelo Governo Civil, habilitará, em minha convicção ordem de encerramento do Órgão do qual V.ª Ex.ª é titular, com fundamento em funcionamento não autorizado, em desrespeito da proibição legal.
5.4. A medida de polícia de encerramento comporta suficiente densificação e conteúdo na letra do preceito enunciado, cuja observância cumpre ao Governador Civil precaver, determinando, a cessação da exploração exercida, de forma a obstar à perduração da situação de infracção.

6. O regime introduzido pelo Decreto-Lei n.º 316/95, de 28 de Novembro, não determinou a perda de competências de encerramento dos Governadores Civis, salvo nos casos em que o seu exercício envolva a aplicação de medida de polícia desprovida de suporte legal.
a) A nova redacção do art.º 4.º, n.º 5, do Estatuto dos Governadores Civis, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 328/86, comete-lhes poderes para proceder à aplicação das medidas de polícia previstas na lei.
b) As disposições contidas em regulamento policial que atribuam poderes de encerramento e se dirigem à mera prevenção de comportamentos ilícitos, não possuindo natureza sancionatória, e que violem os princípios da legalidade e da tipicidade das medidas de polícia, devem ter-se por revogadas, porquanto pretendeu o legislador circunscrever a competência dos governadores civis conexionada com a aplicação de medidas de polícia, restritivas dos direitos, liberdades e garantias, aos casos definidos por acto legislativo, em obediência ao princípio da precedência de lei. Foi essa uma das principais preocupações que manifestei ao Governo e à antecessora de V.ª Ex.ª.

7. A revogação do art.º 4.º, n.º 3, al. c), do Decreto-Lei n.º 252/92, de 19 de Novembro, não constitui, a meu ver, motivo de caducidade da totalidade do corpo de normas que compõem os regulamentos policiais.
a) De entre as disposições vertidas nos regulamentos distritais, importará destrinçar, a fim de apurar quanto ao alcance da mencionada revogação, as que versam sobre matérias da competência policial dos governadores civis, não disciplinadas por lei ou regulamento, e as que estão directa e imediatamente ligados a uma determinada lei que se propõem executar.
b) Com efeito, quanto às disposições complementares de lei ou regulamento, não se escoram os regulamentos policiais em vigor à data da publicação do Decreto-Lei n.º 316/95, no preceito contido no art.º 4.º, n.º 3, al. c), do Decreto-Lei n.º 252/92, ora revogado, o qual concedia aos governadores civis competência para a elaboração de regulamentos distritais independentes, tão só.
c) Repristinado o Decreto-Lei n.º 328/86, de 30 de Setembro, mantêm os regulamentos policiais plena vigência no que toca às normas que integram o corpo do regulamento e que se propõem executar aquele diploma. São, nesta estrita medida, regulamentos de execução.
d) Não perdura a aplicabilidade das disposições dos regulamentos policiais que estatuem sobre matéria regulada em anexo ao Decreto-Lei n.º 316/95, as quais, se propõem disciplinar autonomamente determinadas actividades, não revestindo conexão com uma lei específica.
e) Entende a melhor doutrina que a força vinculante de um regulamento autónomo cessa por motivo da publicação posterior de uma lei sobre a mesma matéria, bem como pela cessação da competência regulamentária da autoridade que o elaborou (Caetano, Marcello, Manual de Direito Administrativo, volume I, p.111).
f) Nem se compaginarão tais disposições com a disciplina que o Decreto-Lei n.º 316/95 de 28 de Novembro, fixou. Assim sucederá quanto ao licenciamento das actividades de guarda-nocturno, venda ambulante de lotarias, arrumador de automóveis, realização de acampamentos ocasionais, exploração de máquinas automáticas, mecânicas, eléctricas e electrónicas de diversão, realização de espectáculos desportivos e de divertimentos públicos nas vias, jardins e demais lugares ao ar livre, venda de bilhetes para espectáculos ou divertimentos públicos em agências ou postos de venda, realização de fogueiras e queimadas e realização de leilões.
g) Merece aplicação o princípio da prevalência da lei sobre o regulamento, em virtude do qual os regulamentos existentes ficam revogados pelo aparecimento de uma lei que estatua contrariamente às suas disposições (vd. ob. cit., p. 96).

II-Conclusões

De acordo com a motivação exposta, devo exercer a faculdade que me é conferida no art.º 20, n.º 1, al. a), do Estatuto do Provedor de Justiça, aprovado pela Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, e, como tal,RECOMENDO:

a V.ª Ex.ª que determine o encerramento do estabelecimento similar de café sito na Av.ª Castelo Branco, n.º 16, R/C Dt.º, Buraca, Amadora, por manter funcionamento não licenciado pelo Governo Civil, em infracção ao estatuído no art.º 36.º, n.º 1, al. b), do Decreto-Lei n.º 328/86, de 20 de Setembro.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel