Ministro da Educação

Rec. n.º 69/A/00
Proc.: R-2334/00
Data: 05-12-00
Área: A 3

Assunto: FUNÇÃO PÚBLICA. ACIDENTE EM SERVIÇO NÃO QUALIFICADO.

Sequência: Acatada

1.A Senhora …, Professora de Educação Física, do quadro de nomeação definitiva da Escola Secundária …, dirigiu-me uma reclamação relativa à não qualificação do acidente de que foi vítima como tendo sido em serviço e, consequentemente, ao não reconhecimento do período de tempo em que esteve impedida de exercer a sua actividade como tempo efectivo de serviço.
A instruir a sua reclamação, juntou cópia do respectivo processo e, nomeadamente, da Informação n.º … da Direcção Geral da Administração Educativa, datada de 16.08.99, sobre a qual recaiu despacho de concordância, exarado pelo antecessor de Vossa Excelência em 3.11.99, indeferindo a pretensão da reclamante.
Salvo o devido respeito, não posso, de forma alguma, concordar com o entendimento que ali é perfilhado. Vejamos:

2.Da análise daquele processo resulta a seguinte matéria de facto relevante para a apreciação deste caso:

2.1. No dia 6.01.98, durante a leccionação de uma aula prática de ténis, a reclamante sentiu uma dor aguda no cotovelo direito que, por momentos, lhe condicionou a mobilidade de articulação, muito embora tal incidente não a tenha impedido de assegurar a continuidade dessa aula, bem como da seguinte.

2.2. De igual modo, assegurou a leccionação das aulas no dia 7.01.98, mantendo-se, não obstante, o condicionamento da mobilidade da articulação, com aumento da intensidade da dor.

2.3. Por essa razão, no dia 8.01.98, depois de cumprido o seu horário de trabalho e após marcação prévia, compareceu a reclamante a uma consulta de fisiatria, na qual lhe foi diagnosticada uma “epicondilite direita” e aconselhada a interromper a actividade profissional.

2.4. Impossibilitada de comunicar tal facto à Escola, nesse próprio dia, em virtude da respectiva Secretaria já se encontrar encerrada, dado o adiantado da hora a que terminou a referida consulta, não deixou, contudo, a reclamante de o fazer, pessoalmente, à Senhora Presidente da Comissão Executiva Instaladora, na manhã do dia 9.01.98, preenchendo, de seguida, toda a documentação relativa ao processo de acidente em serviço.

2.5. Em 12.01.98, faltou pela primeira vez ao serviço, com base em baixa por doença, que lhe foi passada pelos serviços de ortopedia do Hospital de S. José. Após conclusão dos tratamentos de fisioterapia, em 2.04.98, foi-lhe concedida a respectiva alta.

2.6. Através do ofício de 20.11.98, a Senhora Coordenadora do Centro da Área Educativa da Grande Lisboa remete à Escola cópia do ofício da Secretaria-geral do Ministério das Finanças, datado de 2.11.98, através do qual é devolvido o processo da reclamante por não ter sido dado cumprimento ao preceituado no art. 5º do Decreto-Lei nº 38.523 de 23.11.51.

2.7. Em 17.12.98, a reclamante requer a reapreciação do seu processo à Senhora Coordenadora do Centro da Área Educativa da Grande Lisboa, tendo o seu pedido sido remetido a coberto do de 7.01.99, da Senhora Presidente da Comissão Executiva Instaladora da Escola, com parecer em sentido favorável à pretensão da reclamante. Em resposta, é comunicado à reclamante, pelo ofício de 22.04.99, não ser possível alterar o despacho da Secretaria-geral do Ministério das Finanças a não ser por recurso hierárquico à respectiva tutela.

2.8. Consequentemente, em 20.04.99, a reclamante dirige requerimento ao Senhor Director Regional de Educação de Lisboa, através do qual solicita a consideração de todo o tempo em que esteve impedida de exercer actividade profissional, em virtude do acidente de que foi vítima, como tempo efectivo de serviço.

2.9. Por ofício de 15.11.99, a Direcção Regional de Educação de Lisboa informa a reclamante de que por despacho, datado de 3.11.99, proferido pelo então Senhor Ministro da Educação foi indeferido o seu pedido, com os fundamentos constantes da Informação n.º …/99-DSAJC.

3.Em causa está, essencialmente, a questão de saber se foi feita ou não, em tempo, a participação do acidente de que a reclamante foi vítima e se o processo foi convenientemente tratado. Com efeito, a análise daquela Informação permite concluir que o fundamento da decisão de não qualificação do acidente se baseia, tão só, no facto de reclamante não ter procedido, dentro dos prazos legais, à comunicação do mesmo.
Ora, à data em que ocorreu aquele acidente – Janeiro de 1998 -, o regime legal aplicável aos acidentes em serviço dos servidores do Estado subscritores da Caixa Geral de Aposentações, achava-se previsto no Decreto-Lei n.º 38 523, de 23 de Novembro de 1951, sendo, por isso, este o regime aplicável à situação da reclamante.

Nos termos daquele regime, deve o acidentado, nas quarenta e oito horas seguintes ao acidente, comunicar por escrito a ocorrência ao chefe ou dirigente do serviço de que depender, o qual, por sua vez, deverá levantar um auto de notícia e participar superiormente o acidente, tendo em vista a sua eventual qualificação.

Todavia, afigura-se evidente que o prazo estabelecido no artigo 5.º do citado diploma legal, não se aplica, nos termos ali previstos, aos casos em que a lesão resultante de acidente só é integralmente conhecida em momento posterior a este. Aliás, o Regulamento dos Acidentes de Trabalho (Decreto-Lei n.º 360/71, de 21 de Agosto), em vigor àquela data (que não é aplicável directamente aos subscritores da Caixa Geral de Aposentações, mas sim por analogia no que concerne às situações não expressamente previstas no Decreto-Lei n.º 38 523, de 23 de Novembro de 1951), ao regular a participação do acidente, distingue claramente as situações em que a lesão é revelada ou reconhecida em data posterior à do acidente (art.º 14.º, n.º 3). E aproveita-se para definir, ali, o próprio conceito do termo “lesão”, como sendo “lesão, perturbação funcional ou doença, quer profissional, quer consequente de acidente de trabalho” [cfr. alínea d) do art.º 2.º].

Mas se dúvida houvesse sobre o sentido e alcance/interpretação do preceito em questão, a mesma veio a ser, inequivocamente, removida por força do disposto nos artigos 7.º, n.º 4 e 8.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, que estabeleceu o novo regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais ocorridas ao serviço da Administração Pública e que entrou em vigor em 01.05.00. Na verdade, o legislador sentiu a necessidade de esclarecer e especificar que, neste âmbito, podem também ser qualificados como acidentes em serviço as situações em que a lesão ou doença se venham a manifestar em momentos posterior ao incidente e em que se comprove a existência do respectivo nexo de causalidade, casos em que o prazo para a participação do acidente se conta a partir da comprovação clínica da respectiva lesão.

Por outro lado, na apreciação do caso que nos ocupa, assume particular relevância a própria natureza da disciplina leccionada pela reclamante, factor que não parece ter sido levado em consideração na informação jurídica que sustentou a decisão do antecessor de Vossa Excelência. Na verdade, tratando-se de uma professora de educação física não é natural que a mesma, cada vez que sofra um pequeno incidente, sem gravidade evidente, se apresse a comunicar tal facto ao serviço com vista à respectiva qualificação como acidente em serviço. E, com efeito, compreensível que a reclamante não tenha realizado imediatamente comunicação escrita de um incidente que lhe provocou uma dor aguda no cotovelo direito, dor essa que, apesar de lhe ter condicionado por momentos a mobilidade de articulação, não a impediu de assegurar a continuidade da aula, e que só tenha solicitado a elaboração de auto de notícia quando lhe foi diagnosticada, após consulta de fisiatria, uma “epicondilite direita”.

E não se diga, como parece resultar da Informação n.º …/99-DSAJC (cfr. pontos 46 a 54), que a “lesão” em consequência do referido acidente se tenha manifestado de imediato. Na verdade, muito embora a médica da reclamante tenha atestado que foi durante a realização de uma aula, no dia 6.01.98, que a mesmo sofreu traumatismo de cotovelo, o certo é que tal acontecimento, apesar de lhe ter provocado, na ocasião, uma dor aguda e lhe ter condicionado por momentos a mobilidade de articulação, não a impediu de continuar a assegurar a aula. Daí que seja seguro afirmar que, na realidade e na prática (e é esta a apreciação que importa fazer no caso concreto para uma correcta aplicação da lei), a sintomatologia que se veio a revelar posteriormente, traduzida num agravamento da dor e subsequente impotência funcional, não foi concomitante com o momento em que ocorreu o incidente (1).

Não é despiciendo referir aqui, também, que a reclamante, logo que se apercebeu das consequências do pequeno incidente de que foi vítima, se apressou a dar conhecimento do facto ao serviço e que só não o fez no próprio dia 8.01.98 por impossibilidade de facto, uma vez que a Secretaria da Escola se encontrava encerrada à hora em que terminou a consulta, tendo-o feito na manhã do dia 9.01.98.

Não restam, pois, quaisquer dúvidas, contrariamente ao que é defendido na informação que esteve na base do despacho proferido pelo antecessor de Vossa Excelência (cfr. pontos 55 e 56), de que a reclamante, ao ter consciência do acidente, optou claramente pela participação do mesmo com vista a ser abrangida pelo respectivo regime jurídico. Em abono desta sua posição pronunciou-se também a própria Presidente da Comissão Executiva Instaladora da Escola, conforme já supra referido.

Justifica-se, assim, a qualificação do referido acidente como em serviço, dispensando-se a instauração do competente processo de averiguações, já que, quer da declaração da Senhora Presidente da Comissão Executiva Instaladora da Escola, quer da declaração médica, quer dos demais documentos existentes no processo, dúvidas não subsistem quanto ao nexo de causalidade entre o incidente e a lesão que se veio a manifestar.

4.Quanto ao tratamento que foi conferido ao processo da reclamante, cabe-me aqui fazer um reparo no que concerne à actuação, quer da Director Regional de Educação de Lisboa, quer da Coordenadora da Área Educativa da Grande Lisboa, esta com competência delegada daquele, ao abrigo do Despacho n.º 7/DREL/96, de 14.08.96, publicado no Diário da República, II Série, n.º 212, de 12.09.96, para a qualificação dos acidentes de que sejam vítimas o pessoal docente e o pessoal não docente dos estabelecimentos de educação e ensino. Com efeito, a análise dos documentos 1 a 4, juntos em anexo, e que constituem o processo da reclamante, permitem concluir que nenhuma daquelas entidades (nem a entidade delegante, nem a com competência delegada) se pronunciou sobre a qualificação do acidente em causa, tendo-se ambas conformado com a posição assumida pela Secretaria-geral do Ministério das Finanças que, obviamente, não pode prejudicar a competência dos serviços administrativos dos quais depende o sinistrado. Com efeito, àquela Secretaria-geral compete a conferência das despesas e a autorização ou não para o respectivo pagamento, após qualificação do acidente pela entidade administrativa competente.

Deste modo, houve deficiências, de facto, no tratamento do processo, porquanto não foi promovida pela entidade competente a emissão de despacho qualificador, o que pressupunha a prévia apreciação de todo o condicionalismo de facto que envolveu o acidente da reclamante e as subsequentes lesões que se vieram a manifestar, bem como a tomada de posição autónoma sobre o assunto. Em lugar disso, a DREL, dando como aceite e definitivo o despacho da Secretaria Geral do Ministério das Finanças, mas, simultaneamente, sem deixar de reconhecer razão à reclamante, solicitou ao Senhor Secretário de Estado da Administração Educativa que proferisse despacho com carácter excepcional no sentido de ser possível contar as faltas dadas pela reclamante em virtude do referido acidente como tempo de serviço (cfr. pontos 1 a 5 da Informação n.º …/99-DSAJC).

Ou seja, o lapso dos serviços competentes no tratamento do processo, acabou por prejudicar efectivamente a reclamante, porquanto a qualificação ou não do acidente como tendo sido em serviço tem consequências no que toca ao regime aplicável às faltas. Com efeito, o regime das faltas por acidentes em serviço distingue-se do regime aplicável às restantes faltas por doença em dois aspectos: por um lado, aquelas não determinam, em caso algum a perda do vencimento de exercício (cfr. art.º 49.º , n.º 3, do Decreto-Lei n.º 497/88, de 30 de Dezembro, aplicável à data da ocorrência) ao contrário das últimas, que implicam a perda do vencimento de exercício nos primeiros 30 dias de ausência (cfr. art.º 27.º n.º 3 do mesmo diploma); por outro lado, a ausência ao serviço por motivo de acidente em serviço é equiparada a serviço efectivo, não implicando desconto na antiguidade (cfr. art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 38 523, de 23 de Novembro de 1951, na medida em que determina a inaplicabilidade do Decreto-Lei n.º 19 478, de 18 de Março de 1931), ao contrário das faltas por doença, que não relevam para efeitos de antiguidade quando ultrapassem 30 dias seguidos ou interpolados em cada ano civil.

5.Em face do exposto, entendo por bem RECOMENDAR

a Vossa Excelência a revogação do despacho de 3.11.99, exarado sobre a Informação n.º …/99-DSAJC da Direcção Geral da Administração Educativa, e a qualificação do acidente de que a reclamante foi vítima, em 6.01.98, como acidente em serviço, com a consequente aplicação do respectivo do regime jurídico às faltas dadas.
Com o pedido de que, com a brevidade possível, me seja comunicada a posição que vier a ser assumida relativamente a esta Recomendação (art.º 38.º, n.ºs 2 e 3, da Lei n.º 9/91, de 9/4).

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

H. NASCIMENTO RODRIGUES

(1) A ser adoptada a interpretação defendida na referida Informação n.º …-DSAJC, tal conduziria a uma proliferação de comunicações por eventuais acidentes, por parte da generalidade dos docentes de educação física, naturalmente mais expostos ao risco de acidentes pela própria natureza das funções que desempenham, e à abertura de inúmeros processos de averiguações, muitos dos quais votados ao indeferimento por se vir a apurar que o incidente que esteve na respectiva origem não passou disso mesmo. Ora, como Vossa Excelência compreenderá, não foi esse seguramente o objectivo pretendido pelo legislador.