Presidente do Conselho Directivo do Centro Nacional de Pensões

Rec. n.º 41/A/00
Proc.: R-6427/99
Data: 22-05-2000
Área: A 3

Assunto: SEGURANÇA SOCIAL. PAGAMENTO DE PENSÃO. VELE POSTAL. EXTRAVIO.

Sequência: Não acatada

1.O beneficiário n.º …, solicitou a minha intervenção pelo facto de não ter recebido o vale postal proveniente desse Centro Nacional de Pensões, no montante de 78 060$00, relativo à pensão de Dezembro e ao subsídio de Natal.

2.Atentos os elementos disponíveis no processo, a situação de facto relevante resume-se, essencialmente, ao seguinte:
2.1.Em Dezembro de 1997, o beneficiário não tendo recebido o vale postal relativo à sua pensão no dia em que costumava receber, isto é, no dia 14 do mês, aguardou até ao final do mês;
2.2.Nessa altura, tendo continuado sem receber o vale postal, dirigiu-se aos serviços desse Centro Nacional de Pensões a fim de solicitar esclarecimentos quanto à demora que se verificava;
2.3.Foi, então, informado que o vale postal relativo à sua pensão fora emitido na data habitual e, como de costume, remetido para a sua residência;
2.4.Através de carta dos CTT, de 22 de Janeiro de 1998, veio a ser informado que o vale postal relativo à sua pensão fora depositado, no dia 15 de Dezembro de 1997, na conta n.º …, do Banco Totta & Açores, agência de Moscavide;
2.5.Atentas essas circunstâncias, o beneficiário apresentou participação crime contra os titulares da referida conta bancária;
2.6.No âmbito do Proc.º de inquérito n.º …/98.5.GCLSB, que correu no Tribunal Judicial de Loures, a titular da conta bancária foi identificada como sendo D.D., ficando ainda demonstrado que, tendo-se verificado a falsificação da assinatura do beneficiário, o depósito fora efectuado naquela conta por O. M.;
2.7.A factualidade descrita era susceptível de reconduzir ao crime de falsificação de documento e de burla;
2.8.Aquele processo veio, no entanto, a ser arquivado nos termos do art.º 277.º, n.º 3, do Código de Processo Penal;
2.9.Com efeito, não fora possível ouvir os referidos D.D. e O.M., porquanto se desconhecia o respectivo paradeiro e não se logrou obter prova, ainda que indiciária, que permitisse a imputação aos mesmos da prática dos actos denunciados.

3.O beneficiário reclamou junto desse Centro Nacional de Pensões o pagamento da importância correspondente ao vale postal, em 2 de Fevereiro de 1998, tendo-se, inclusive, comprometido a devolver a verba que lhe viesse a ser restituída por força da participação crime que efectuara.

4.Também estes serviços solicitaram a esse Centro, através do ofício nº 846, de 14 de Janeiro do corrente ano, informação quanto à disponibilidade para proceder ao pagamento ao beneficiário das prestações a que se reportava o vale postal em causa

5.Todavia, esse Centro tem vindo a recusar-se a pagar ao beneficiário essas prestações, sendo que, no ofício de 5 de Maio de 2000, fundamenta essa sua posição nos factos de o vale postal relativo às prestações referentes a Dezembro de 1997 ter sido correctamente emitido e, à semelhança do que acontecera anteriormente, ter sido remetido para a morada indicada pelo beneficiário.

6.Ainda com base no facto de, nos meses anteriores, os vales postais terem sido efectivamente recebidos, considera demonstrada a eficácia do meio de pagamento utilizado, daí retirando que não cabe aos serviços “qualquer responsabilidade pelo respectivo recebimento por terceiros.”

7.Não está, porém, em causa a responsabilidade dos serviços no recebimento do vale postal por terceiros, até porque, como se viu o apuramento dessa responsabilidade haveria que ser determinada noutra sede.
O que está em causa é saber se se encontra preenchida a obrigação de pagar as prestações ao beneficiário, porquanto, conforme referido anteriormente, essa responsabilidade é originariamente desse Centro Nacional de Pensões.

8.Ora, para este efeito, não importa a eficácia “normal” da forma e meio utilizado por esse Centro para proceder a esse pagamento, porquanto a mera utilização deste ou daquele meio de pagamento, que em abstracto ou normalmente seja considerado eficaz e seguro, não desobriga, apenas por si, os serviços quanto ao pagamento das prestações.

9.A questão é a de saber se essa forma e meio foram eficazes no caso concreto, isto é, se da utilização desses meios no caso concreto resultou o recebimento efectivo das prestações por parte do beneficiário e, consequentemente, o cumprimento da obrigação.

10.A este propósito, não posso deixar de salientar a V. Exa. que é, no mínimo, incompreensível que no ofício desse Centro dirigido a estes serviços se possa afirmar que “Não se conhece nem vem indicada qualquer circunstância anormal que alterasse no mês de Dezembro de 1997 a eficácia da forma e do meio que o CNP vinha utilizando regularmente para o pagamento das pensões ao beneficiário.”

11.Conhecendo-se como se conhecem as circunstâncias acima referenciadas, como é possível explicar essa afirmação de acordo com a qual se não conhecem circunstâncias anormais que tenham, naquele mês, alterado a eficácia da forma e do meio que o CNP vinha utilizando regularmente para o pagamento das pensões ao beneficiário?

12.Aquela afirmação apenas poderia ter algum sentido se esse Centro viesse sustentar que o beneficiário, ao contrário do que vem a afirmar, recebeu, efectivamente, o vale postal que lhe foi remetido em Dezembro de 1997.

13.Se assim for, ficará, no entanto, por compreender a razão pela qual a comprovação desse facto não foi, desde logo, feita simultaneamente com aquela afirmação, como ficará, também, por compreender por que é não foi dado, oportunamente, conhecimento desse facto e da respectiva comprovação aos Serviços do Ministério Público do Tribunal Judicial de Loures.

14.Na falta dessa comprovação, haverá que considerar-se que a obrigação desse Centro de pagar as prestações ao beneficiário se encontra por cumprir, já que decorre expressamente do art.º 762.º, n.º 1, do Código Civil que o devedor apenas cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que se encontra vinculado.
Ora, tratando-se de uma obrigação de resultado – a entrega da quantia em causa ao pensionista – é de todo irrelevante que o Centro Nacional de Pensões tenha ou não utilizado os meios adequados a produzir esse resultado: o que é decisivo é que este não se verificou.
Acresce, ainda, que, de acordo com o art.º 770.º, n.º 1, do referido Código, a prestação feita a terceiro não extingue a obrigação.

15.Refira-se, a propósito, a nota ao art.º 800.º, a pags. 57, do “Código Civil -Anotado”, Volume II, de Fernando Andrade Pires de Lima e João de Matos Antunes Varela, na qual se refere: “Tratando-se de obrigação pecuniária, há ainda que tomar em conta, na definição da responsabilidade do devedor pelos actos dos seus representantes legais ou auxiliares no cumprimento, a circunstância de se tratar, em regra, de dívida portable, ou seja, de dívida que só se considera cumprida, quando o devedor (ou alguém por ele) coloca o objecto da prestação em poder do credor.”

16.Presentes as circunstâncias da situação em causa, não posso deixar de manifestar a V. Exa. o meu repúdio pela posição assumida por esse Centro, já que, para além da evidente insuficiência de fundamentos que a sustentam, se prolonga há mais de três anos com manifesto prejuízo do beneficiário.

17.Em face do exposto, tenho por bem recomendar a Vossa Excelência que determine que se proceda ao pagamento ao beneficiário das prestações relativas à pensão de Dezembro e ao subsídio de Natal de 1997, no montante de 78 060$00.
Do despacho que recair sobre a presente recomendação agradeço me seja dado conhecimento.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL