Secretário de Estado do Ensino Superior

Rec. n. º 42/A/00
Proc.:P-11/98
Data: 2000-05-22
Área: A 3

Assunto: EDUCAÇÃO. ENSINO SUPERIOR, PARTICULAR E COOPERATIVO. BOLSAS DE ESTUDO.

Sequência: Não acatada

Têm sido frequentemente apresentadas na Provedoria de Justiça queixas contestando o facto de serem concedidas bolsas de estudo a alunos do ensino superior não carenciados e que apenas beneficiam daquele apoio por omitirem indevidamente a situação económica real do seu agregado.
Pude perceber que estas queixas traduzem um sentimento de algum modo generalizado entre a população escolar e mesmo entre os Serviços, segundo o qual o sistema de bolsas estaria ainda muito permeável a procedimentos fraudulentos, que desvirtuam em parte o intento social da bolsa de estudo. Tal fragilização estaria porventura associada à importância fulcral que, no processo de candidatura, é atribuída às declarações fiscais dos candidatos, por estas serem reportadas a um domínio onde reconhecidamente permanece uma elevada taxa de fraude e evasão, a que os esforços levados a cabo pelos sucessivos Governos ainda não conseguiram pôr cobro.

Assim colocada, a questão pode suscitar dois problemas distintos, quais sejam a necessidade de assegurar a maior verdade das declarações fiscais e, por outro lado, a urgência de se promover um sistema eficaz de prevenção e combate à fraude, mediante a adopção de medidas de fiscalização e sancionatórias que se mostrarem necessárias e adequadas.
É exactamente a respeito deste último aspecto que entendi formular a presente recomendação, por entender ser pertinente, atentas as funções legalmente atribuídas ao Provedor de Justiça, pronunciar-me sobre alguns aspectos que considero perfectíveis na actuação do Ministério a este nível.
Assim, o Decreto-Lei n.º 129/93, de 22 de Abril, que define os princípios do sistema de acção social no ensino superior, comete à Inspecção-Geral da Educação a competência para a fiscalização das informações e declarações prestadas pelos estudantes beneficiários da acção social, podendo nessa actividade solicitar a cooperação de outras entidades, designadamente a Direcção-Geral das Contribuições e Impostos e a Inspecção-Geral de Finanças.

Também o Regulamento de atribuição de Bolsas a Estudantes do Ensino Superior Particular e Cooperativo, contido no Despacho n.º 11640-D/97, de 22 de Novembro, atribui competências fiscalizadoras nesta matéria à Inspecção-Geral da Educação (cfr. artigo 22.º).
Por sua vez, na Lei de Financiamento do Ensino Superior, prevê-se a criação de sistema de controlo das verbas atribuídas ou a atribuir através da acção social, podendo incluir métodos documentais ou inspectivos, de molde a possibilitar a obtenção dos meios de prova necessários à garantia de que os recursos afectados ou a afectar beneficiarão efectivamente os mais carenciados (cfr. artigo 18.º).
Até à data, este sistema não foi ainda estabelecido, mantendo-se a competência fiscalizadora na esfera da Inspecção-Geral da Educação, nos termos acima referidos.

Nesse contexto, solicitaram os Serviços da Provedoria de Justiça àquela Inspecção, no âmbito do presente processo, que informasse quais as medidas adoptadas tendo em vista a fiscalização da atribuição de bolsas e bem assim qual a metodologia seguida a este respeito.
Em resposta, a Inspecção comunicou a estes Serviços que, desde 1995, deixaram de se efectuar intervenções sistemáticas quanto à atribuição de bolsas de estudo, tendo posteriormente informado que, no ano de 1999, se procedeu à fiscalização de cerca de cento e vinte processos de bolsas de estudo, a pedido do Fundo de Apoio aos Estudantes. Mais se informou que, no decorrer de auditoria a realizar no corrente ano aos serviços de acção social de estabelecimentos de ensino superior público, serão analisadas algumas bolsas de estudo, escolhidas de forma aleatória.

Ora, este quadro configura um sistema de controlo francamente insuficiente, incapaz de alcançar os objectivos que estão cometidos a procedimentos desta natureza, designadamente ao nível da detecção de fraudes e da sensibilização dos interessados para o perigo de solicitar indevidamente a atribuição de bolsas.
Com efeito, de acordo com dados disponibilizados por esse Ministério(1), o número de bolsas atribuídas no ano lectivo de 1997/1998 a alunos do ensino público e privado, ascendeu a cerca de quarenta mil, envolvendo uma verba superior a dez milhões de contos.
É sabido que estes valores evoluíram desde aquele ano de forma positiva, sendo portanto, neste momento, superior quer o número de bolseiros quer a verba orçamentada para este fim – facto, aliás, que muito me congratula, sendo aqui devido o reconhecimento do esforço significativo que tem sido realizado no sentido de ampliar e consolidar cada vez mais o serviço de acção social para os estudantes do ensino superior.

De todo o modo, num universo superior a quarenta mil bolseiros, é inegável ser insuficiente a fiscalização de apenas cento e vinte processos, por não ter este número qualquer expressão ou representatividade, e por não corresponder a um processo sistemático por amostragem, reportando-se apenas às denúncias pontuais feitas pelo Fundo de Apoio ao Estudante – o que indicia que a maioria das inspecções se referiu ao ensino particular, subsistema que representa apenas um sexto da verba total canalizada para as bolsas de estudo.
Não se pretende, com isto, formular qualquer reparo à actuação da Inspecção-Geral da Educação, naturalmente limitada na sua actuação pelos meios disponíveis e pela vastidão das competências que lhe cabem.

Importa, no entanto, assumir a omissão grave que se regista neste âmbito, urgindo o estabelecimento do sistema de controlo a que alude o artigo 18.º da Lei de Financiamento do Ensino Superior, que permita a rectificação da situação de modo tão breve e eficaz quanto possível.
Não cabe ao Provedor de Justiça pronunciar-se sobre os termos orgânicos ou funcionais a observar em concreto na definição desse sistema.
Poderei, não obstante, referir alguns aspectos que se me afiguram como passíveis de elevar o nível de eficácia do procedimento inspectivo: a realização, com carácter sistemático, de inspecções sobre um número de processos que constitua uma expressão fixa do total de candidaturas apresentadas em cada um dos subsistemas; acções pontuais de maior volume junto de determinado estabelecimento; maior sequência atribuída a denúncias de particulares, procedimento que, sem pretender promover um ambiente delator generalizado entre os estudantes, poderá ajudar à detecção de casos de fraude mais evidentes (e, por isso mesmo, mais danosos para a imagem do sistema de bolsas); aplicação célere das penas previstas para os faltosos.

Atento o exposto, RECOMENDO

a Vossa Excelência que sejam adoptadas as medidas necessárias ao estabelecimento, a breve trecho, de um sistema de controlo das verbas atribuídas ou a atribuir através das bolsas de estudo, conforme disposto no artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 113/97, tendo em vista assegurar, na medida do possível, que as verbas em causa sejam canalizadas apenas para os alunos mais carenciados.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL
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(1) No site da internet da Direcção-Geral do Ensino Superior