Presidente do Conselho Directivo do Centro Nacional de Pensões

Rec. n.º 32/A/2000
Proc.: R-3179/99
Data:2000.04.07
Área: A3

Assunto: SEGURANÇA SOCIAL. PENSÃO DE INVALIDEZ.

Sequência: Não acatada

1. Foi solicitada a minha intervenção relativamente à data da atribuição da pensão de invalidez que foi concedida ao Senhor …, beneficiário n.º….

2. A situação de facto relevante resume-se, essencialmente, ao seguinte:
2.1. O beneficiário requereu a atribuição da pensão de invalidez no dia 28 de Fevereiro de 1996 junto do organismo de segurança social no Luxemburgo, o qual terá comunicado o pedido a esse Centro Nacional de Pensões.
2.2. O organismo de segurança social no Luxemburgo atribuiu a pensão de invalidez ao beneficiário com efeitos àquela mesma data.
2.3. Esse Centro dirigiu ao beneficiário o ofício de 30 de Julho de 1996, no qual lhe comunicava que apenas apresentava um registo de contribuições no regime de segurança social de 5 meses, correspondentes ao período compreendido entre 1 de Setembro de 1963 e 31 de Janeiro de 1964.
2.4. E que, consequentemente, caso não viesse a comprovar, no prazo de dez dias, a existência de outros períodos contributivos, verificar-se-ia o indeferimento tácito do requerido.
2.5. O beneficiário veio a esclarecer a situação, através de carta dirigida a esse Centro Nacional de Pensões, datada de 12 de Agosto de 1998.
2.6. Nessa carta, o beneficiário explicou, antes de mais, que, no Luxemburgo, não dispunha dos elementos necessários que lhe permitissem fundamentar a impugnação do indeferimento do requerimento da atribuição da pensão de invalidez.
2.7. E que, apenas, quando se deslocou a Portugal, nesse mesmo ano de 1998, conseguiu apurar as razões que haviam determinado a contagem dos períodos com registo de remunerações referenciada no ofício desse Centro de 30 de Julho de 1996.
2.8. Com efeito, o beneficiário veio a verificar, através de diligências desenvolvidas junto desse Centro, que lhe haviam sido atribuídos dois números de beneficiário da segurança social, um em 23 de Setembro de 1963, da Caixa Sindical de Previdência dos Profissionais de Alfaiate do Distrito de Lisboa, e o outro em 1 de Julho de 1969, da Caixa de Previdência dos Empregados de Escritório e dos Organismos Corporativos.
2.9. E que, para além disso, embora a sua data de nascimento seja o dia 24 de Agosto de 1944, o segundo daqueles cartões apresentava como sua data de nascimento o dia 24 de Agosto de 1943.
2.10. Na sequência da recepção da carta do beneficiário de 12 de Agosto de 1998, veio-lhe a ser atribuída a pensão de invalidez, com efeitos ao dia 19 do mesmo mês. Com efeito, veio a verificar-se que o beneficiário apresentava 7 anos com registo de remunerações, no período compreendido entre Setembro de 1963 e Dezembro de 1973.
2.11. O beneficiário veio a contestar a data do início da pensão junto do Consulado Geral de Portugal no Luxemburgo, no dia 21 de Junho de 1999, solicitando, simultaneamente, que a pensão lhe fosse atribuída com efeitos ao dia 28 de Fevereiro de 1996.
2.12. Esse Centro comunicou-lhe, todavia, que se mantinha a data da atribuição da prestação com efeitos ao referido dia 19 de Agosto de 1998, porquanto o beneficiário, apesar de lhe ter sido comunicado, através do referido ofício de 30 de Julho de 1996, a intenção de indeferir o seu pedido, não recorrera dessa decisão no prazo de dez dias, indicado naquele.

3. Atentas as circunstâncias atrás referidas, das quais releva, antes de mais, o facto de o beneficiário não dispor, no Luxemburgo, dos elementos necessários ao apuramento dos períodos com registo de remunerações efectivamente registados em seu nome, estes serviços dirigiram a V.Exa. o ofício de 7 de Fevereiro de 2000, no qual se solicitava informação quanto à disponibilidade para alterar a data do início da pensão atribuída ao beneficiário, fixando a mesma no dia 28 de Fevereiro de 1996.

4. Esse Centro Nacional de Pensões veio a responder àquela solicitação através do ofício de 27 de Março de 2000, limitando-se, todavia, a reproduzir os argumentos anteriormente dirigidos ao beneficiário.

5. Na verdade, os argumentos invocados por estes serviços relativos às circunstâncias que condicionaram a determinação dos períodos com registo de remunerações em nome do beneficiário, bem como o próprio exercício do direito de defesa por parte deste, não mereceram qualquer comentário por parte desse Centro Nacional de Pensões.

6. Isto, apesar de ter sido salientado que a mera insistência feita pelo beneficiário a partir do Luxemburgo de que tinha registos contributivos por um período de tempo superior ao indicado por esse Centro, sem qualquer sustentação documental, seria certamente ineficaz.

7. Na verdade, não posso deixar de salientar a V. Exa. que a postura desse Centro Nacional de Pensões manifestada neste caso, como noutros, em que se desconhecem e ignoram os argumentos aduzidos por esta Provedoria de Justiça é, antes de mais, objectivamente, violadora do dever de cooperação previsto, desde logo, no art.º 23.º, n.º 4, da Constituição e no art.º 29.º, n.º 1, do Estatuto do Provedor de Justiça.

8. Mas, para além disso, importa relembrar que está, também, em causa a aplicação de princípios essenciais ao procedimento administrativo, como sejam, os princípios da prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, da proporcionalidade, da justiça e da colaboração da Administração com os particulares, consagrados no Código do Procedimento Administrativo, respectivamente, nos art.ºs 4.º ,5.º ,6.º e 7º.

9. Na verdade, o legislador, no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro, apontou, desde logo, cinco objectivos fundamentais, entre eles:
– “Regular a formação da vontade da Administração, por forma a que sejam tomadas decisões justas, legais, úteis e oportunas;”
– “Salvaguardar em geral a transparência da acção administrativa e o respeito pelos direitos e interesses legítimos dos cidadãos;”
– “Evitar a burocracia e aproximar os serviços das populações;”

10. É, pois, neste contexto que tenho dificuldade em compreender que esse Centro ignore, pura e simplesmente, as razões aduzidas pelo beneficiário como justificativos da impossibilidade de, enquanto se encontrava no Luxemburgo, aduzir argumentos que, com eficácia, levassem esses serviços a alterar a intenção que lhe foi comunicada através do ofício de 30 de Julho de 1996.

11. Sendo que, é, também, por força daqueles princípios que tenho dificuldade em compreender que esse Centro ignore, pura e simplesmente, que o lapso na contagem dos períodos contributivos registados em nome do beneficiário, à data em que inicialmente requereu a atribuição da pensão, não lhe é imputável. Pelo contrário, a responsabilidade de tal omissão cabe inteira e exclusivamente aos serviços de segurança social.

12. Essa postura é tanto ou mais chocante quanto se sabe que está em causa um emigrante e que a informação que a estes é proporcionada é, frequentemente, nula ou quase nula.

13. Atenta a comunicação desse Centro dirigida ao beneficiário e o prazo que lhe foi concedido para contestar os factos de que lhe foi dado conhecimento, aparentemente, a única possibilidade de o beneficiário ter visto reconhecidos os seus direitos implicava que o beneficiário se dirigisse, de imediato, a Portugal, quaisquer que fossem os custos que essa deslocação repentina implicasse, a fim de esclarecer uma situação que, ao fim e ao cabo, era suposto a Administração Pública conhecer com rigor.

14. A verdade, porém, é que uma visão que restrinja as possibilidades de apreciação da questão em apreço à verificação desse procedimento por parte do beneficiário não só não é compatível com os princípios acima enunciados, como, é, também, redutora das possibilidades de actuação dos serviços no estrito cumprimento da legalidade.

15. Com efeito, se se atentar no primeiro dos objectivos visados pelo legislador quando adoptou o Código do Procedimento Administrativo, a que acima referi, verifica-se que as decisões exigidas à Administração devem ser justas, legais, úteis e oportunas.
E, não será, certamente, por acaso que o legislador ao estabelecer a ordem das características de que se devem revestir as decisões da Administração, apontou, em primeiro lugar, a sua justiça.

16. Mas o legislador, ao mesmo tempo que estabeleceu o princípio da justiça como primeiro princípio norteador da actuação da Administração, conferiu, também, a esta os instrumentos que, sem prejuízo do princípio da legalidade, assegurassem a aplicação daquele princípio.

17. Nomeadamente, admitiu a revogação dos actos administrativos com base no mérito, isto é, admitiu a revogação dos actos administrativos quando essa revogação se demonstre justa, útil e oportuna (art.º 140.º do Código do Procedimento Administrativo).

18. Ora, no caso concreto, o que é certo é que o beneficiário, quando inicialmente requereu a atribuição da pensão de invalidez, ao contrário do comunicado por esse Centro, tinha, efectivamente, os períodos de registo de remunerações suficientes para que a prestação lhe fosse atribuída.

19. Por outro lado, o lapso no registo ou na verificação desses períodos que determinou o indeferimento da prestação não é imputável ao beneficiário, sendo que, como se comprovou, o esclarecimento da situação apenas era possível face a elementos apenas disponíveis em Portugal.

20. E, finalmente, caso o acto de revogação de indeferimento do pedido inicial da pensão não venha a ter lugar, verifica-se um grave prejuízo para o beneficiário.

21. Ora, essas razões justificam plenamente que se proceda à revogação do acto de indeferimento da atribuição inicialmente requerida pelo beneficiário, com base no mérito.

22. Importa aqui referir que se verifica uma discrepância entre a data em que o beneficiário afirma ter requerido a pensão de invalidez e a data que, segundo esse Centro esse requerimento se terá verificado.
Com efeito, de acordo com o beneficiário esse requerimento terá sido efectuado, junto do organismo de segurança social luxemburguês, no dia 28 de Fevereiro de 1996, no entanto, de acordo com o ofício de 27 de Março de 2000, desse Centro, a prestação terá sido requerida apenas no dia 25 de Julho de 1996.

23. Esta discrepância é tanto ou mais estranha quanto se sabe que a pensão de invalidez atribuída pelo organismo de segurança social luxemburgês ao beneficiário teve o seu início no referido dia 28 de Fevereiro de 1996 e que o ofício desse Centro através do qual lhe era comunicado que não reunia as condições legais para atribuição da prestação é de 30 de Julho de 1996.

24. Na verdade, ainda que se admita que o beneficiário possa ter requerido a atribuição da prestação aos dois organismos de segurança social – luxemburguês e português – em momentos diferentes, não pode deixar de considerar-se surpreendente que esse Centro tenha dirigido o ofício acima referido ao beneficiário apenas cinco dias após o requerimento da prestação.

25. Atento o disposto na parte final do art.º 86.º do Regulamento (CEE) n.º 1408/71, do Conselho de 14 de Junho de 1971, segundo o qual a data dos pedidos que forem apresentados a uma instituição do segundo Estado será considerada como a data da apresentação à instituição do Estado com competência para decidir, importa, pois, determinar se o beneficiário apresentou o pedido de atribuição da pensão de invalidez na data por ele apontada no organismo de segurança social luxemburguês.

Atento o exposto, RECOMENDO:

no sentido de Vossa Excelência proceder à revogação do acto de indeferimento da atribuição da pensão de invalidez ao beneficiário, atribuindo-se a mesma com efeitos à data em que aquele requereu a prestação junto do organismo de segurança social luxemburguês.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL