Secretário de Estado da Segurança Social

Rec. n.º 22/A/2000
Proc.:R-3.235/98
Data:2000.03.21
Área: A3

Assunto: Segurança social. Trabalhador independentes. Anulação de inscrição

Sequência:Acatada

1.Foi solicitada a minha intervenção relativamente ao indeferimento por parte do Serviço Sub-Regional de Lisboa do Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo, do pedido que o trabalhador independente …, beneficiário nº …., fez no sentido da mudança de escalão de remunerações a considerar como base de incidência de contribuições.

2. A situação de facto relevante resume-se, essencialmente, ao seguinte:
2.1. O Serviço Sub-Regional de Lisboa dirigiu ao reclamante o ofício nº …, através do qual lhe solicitou que indicasse o escalão de remunerações a considerar como base de incidência de contribuições, bem como o esquema de protecção social pretendido.
2.2. Atentas as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 328/93, de 25 de Setembro, no regime de segurança social dos trabalhadores independentes, juntou-se a esse ofício um folheto informativo (cópia em anexo).
2.3. Conforme se pode verificar da leitura desse folheto, na parte respeitante à matéria em causa, refere-se o seguinte: “Os trabalhadores independentes (…) devem indicar, em impresso próprio o escalão de remunerações pretendido. (…) É ainda importante saber que pode ser pedida (…) nos meses de Setembro e Outubro, a mudança de escalão de remunerações, (para que esta possa ser considerada a partir do ano seguinte).”
2.4. O reclamante, tendo tomado conhecimento do teor desse folheto, optou pelo 1º escalão.
2.5. Em Outubro de 1997, o reclamante solicitou a mudança de escalão, a qual foi, no entanto, indeferida com fundamento no disposto no art.º 36º, nº 4, do Decreto-Lei nº 328/93, de 25 de Setembro.

3. Não se conformando com essa decisão, o beneficiário reclamou junto do Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo, invocando, essencialmente, o facto de o boletim informativo que lhe fora anteriormente remetido não mencionar a limitação à mudança de escalão que lhe era agora oposta.

4. Aquele Centro manteve a decisão do Serviço Sub-Regional de Lisboa com fundamento no facto de, nos folhetos distribuídos na altura, se chamar “…logo à atenção de que os beneficiários para mais esclarecimentos se deveriam, junto dos serviços, informar bem e actuar a tempo;”, conforme se refere no ofício nº ….., dirigido ao beneficiário.

5. Entendi, no entanto, que, efectivamente, a informação transmitida ao beneficiário a propósito da matéria em causa era deficiente, pelo que dirigi à Senhora Presidente do Conselho Directivo do Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo a Recomendação nº 27/A/99, cuja cópia se junta.

6. Aquele Centro Regional de Segurança Social veio responder à Recomendação nº 27-A/99 através do ofício nº …, cuja cópia se junta, no qual se comunicou a indisponibilidade para promover a revisão do processo ora em causa.

7. No entanto, se se atentar no teor dessa resposta, constata-se, em primeiro lugar, que, atento o circunstancialismo que envolveu a remessa do folheto informativo, não é legítimo, face ao princípio da boa fé, retirar dos factos em causa o significado e consequências que lhes foi atribuído na resposta do Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo.

8. Acresce, em segundo lugar, que nessa resposta, no plano da apreciação técnico jurídica, se aprofundam aspectos de relevância relativa com prejuízo da apreciação dos aspectos que se apresentam como essenciais à ponderação da situação em apreço, cuja importância se omite ou desvaloriza.

9. Razões por que reiterei, através do ofício nº …, cuja cópia se anexa, a Recomendação anteriormente formulada.

10. O Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo veio, no entanto, mais uma vez, manifestar a sua indisponibilidade para acatar a Recomendação nº 27-A/99, através do ofício nº … de 1999.

11. As razões aduzidas como fundamento do não acatamento da Recomendação prendem-se com:
– a delimitação e alcance do significado e extensão do direito à informação e do dever de informar a que refere o art.º 42º da Lei de Bases da Segurança Social;
– a validade do acto administrativo subsequente à declaração do beneficiário;
– a impossibilidade de revogação do acto administrativo com base no mérito.

12. No que respeita à primeira ordem de razões, tecem-se diversas considerações de ordem geral, para, com base na constatação de que o conteúdo e extensão do dever de informar não estão rigorosamente definidos na lei, se concluir, por um lado, que os serviços de segurança social apenas estão obrigados a “…promover em geral e, conforme melhor lhe parecer, a divulgação de conhecimentos úteis aos beneficiários” e, por outro lado, que “…é a própria lei que, ao não definir os contornos do dever de informar, abre o flanco a uma grande margem de discricionariedade de actuação da administração nesta área da informação.”

13. É certo que, como se referiu na recomendação (ponto 4.), a delimitação em causa se confronta, desde logo, com a dificuldade resultante do facto de não terem sido adoptadas as medidas legislativas que definissem a amplitude e diversidade das acções de informação que cumpre à administração da segurança social desenvolver.

14. Essa circunstância não significa, no entanto, que o legislador tenha pretendido deixar à administração total discricionariedade no cumprimento daquele dever.
Com efeito, a razão dessa indefinição assenta, antes de mais, no facto de se estar perante uma medida inovatória e, no momento da sua introdução na Lei de Bases da Segurança Social, não existir uma experiência que permitisse, desde logo, a definição criteriosa dos contornos e alcance do direito.
E a verdade é que, posteriormente, o Código do Procedimento Administrativo introduziu contributos essenciais nesta matéria.
Ora, nessas circunstâncias, o que importa realçar não é a maior ou menor discricionariedade conferida à actuação da administração, mas sim a relevância que o legislador atribuiu à informação a prestar aos beneficiários ao considerá-la como um factor essencial ao bom funcionamento do sistema.

15. No entanto, qualquer que seja a margem de discricionariedade que, no contexto normativo actual, se admita quanto ao cumprimento do dever de informar essa margem de discricionariedade não pode comportar, com toda a certeza, a prestação de informações insuficientes ou inadequadas.

16. Na verdade, não se discute se os serviços de segurança social, naquelas circunstâncias, estavam obrigados a prestar informações ao beneficiário, nem mesmo o “veículo de transmissão” das mesmas ou a “forma de as expor”.
O que está aqui verdadeiramente em causa é se, face à solicitação que foi efectuada ao beneficiário, a informação que, concomitantemente, lhe foi dirigida era correcta.

17. A este propósito, cumpre realçar que, independentemente da margem de discrionariedade no cumprimento do dever de informar, o próprio Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo admite que a informação a prestar aos beneficiários haverá que ser útil e adequada.

18. É certo, porém, que, conforme referido na Recomendação, e na reiteração da mesma, quer a utilidade, quer a adequabilidade, haverão que ser aferidas face às circunstâncias que, em concreto, caracterizam a situação em que se prestam os esclarecimentos.

19. Assim sendo, é por esse motivo, que, atentas as circunstâncias em que foi remetido ao beneficiário o boletim informativo, isto é, junto de uma solicitação para que indicasse o escalão de remunerações a considerar como base de incidência de contribuições, apenas poderia ser útil e adequada a informação que incluísse os elementos necessários e suficientes que lhe permitissem, quanto à opção que lhe era solicitada, formar a sua vontade de forma livre e esclarecida.

20. Ora, o conhecimento dos condicionalismos legais aplicáveis à mudança de escalão de remunerações a considerar como base de incidência de contribuições sendo, em geral, um aspecto essencial à formulação daquela opção, ainda o era mais no caso concreto, dada a idade do beneficiário.

21. Faço, aliás, notar a V.Exa. que apesar das objecções apresentadas, o próprio Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo admitiu que a vontade do beneficiário, ao efectuar a opção relativa ao escalão de remunerações a considerar como base de incidência de contribuições, tenha sido efectivamente viciada por erro.
Ora, ao fazê-lo, reconheceu, implicitamente, que os elementos informativos que foram remetidos ao beneficiário não eram suficientes à formação livre e esclarecida da sua vontade.

22. Apesar do reconhecimento implícito da deficiência da informação prestada, verifica-se que o Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo sustenta que a responsabilidade pelo erro na formação da vontade do beneficiário lhe é imputável porque tinha a obrigação de procurar informação complementar junto dos serviços de segurança social ou consultar o diploma regulamentador da matéria em causa.

23. Aparentemente, de acordo com esta perspectiva, os serviços da administração pública nunca serão responsáveis pelas informações prestadas porquanto, em última análise, os cidadãos têm a obrigação de conhecer a lei.

24. Porém, tal entendimento contraria, desde logo, frontalmente, o disposto no art.º 7º, nº 2, do Código do Procedimento Administrativo, o qual prevê expressamente a responsabilidade da Administração Pública pelas informações prestadas por escrito aos particulares, ainda que não obrigatórias.

25. Como se refere no Código do Procedimento Administrativo, 2ª edição, de Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, “certo é que, prestada uma informação escrita, pela Administração, mesmo sem existir o correspondente dever legal, ela torna-se responsável pelos prejuízos que daí advenham aos particulares.”, explicitando-se, mais à frente, quanto ao tipo dessa responsabilidade, que “o significado do preceito é, para nós, o de que a Administração responde civilmente pelas informações erróneas prestadas aos particulares … constituindo-se na obrigação de ressarcir os prejuízos daí derivados.”.

26. No entanto, a meu ver, também as circunstâncias em que se verificou a prestação da informação, bem como a forma que a mesma assumiu, excluíram, atento o disposto no art.º 487º, nº 2, do Código Civil, a exigibilidade de o beneficiário procurar obter mais informação.

27. Com efeito, como referi, no folheto informativo, ao mesmo tempo que se aconselha o beneficiário a ler atentamente a informação, realça-se, no que respeita à matéria em causa, a importância do momento em que é possível a mudança de escalão de remunerações a considerar como base de incidência de contribuições.

28. Ora, nesse contexto, será de considerar que era exigível ao beneficiário concluir ou admitir que, para além dessa limitação à mudança de escalão de remunerações a considerar como base de incidência de contribuições, relativa ao momento em que pode ser efectuada, que merecera um destaque especial no folheto informativo, existiam outras limitações tanto ou mais importantes, as quais haviam sido, todavia, excluídas da informação?

29. Presente o princípio da boa fé, é, para mim, indiscutível que, nessas circunstâncias não era de admitir essa possibilidade, pelo que, consequentemente, a diligência exigível não obrigava o beneficiário a demandar mais informação quanto à matéria.

30. Na verdade, o Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo, nas muitas considerações aduzidas quanto à questão, nunca quis ou soube responder por que razões é que o beneficiário, tendo recebido, a propósito da indicação do escalão de remunerações a considerar como base de incidência de contribuições, um folheto informativo que continha informações específicas quanto a essa matéria, poderia ou haveria que concluir ou admitir que as mesmas eram insuficientes.

31. Acresce que é difícil compreender que se sustente que a informação a prestar aos beneficiários deva ser útil e adequada e simultaneamente entender-se, como o faz aquele Centro Regional, que, nas circunstâncias, apesar da prestação da informação constante no folheto informativo, se tornaria, sempre, necessário procurar mais informação junto dos serviços da segurança social.

32. Atentas as razões aduzidas, não pode, pois, deixar de concluir-se que:
– o boletim informativo remetido ao beneficiário apresentava incompletudes essenciais, porquanto, no que respeita à matéria relativa à mudança de escalão, então regulamentada no art.º 36º do Decreto-Lei nº 328/93, de 25 de Setembro, omitiu as condicionantes constantes dos seus nº 3 e nº 4 e essa omissão não era expressamente ressalvada no texto;
– atento o princípio da boa fé e o disposto no art.º 487º, nº 2, do Código Civil não era exigível ao beneficiário que procurasse obter quanto à matéria mais informações;
– o Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo tornou-se responsável pelos prejuízos que decorreram da prestação da informação deficiente por força do disposto no art.º 7º, nº 2, do Código do Procedimento Administrativo.

33. Atenta a responsabilidade do Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo importa determinar a forma pela qual pode e deve aquele serviço ressarcir o beneficiário pelos prejuízos que decorreram da prestação da informação deficiente.

34. Essa reparação, conforme resulta do art.º 566, nº 1 do Código Civil, deve, em regra, passar pela reconstituição natural, sendo que, apenas nas situações em que ela não seja possível, ou em que não repare integralmente os danos ou, finalmente, em que seja excessivamente onerosa para o devedor se recorrerá à execução não específica, por sucedâneo pecuniário (Castro Mendes, Teoria Geral, 1979, III-815).

35. Ora, como referido anteriormente, a reconstituição natural é possível neste caso, bastando para o efeito permitir ao beneficiário que efectue agora a opção que teria feito em 1994, se, nesse momento, lhe tivessem sido dadas a conhecer todas as condicionantes legais à mudança de escalão, cumprindo, naturalmente, a obrigação contributiva que daí adviria, ou seja, que o mesmo seja colocado na situação em que estaria se o acto ilícito não tivesse sido praticado.

36. O Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo rejeita esta solução invocando, essencialmente, que:
– o acto viciado pelo erro é o acto do beneficiário e não o acto administrativo subsequente à sua declaração, sendo que esse erro não se reflecte na validade do acto administrativo;
– o acto administrativo em causa é um acto de aceitação ou confirmação, praticado no âmbito do exercício de poderes vinculados, não podendo, nessa medida, ser objecto de revogação com base no mérito, nos termos do art.º 140º do Código do Procedimento Administrativo.

37. Embora não esteja, agora, em causa a possibilidade de promover a revogação do acto administrativo com base na respectiva invalidade, ao contrário do sustentado por aquele Centro Regional, não pode nem deve entender-se que a validade do acto administrativo não pode ser afectada pelo vício que afectou a vontade do beneficiário.

38. Com efeito, como foi oportunamente referido, haverá que entender-se como pressuposto da validade do acto administrativo de aceitação da declaração do beneficiário que esta corresponda à manifestação de uma vontade livre e esclarecida.
Ora, se assim não for, verificar-se-á um erro quanto a esse pressuposto de facto, sendo esse o erro que afecta a validade do acto da administração. E, neste caso, ao contrário do aventado pelo Centro Regional, não estaria obviamente em causa a revogação do acto do beneficiário, mas sim a do acto de administrativo praticado com base num pressuposto de facto que não existia.

39. Porém, não está, essencialmente em causa a revogabilidade do acto administrativo com base na invalidade.
Note-se, no entanto, que não se suscita a possibilidade de promover a revogação com base na sua invalidade, não pelo facto de ele não ser inválido, pelas razões acima aduzidas, mas, apenas e tão só, porque, como se sabe, essa possibilidade encontra-se afastada por, entretanto, se ter esgotado o prazo a que refere o art.º 141º do Código do Procedimento Administrativo.

40. No entanto, o facto de se ter esgotado esse prazo e por esse motivo não poder recorrer-se àquela forma de revogação não significa que se esqueça ou retire relevância à invalidade do acto já que o facto de se tratar de um acto vinculado não significa necessariamente que seja conforme à lei.

41. Na verdade, a irrevogabilidade dos actos administrativos vinculados, quando válidos, (art.º 140º, nº 1, al. a), do CPA) tem como fundamento essencial a preservação da legalidade. Isto é, admitir a revogação de actos administrativos que haviam sido praticados por força e de acordo com a lei corresponderia a uma ilegalidade.

42. Importa, no entanto, ter em conta que o acto administrativo ora em causa foi praticado em desconformidade à lei porquanto se fundou em pressupostos de facto que se não verificavam.

43. No presente caso, no entanto, para além dos interesses do beneficiário, verificam-se, também razões de interesse público decorrentes dos princípios do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, da proporcionalidade e da justiça a que referem os arts. 4º, 5º e 6º do Código do Procedimento Administrativo que não só aconselham como impõem a reposição da legalidade.

44. Como explica Gomes Canotilho e Vital Moreira (1), o interesse público é o momento teleológico necessário de qualquer actuação da Administração, trate-se de actos jurídicos (de direito público ou privado) ou de operações materiais.

45. Em nenhum domínio da sua actividade – seja mais ou menos vinculada – pode a Administração escapar ao respeito dos princípios gerais que norteiam a sua actividade, pelo que o facto de o acto ter sido praticado no âmbito do exercício de poderes vinculados não obsta à sua revogação.
Com efeito, não é certo que o princípio da prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, e bem assim como os princípios da justiça e da proporcionalidade apenas vinculem a Administração no caso de a actividade desta comportar o exercício de poderes discricionários. Se é certo que eles têm, aí, o seu espaço privilegiado de aplicação, também não é menos certo que a esfera da autonomia pública não se restringe ao exercício do poder discricionário. Na verdade, a doutrina tem salientado a existência de novas dimensões de autonomia pública, desde logo as que resultam da interpretação e aplicação da lei. E, neste domínio, não estamos somente perante os casos de utilização, pelo legislador, de cláusulas gerais ou conceitos indeterminados, mas também quando se trata simplesmente da subsunção de uma situação à previsão normativa.

46. Na verdade, o que está exactamente em causa na questão sub judice é a apreciação que o Centro Regional fez da conduta do interessado. Não está em causa o alargamento do prazo para requerer a mudança de escalões de remunerações a considerar como base de incidência de contribuições, nem a criação de situações excepcionais que a lei não permite, mas a apreciação daquele comportamento com vista a apurar se se subsume na previsão da norma implicada.

47. Com efeito, no caso em apreço, o respeito da boa fé impõe à Administração que se não prenda a razões formais e que atenda à verdade material e, que, desse modo, devolva o equilíbrio a uma relação que o erro na informação prestada desvirtuou.

48. Na verdade, o princípio da boa fé – que o Decreto-Lei nº 6/96, de 31 de Janeiro introduziu expressamente no elenco de princípios gerais de direito administrativo -, como decorrência que é da tutela da confiança, implica que se tenham em conta “os valores fundamentais do direito” – o que é o mesmo que dizer que a Administração e os particulares não se devem bastar somente com a vertente formal das situações – e, em especial, impõe a consideração da “confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa” e do “objectivo a alcançar com a actuação empreendida” (artº 6º-A do Código do Procedimento Administrativo).

49. Ora, se é certo que, como refere o Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo refere, no seu ofício nº …, o acto da administração “…é um acto de aceitação ou confirmação…” e se trata de um acto vinculado, ou, como se refere naquele ofício “totalmente vinculado”, também é certo que essa vinculação resulta, em primeiro lugar, da própria vontade do beneficiário expressa na sua declaração; isto é, o acto administrativo, neste contexto, é antes de mais vinculado ao sentido da vontade do beneficiário porquanto a administração se limita a “aceitar” ou “confirmar” a eficácia prevista na lei em função da vontade declarada pelo beneficiário.

50. É por essa razão que, atentos os princípios acima enunciados, não é possível nem é legítimo dissociarem-se esses efeitos da vontade do beneficiário, como, também, não é possível nem é legítimo, não atribuir relevância aos vícios que tenham afectado aquela vontade, sob pena de, então sim, subverter a legalidade.

51. Assim sendo, a conformidade à lei que constitui o fundamento da irrevogabilidade dos actos vinculados, haverá, necessariamente, que ser aferida em função da validade da vontade do beneficiário expressa na sua declaração.
E, se se verificar que essa vontade estava viciada, não pode concluir-se pela conformidade à lei do acto administrativo que se consubstancie na “aceitação” ou “confirmação” dessa vontade.

52. Acresce que, no presente caso, a reposição da legalidade que está aqui, essencialmente, em causa prende-se com a obrigação a obrigação da Administração de ressarcir o beneficiário dos prejuízos decorrentes prestação de uma informação deficiente. Ou, de outro modo, se há alguma vinculação a invocar é a da Administração quanto à compensação dos danos que provocou.

53. Por último, não posso deixar de sublinhar um facto que não se prende tanto com a estrita legalidade, antes com o bom senso, juízo que me parece não ter norteado a avaliação do Centro Regional. É que este aparenta ignorar que a resolução do caso vertente não traria qualquer prejuízo para a segurança social, já que ao permitir-se ao interessado alterar a opção que realizou, sobre ele recairia naturalmente o dever de pagar as correspondentes contribuições com efeitos retroagidos ao momento da primeira opção.

Em face do exposto, RECOMENDO:

a Vossa Excelência que transmita ao Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo orientação no sentido de promover a revisão do processo, por forma a permitir ao beneficiário que opte, com efeitos a 1994, pelo escalão de rendimentos a considerar para efeitos da incidência de contribuições que teria optado se, nessa data, a sua vontade não tivesse sido viciada pela informação deficiente que lhe foi prestada pelos serviços de segurança social.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL
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(1) Cfr. Constituição da República Portuguesa, Anotada, 3ª edição pág. 922.