Ministro da Administração Interna

Rec. n.º 27/A/00
Proc.:R-1249/99
Data:2000-03-28
Área: A 3

Assunto: FORÇAS ARMADAS E FORÇAS DE SEGURANÇA. MILITAR GNR. ACIDENTE DE SERVIÇO. RESPONSABILIDADE CIVIL. INDEMNIZAÇÃO.

Sequência: Não Acatada

1. A Senhora …, viúva do Senhor …, ex-militar da Guarda Nacional Republicana, da Brigada Territorial nº 5, dirigiu-me um reclamação, onde alega, essencialmente, que tendo o seu marido sido vítima de um acidente em serviço e por motivo do seu desempenho, do qual resultou a sua morte, deveria ser indemnizada pelos danos que daí decorreram para si e para o seu filho.

Dos factos

2. Após inúmeras diligências instrutórias levadas a cabo por esta Provedoria, foi apurada a seguinte matéria de facto relevante para a apreciação deste caso:
2.1. O marido da reclamante, soldado da GNR, foi vítima de um acidente em 23.04.97 quando, montado a cavalo, treinava o “Carrocel Misto”;
2.2. O acidente foi provocado pelo embate do cavalo numa mota que fazia o cruzamento;
2.3. Do embate resultou a queda do cavalo e do seu cavaleiro, tendo aquele ficado em cima deste e, ao tentar levantar-se, escoiceado o mesmo na cabeça e lhe provocado um traumatismo crânio-encefálico;
2.4. O marido da reclamante faleceu 9 horas após o acidente;
2.5. A autópsia apurou que a causa da morte se ficou a dever a lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas;
2.6. O acidente foi qualificado como acidente em serviço pelo Comandante da Brigada Territorial nº 5, sem culpabilidade do sinistrado na sua produção, tendo o Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana considerado, também, que a morte do militar em causa foi directa consequência do acidente ocorrido em serviço e por motivo do mesmo (ver fls. 36 e 37 do processo de averiguações);
2.7. De acordo com o depoimento testemunhal de J. V., junto a fls. 4 do processo de averiguações, o treino do exercício do “carrocel misto” não constituía “novidade para os executantes, até porque já se tratava do 9º treino e já se vem efectuando pelo mesmo pessoal há alguns anos, sem que tenha havido quedas com consequências graves como agora ocorreu”. Além disso, esta testemunha afirmou ainda que o marido da reclamante era um cavaleiro experiente.
2.8. Resulta, a final, do processo de averiguações que as responsabilidades pelo acidente são “inimputáveis, prima facie, a quem quer que seja e o evento poderá tipificar o fortuito, emergente dos riscos próprios do exercício em causa”.
2.9. O Comando Geral da GNR comunicou aos serviços que dirijo que “antes do acidente em causa não se encontrava prevista a utilização da dita protecção (uso de capacete), não apenas em exibições ou treinos para as mesmas, levadas a efeito como demonstrações de destreza, mas também em todos os domínios de utilização do cavalo, mormente na instrução, onde se potenciam riscos de algum modo similares”;
2.10. Mais informou que “no caso concreto do “Carrocel Misto” da Brigada n.º 5, logo depois do acidente foi determinada a obrigatoriedade de uso de capacete de protecção, nos treinos como em apresentações públicas …”;
2.11. Submetido o processo clínico do sinistrado à consideração do perito médico desta Provedoria, veio este a concluir, após verificar que as lesões que o marido da reclamante sofreu se traduziram em fractura de ossos do crânio como a abóbada e base, assim como as estruturas nele contidas (meninge e encéfalo), que não tem dúvidas em afirmar “que se o mesmo fosse portador de capacete de protecção as probabilidades que teria em não ter falecido seriam bastante elevadas”. Referiu ainda não haver mais lesões noutros órgãos ou sistemas que pudessem ter contribuído para o seu falecimento.
2.12. O Inquérito-crime, oportunamente instaurado, foi arquivado com o fundamento de não se ter apurado que a morte do marido da reclamante “se tenha ficado a dever a conduta negligente de quem quer que fosse ou à omissão de qualquer dever de cuidado”, pelo que foi, ali, concluído não se enquadrarem os factos no domínio da negligência, mas no do caso fortuito, inexistindo, por isso, a prática de ilícito criminal;
2.13. À reclamante e ao seu filho foram pagas todas as prestações a que tinham direito em virtude da morte do militar em causa – subsídios por morte e subsídio para funeral – continuando, neste momento, os mesmos a receber as que têm carácter continuado, nomeadamente a pensão de sobrevivência e a pensão de preço de sangue.

Da pensão de preço de sangue

3. A título de questão prévia, importa analisar se a pretensão da reclamação – indemnização a pagar pelo Estado pelos danos sofridos em virtude da morte do seu marido ocorrida em serviço -, a ser procedente, pode ser cumulável com a pensão de preço de sangue que a mesma já se encontra a receber. Para isso, é de toda a conveniência perceber qual a natureza desta pensão.
3.1. À data da morte do militar em causa, as pensões de preço de sangue achavam-se reguladas pelo Decreto-Lei n.º 404/82, de 24/9, com as alterações que lhe foram sendo introduzidas por vários diplomas, sendo as mais relevantes as do Decreto-Lei n.º 288/88, de 28/7.
Do preâmbulo deste diploma infere-se que “a natureza das pensões em causa foi sempre a de uma prestação pecuniária destinada a não deixar em dificuldades económicas os autores de actos relevantes e dignos de público reconhecimento ou as pessoas a eles ligadas”, acrescentando-se ainda: “daí que a carência económica dos beneficiários tivesse sido sempre um dos requisitos da atribuição das pensões”. Efectivamente, o Decreto-Lei n.º 404/82, de 24/9, no seu artigo 10º prevê expressamente a redução do quantitativo da pensão face a eventuais rendimentos que o interessado disponha.

Ora, o Decreto-Lei n.º 266/88, de 28/7, veio reconhecer que este requisito não se coaduna com a “natureza essencialmente indemnizatória que estas pensões devem assumir quando dos actos que lhes dão origem tenha resultado o falecimento ou a impossibilidade física do seu autor”, pelo que determinou que, nestes casos, não haverá qualquer redução, sendo a pensão atribuída independentemente da situação económica dos beneficiários.
Não obstante, estabeleceu no n.º 8, do artigo 7.º a impossibilidade de cumulação destas pensões com “qualquer outra pensão atribuída pela prática dos mesmos actos ou por virtude das suas consequências, e ainda das que constituam já indemnização da impossibilidade física ou do falecimento …”, pelo que o interessado que se encontre nessas circunstâncias terá de optar por uma das pensões.

Por sua vez, o novo diploma que regulou esta matéria – Decreto-Lei n.º 466/99, de 6/11 – para além de manter a regra da não redução do valor destas pensões em caso de falecimento ou incapacidade absoluta e permanente do seu autor para o trabalho, veio ainda prever que “se o beneficiário do direito à pensão receber de terceiro indemnização destinada a reparar danos patrimoniais resultantes da incapacidade ou do falecimento, o abono da pensão será suspenso até que nela se esgote aquela indemnização”.
Dúvidas não restam, pois, que as pensões de preço de sangue, mesmo quando revestem natureza indemnizatória, como no caso de falecimento, apenas se destinam a compensar danos patrimoniais emergentes da morte ocorrida em serviço e por virtude do seu desempenho, nomeadamente os decorrentes da perda de remuneração do seu autor.
Por outro lado, o montante de tais pensões corresponde a uma percentagem do vencimento do falecido, percentagem essa que varia consoante se trate do próprio, de cônjuge, descendentes, pessoa que o tenha criado, ascendentes ou irmãos.

3.2. Verifica-se, assim, que os danos a compensar por esta via não são inteiramente coincidentes com aqueles que se visa compensar quando existe responsabilidade civil extracontratual do Estado, ou seja, responsabilidade subjectiva do Estado no evento que deu origem ao falecimento, uma vez que esta abrange não só danos patrimoniais (embora o apuramento do seu montante seja feito de forma diversa, pelo que poderá chegar-se a resultados também diferentes), mas também danos morais.
Sendo os danos a compensar diferentes, importa saber se é possível cumular os dois tipos de responsabilidade em presença. Para isso, convém, em primeiro lugar, perceber que o fundamento da responsabilidade é também distinto em cada caso. Na verdade, nas pensões de preço de sangue estamos perante uma responsabilidade objectiva do Estado, que não atende à culpa deste no evento. Tal responsabilidade é tipificada e excepcional relativamente à responsabilidade extracontratual do Estado, sendo, por essa razão, limitada a responsabilidade do respectivo responsável, a qual, no caso das pensões de preço de sangue, visa apenas compensar danos patrimoniais (nomeadamente, a perda de rendimentos do falecido) e com limites.
Trata-se, pois, de saber como reparar o dano quando se verifica um verdadeiro “concurso de imputações” de responsabilidade, para usar a expressão de Menezes Cordeiro(1), nomeadamente um concurso heterogéneo (sempre que do mesmo dano emergem imputações várias, de tipo diverso) na medida em que o dano, no caso em apreciação, poderá ter ocorrido numa zona simultaneamente coberta pelo risco e pela sanção por facto ilícito.
Ensina, porém, este autor que o concurso “é, tão só, aparente, uma vez que o ordenamento prescreve uma determinada hierarquização para as diversas imputações, de tal forma que ou apenas uma delas funciona, ou ambas funcionam em momentos diferentes”.
É evidente que o lesado, em caso de concurso de imputações, terá sempre direito à reparação de todo o dano. Ora, sendo a responsabilidade objectiva ou pelo risco limitada por lei, limitação esta que decorre, desde logo, da ausência de culpa dos seus responsáveis, tal disposição não pode afastar a aplicação das regras gerais da responsabilidade civil subjectiva que visam reparação integral do dano.
Assim, se no caso em apreciação vier a concluir-se pela existência de responsabilidade delitual do Estado, coincidirá neste a imputação de responsabilidades, pelo que caberá sempre ao Estado a reparação integral do dano.

Da responsabilidade civil extracontratual do Estado

4. Chegados a este ponto, cumpre apreciar o caso concreto do ponto de vista jurídico, no sentido de verificar se é possível imputar ao Estado a obrigação de indemnizar a reclamante pelos danos decorrentes da morte do seu marido a título de responsabilidade por facto ilícito.
Assim, como se viu, uma vez que a pensão de preço de sangue apenas tem em vista compensar danos patrimoniais, embora em conjunto com a pensão de sobrevivência, possa não ser suficiente para cobrir todos os danos patrimoniais efectivamente sofridos, só por via do recurso às regras gerais da responsabilidade civil subjectiva se poderá tentar obter uma indemnização pelos danos morais sofridos e pelos demais danos patrimoniais ocorridos. Todavia, aqui, só nos casos em que se verifique haver culpa da entidade patronal, ou seja, em que fique provado que a mesma actuou, por acção ou omissão, com negligência ou dolo na ocorrência do acidente. Com efeito, tal é o que resulta do disposto no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 48051, de 21.11.67, que dispõe o seguinte: “O Estado e demais pessoas colectivas públicas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício”.
4.1. Tratando-se de acidente ocorrido em ocasião de serviço à GNR e por motivo do seu desempenho, a conduta a apreciar acha-se inserida no domínio da gestão pública (porque atinente ao funcionamento de uma força de segurança do Estado). Cumprirá, assim, aferir da verificação dos pressupostos daquela responsabilidade, ou seja, apreciar se se verificam, no caso concreto, os pressupostos da ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade entre o dano e a conduta.
4.2. Quanto à ilicitude importa considerar o disposto no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 48051 já citado, que estatui o seguinte: “Para efeito deste diploma, consideram-se ilícitos os actos que violam as normas regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração”.
No caso concreto em apreciação, as conclusões apuradas no âmbito do processo de averiguações instaurado no serviço são, apenas, suficientes para afastar a culpa dos intervenientes no acidente. Com efeito, as referências feitas, nos depoimentos testemunhais, quer à experiência do marido da reclamante como cavaleiro, quer à prática de todos os executantes do treino em causa, apontam naquele sentido.
Caberá, não obstante, verificar se, face ao tipo de exercício em causa e ao risco inerente à prática do mesmo – treino do “Carrocel Misto” -, os agentes responsáveis da Guarda Nacional Republicana actuaram faltosamente, nomeadamente omitindo os deveres de cuidado que a situação exigia. É que o acto ilícito pode traduzir-se numa omissão ou abstenção de agir praticada no exercício de funções e por causa desse exercício, conforme decorre, desde logo, do próprio artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa.
Das diligências instrutórias realizadas resultou claro que, antes do acidente, não estava, de facto, prevista a utilização de capacetes de protecção “em todos os domínios de utilização do cavalo”, como medida de segurança destinada a limitar os riscos inerentes a este tipo de actividade. Verifica-se, porém, que, logo após o acidente e no caso concreto do “Carrocel Misto”, foi determinada a obrigatoriedade de uso de capacete de protecção, nos treinos e em apresentações públicas.
Tal medida, tomada a posteriori, é reveladora, só por si, da inobservância pelo serviço de normas de prudência comum, nomeadamente do uso obrigatório de capacetes de protecção – a que expressamente se refere o já citado artigo 6.º – e que deveriam ter sido tomadas em consideração, uma vez que as mesmas são adequadas e absolutamente necessárias para assegurar condições efectivas de segurança nos treinos em causa. Trata-se de uma medida de segurança de índole passiva que, desde logo, se oferece em ordem à limitação dos riscos inerentes a actividades do género.
É, aliás, por esta razão que a Federação Equestre Portuguesa obriga ao uso de uma protecção de cabeça rígida (toque) por todos os cavaleiros quando saltem os seus cavalos em provas ou no aquecimento, sendo que para os Júniores, Juvenis e Iniciados tal protecção da cabeça é obrigatória desde que estejam a cavalo (vide art. 237.º do Regulamento Nacional desta Federação).
4.3. No que respeita à culpa em sentido amplo – dolo, mera culpa e negligência – tem sido entendido que a mesma consiste na imputação do facto ao agente e exprime um juízo de reprovação da conduta do agente, que podia e devia ter agido de outro modo (Ac. do STA, de 19.03.92, rec. n.º 30 014).
No caso que nos ocupa, parece poder concluir-se que a GNR não usou da prudência exigível, tendo actuado com zelo e diligência inferiores àqueles a que estava obrigada, já que deveria ter previsto os riscos potenciais da actividade desenvolvida pelos respectivos militares. Com efeito, não assegurou, como devia, a segurança dos militares envolvidos naquele treino.
Torna-se, contudo, difícil imputar a conduta ilícita e culposa a um agente determinado. Com efeito, embora a ordem de execução dos treinos do “Carrocel Misto” tenha sido proferida verbalmente pelo Comandante da Companhia de Comando e Serviços da Brigada Territorial n.º 5 (ver fls. 15 do processo de averiguações), poderia não ser a este que competia a formulação das regras gerais de segurança destinadas a evitar os riscos potenciais da actividade desenvolvida pela GNR.
Certo é, porém, que não constitui obstáculo à qualificação da actuação da GNR como culposa a circunstância de não ser possível imputar a conduta a um agente determinado.
Na verdade, tem sido admitido quer pela doutrina(2), quer pela jurisprudência(3) a figura da “culpa de serviço” que Jean Rivero(4) define como uma deficiência no funcionamento normal do serviço, atribuível a um ou a vários agentes da Administração, mas que não lhes é imputável a título pessoal. Na mesma linha, o Prof. Freitas do Amaral(5) adianta: “Cada vez mais nos nossos dias pode suceder que o facto ilícito e culposo causador de danos, sobretudo se revestir a forma de uma omissão, não possa ser imputado a um autor determinado, ou a vários, antes o deva ser ao serviço globalmente considerado”.
A culpa é aqui aferida pelo que era razoável exigir ao serviço, tendo nomeadamente em atenção, entre outros factores, a natureza das actividades pelo mesmo desenvolvidas.
4.4. Por último, cumpre referir que a omissão já mencionada – não previsão do uso obrigatório de capacetes de protecção – actuou como condição do dano. De facto, verificando-se, em primeiro lugar, que o coice do cavalo foi causa adequada a produzir a morte do marido da reclamante e, por outro lado, que o perito médico desta Provedoria entendeu não existirem outras lesões que fossem causa adequada à produção daquele dano, pode afirmar-se que tal dano poderia ter-se evitado, com grande probabilidade, se o marido da reclamante usasse um capacete de protecção.

É que, uma vez que o Decreto-Lei n.º 48 051, de 21.11.67, nada dispõe quanto à questão do nexo de causalidade, impõe-se, quanto a esta matéria, o recurso às normas do Código Civil. Aqui, pode ler-se, no artigo 563º, que a obrigação de indemnizar só existe relativamente “aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”, preceito este geralmente entendido como consagrando a teoria da causalidade adequada.
Como ensina Pessoa Jorge(6) “essa adequação traduz-se em termos de probabilidade, fundada em conhecimentos médios. (…) Deste modo, o dano considerar-se-á efeito do facto lesivo se, à luz das regras práticas da experiência e a partir das circunstâncias do caso concreto, era provável que o primeiro decorresse do segundo, de harmonia com a evolução normal (e, portanto, previsível) dos acontecimentos”. E mais adiante acrescenta “… a adequação não abrange apenas a causa e o efeito isoladamente considerados, mas todo o processo causal. É necessário, por outras palavras que o efeito tenha resultado do facto, considerado causa dele, pelo processo por que este é adequado a produzi-lo”.

Assim sendo, face à matéria de facto exaustivamente descrita, verifica-se a existência de um verdadeiro nexo de causalidade entre a omissão já aludida e a morte do militar da GNR, já que o uso obrigatório de capacete de protecção, medida que deveria estar regulamentada a priori, destina-se exactamente a prevenir os riscos previsíveis e prováveis deste tipo de exercícios desenvolvidos pelos militares da GNR. Com efeito, quer isoladamente considerada, no caso concreto, quer em abstracto, aquela omissão foi causa directa e adequada da morte.
Nessa medida, sendo a GNR uma força de segurança directamente dependente do Ministro da Administração Interna no que concerne, nomeadamente, à disciplina e execução do serviço decorrente da sua missão geral (art. 9.º, n.º 1, al. a) do Decreto-Lei, n.º 231/93, de 26 de Junho), é a este que cabe responder pela actuação culposa.

5. Ainda uma nota breve para assinalar que o facto de não existir responsabilidade penal não afasta a responsabilidade civil que no caso concreto se impõe. Com efeito, os pressupostos de cada uma delas são diferentes, sendo a responsabilidade criminal sempre uma responsabilidade pessoal. Por outro lado, a responsabilidade civil não visa a punição de comportamentos mas sim a imputação de danos.
Ora, no caso que nos ocupa, não se apurou que a omissão do dever de cuidado que as circunstâncias impunham tenha sido atribuída a um agente determinado, mas sim a uma “faute du service” globalmente considerado(7).

Em face do exposto, RECOMENDO:

a Vossa Excelência a adopção de medidas com vista à atribuição de indemnização à Senhora …, bem como ao seu filho, a título de responsabilidade civil extracontratual (por omissão), pelos danos que lhes foram causados pela morte do Soldado …, ocorrida ao serviço da Guarda Nacional Republicana.
A Provedoria de Justiça disponibiliza-se, desde já, para auxiliar no cálculo da indemnização, caso assim venha a ser entendido, à semelhança do que tem sucedido noutras situações(8).
Com o pedido de que, com a brevidade possível, me seja comunicada a posição que vier a ser assumida relativamente a esta Recomendação.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL
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(1) in “Direito das Obrigações”, II volume, Lisboa, 1990
(2) Cfr. Freitas do Amaral, Direito Administrativo, III, pág. 498.
(3) Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 4.06.81, in AD, 240, p. 1450.
(4) in “Direito Administrativo”, p. 319.
(5) obra e página citada.
(6) in “Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil”, Coimbra, 1995, p. 392 e ss.
(7) Sobre a distinção entre faltas pessoais dos agentes e faltas do serviço tem-se debruçado, já há longos anos, a jurisprudência francesa. Aqui, a condenação penal de um Presidente da Câmara em virtude do mau funcionamento de um serviço público provocou uma revolução a nível municipal e foi objecto das mais duras criticas da doutrina que reputou de iníqua aquela condenação por se tratar não de uma falta pessoal mas de uma falta que não pode ser separada do serviço (vide in “La responsabilidad civil concurrente de las administraciones publicas”, Santiago Muñoz Machado, Editorial Civitas, 1992, p. 23 e ss.).
(8) cfr. Resoluções do Conselho de Ministros n.ºs 90/96, de 19.06.96, 27/97, de 30.05.97 e 19/98, de 12.02.98.