Presidente da Câmara Municipal do Porto

Rec. n.º 8/B/00
Proc.: R-105/99
Data:2000.03.08
Área: A 1

Assunto: ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO. DOMÍNIO PUBLICO. PUBLICIDADE. VIA PÚBLICA. CÓDIGO DA PUBLICIDADE. PROFISSÕES LIBERAIS.

Sequência: Não Acatada

I- Exposição de motivos

1.º- Da reclamação e seus fundamentos

Em queixa apresentada na Provedoria de Justiça foi pedida a minha intervenção contra a actuação da Polícia Municipal do Porto traduzida na instauração de processos de contra-ordenação aos proprietários de placas identificadoras da respectiva actividade profissional, afixadas no exterior de edifícios ou no interior dos mesmos mas visíveis da via pública, por entender que carecem de prévio licenciamento municipal.
Da instrução do processo resulta que a actuação da Polícia Municipal do Porto se funda em parecer da Direcção Municipal de Finanças e Património dessa Câmara Municipal, no qual se terá concluído que não carece de licença municipal a afixação de tabuletas no exterior dos edifícios, desde que com simples menção do nome do prestador do serviço, endereço e horas de expediente, excluindo-se, porém, “qualquer referência à actividade ou serviço prestado, pelo que a sua inclusão se enquadra no conceito de publicidade”.

Com base neste entendimento, a Polícia Municipal do Porto procede à instauração e instrução de processos de contra-ordenação por motivo da afixação de placas que contenham indicação do exercício de qualquer profissão ou actividade de prestação de serviços, por considerar que esta menção se enquadra no conceito de publicidade, constituindo, assim, infracção ao disposto no art.º 191.º do Código de Posturas do Concelho do Porto, que sujeita a licença municipal “a colocação ou utilização de anúncios e reclamos, visíveis da via pública, com ou sem carácter comercial”.

2.º- Do regime jurídico aplicável

Importa, para efeitos de análise da questão enunciada, ter em conta a definição legal de publicidade, bem como o regime atinente à afixação e inscrição de mensagens publicitárias e de propaganda e a sua aplicação às situações descritas.
Considera-se publicidade, no que ao caso interessa, qualquer forma de comunicação realizada no âmbito de uma actividade comercial, industrial, artesanal ou liberal, com o objectivo de promover, com vista à sua comercialização ou alienação, quaisquer bem ou serviços(1).
Por se entender que a afixação pública – em lugares públicos ou visíveis pelo público em geral – é susceptível de afectar interesses gerais, o legislador submeteu esta actividade a um sistema de licenciamento administrativo prévio a cargo das câmaras municipais. Dispõe-se na Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto, que a afixação de mensagens publicitárias de natureza comercial obedece às regras gerais sobre publicidade e depende de licenciamento prévio por parte da câmara municipal(2).

Do preceito enunciado decorre que apenas a afixação ou inscrição das mensagens que se subsumam ao conceito legal de publicidade está sujeita a licenciamento municipal. A afixação em lugar público ou visível pelo público em geral, de mensagens de outra natureza, ainda que sujeita a restrições ditadas por motivos diversos, designadamente a circunstância de se tratar de imóveis públicos ou privados, não está sujeita ao sistema de licenciamento constante da Lei nº 97/88, ou de regulamento municipal que desenvolva o regime respectivo.
Por seu turno, compete aos órgãos do município definir os critérios de licenciamento para salvaguarda do equilíbrio urbano e ambiental(3). Porque se trata, no caso, de critérios que operam restrições a uma actividade económica privada, revestindo assim a natureza de restrições ao exercício da liberdade de iniciativa económica privada – sem dúvida, um direito de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias – o legislador estabeleceu, desde logo, os valores que justificam a imposição de critérios de licenciamento e permitem restrições ao exercício da mencionada liberdade(4).

Assim, apenas pelos motivos fixados no elenco legal pode ser interdita a actividade de afixação pública de mensagens publicitárias: afectação da estética, do ambiente urbano e da paisagem, beleza e enquadramento de monumentos nacionais, de edifícios de interesse público ou outros susceptíveis de ser classificados pelas entidades públicas, afectação da segurança das pessoas e bens, designadamente, da circulação rodoviária, ferroviária e pedonal.
Contido em lei formal o essencial da regulamentação da matéria, em obediência ao princípio constitucional da reserva parlamentar no que se refere às restrições aos direitos, liberdades e garantias e aos direitos de natureza análoga(5), não podem os regulamentos municipais, porque de carácter secundário e executivo, vir dispor de forma inovatória sobre a matéria. Devem limitar-se a desenvolver quanto se contém na lei, não podendo, com eficácia externa, interpretar ou modificar a disciplina legal(6).

Do mesmo passo, não podem tais regulamentos estender o âmbito material da actividade que o legislador entendeu submeter ao sistema de controlo prévio, ou, por outras palavras, alargar o conceito legal de publicidade de forma a contemplar comunicações de outra natureza.
Para aferir se uma determinada mensagem possui tal carácter, há que atender, no conceito legal mencionado, ao elemento volitivo ou intencional. Reveste carácter publicitário qualquer comunicação que seja feita com a intenção de promover, para comercialização ou alienação, bens ou serviços e que por isso se apresente com natureza retórica, implicativa, de tom imperativo, de exortação ou de conselho(7).

O conceito descrito faz apelo a uma ideia de comercialização de bens ou serviços, qualificativa da comunicação de massas de conteúdo económico e intenção persuasiva, que constitui a essência da definição legal de publicidade comercial.
Desta se terá de excluir, pois, “toda a informação científica, política, didáctica, lúdica ou humanitária, porque alheia à actividade económica, mesmo quando seja promovida com a intenção de gerar certa convicção nos seus destinatários, e simetricamente, a simples informação descritiva ou estatística relativa à actividade económica que não surja com intenção de promoção”(8).

3.º- Do art.º 191.º do código de posturas do concelho do Porto

Tendo em consideração a argumentação expendida, forçoso é concluir que o disposto no art.º 191.º do Código de Posturas do Concelho do Porto, ao sujeitar a licença municipal “a colocação ou utilização de anúncios e reclamos, visíveis da via pública, com ou sem carácter comercial”, alarga o conceito de actividade publicitária, pretendendo modificar, com eficácia externa, o âmbito de aplicação da Lei n.º 97/88, nele incluindo a afixação de mensagens relativas a determinada actividade económica, mas sem carácter promocional.
Isto, ao dispor que se encontram sujeitas a licenciamento a afixação de tabuletas contendo mera indicação do nome, local e serviço prestado, como é de uso com as profissões liberais. Uma mensagem desta natureza não possui natureza persuasiva ou promocional, mas serve de mera indicação que permite a identificação do prestador e do local de prestação de um dado serviço, não revestindo natureza comercial, no sentido de comunicação dirigida à comercialização ou alienação de bens ou serviços.

A mencionada norma regulamentar enferma, assim, de ilegalidade, por avançar para além do âmbito da previsão normativa que visa desenvolver, ao exigir o licenciamento da afixação e inscrição de mensagens não publicitárias.
Mais se diga que o mencionado preceito se deveria abster de proceder à qualificação das mensagens por referência ao seu carácter comercial ou não comercial, devendo limitar-se a definir o seu âmbito de aplicação por remissão para a noção legal de publicidade e de actividade publicitária. Desta forma, não se suscitariam dificuldades de aplicação do preceito e estaria garantida a sua conformidade com a norma legal que pretende regulamentar.

4.º- Da proibição de publicidade profissional por parte de advogados e de médicos

As queixas que me foram dirigidas e que motivam a presente recomendação, não dizem respeito apenas a placas identificadoras da prestação de serviços por advogados e médicos, justificando-se, porém, dedicar alguns parágrafos à situação destes profissionais, atentas as especificidades que quanto a esta matéria se contêm nos respectivos códigos deontológicos. Refira-se, ademais, que o essencial das considerações quanto a este aspecto foi transmitido já à Polícia Municipal do Porto no decurso da instrução do processo.
Aos advogados e aos médicos está-lhes vedado o exercício da publicidade profissional, por se entender que tal contende com a dignidade e o prestígio próprio das respectivas profissões, bem como com os interesses públicos que as suas actividades prosseguem(9). E para que dúvidas não restem face a esta proibição, a lei salvaguarda os casos mais frequentes e duvidosos, enunciando aqueles que se considera não constituírem qualquer forma de publicidade, directa ou indirecta. Para além de outros, aqui se inclui, precisamente, o uso de tabuletas no exterior de escritórios e consultórios(10).

Em caso algum se proíbe a afixação de tabuletas com simples menção do nome do advogado, endereço do escritório e horas de expediente, ou contendo o nome, local do consultório e da residência, títulos legais ou competências reconhecidas pela Ordem dos Médicos, dias e horas de consulta, telefone do consultório e/ou da residência.
Bem se compreende que os estatutos deontológicos destes profissionais entendam que as menções indicadas não constituem uma forma de publicidade, mas antes, mera identificação dos profissionais, nesta se compreendendo a natureza do serviço prestado. De outra forma, careceria de total utilidade a mensagem em questão.
De acordo com as explicações dadas à Provedoria de Justiça, entende a Câmara Municipal do Porto que as mencionadas tabuletas estariam sujeitas a licenciamento por entender que se destinam a promover serviços no âmbito de actividades liberais, enquadrando-se no conceito de publicidade definido no art. 3º do Código da Publicidade, pelo que o não cumprimento da regra do licenciamento prévio coloca o responsável numa situação de transgressão.

Vistos os argumentos aduzidos supra, não posso acompanhar tal entendimento. As tabuletas em questão não visam promover a comercialização de quaisquer serviços, antes constituindo mera forma de informação aos utentes. Aliás, e como já foi oportunamente ponderado aos serviços municipais, há uma contradição na base deste raciocínio que uma vez mais importa apontar.
Ainda que as tabuletas constituíssem uma forma de publicidade, o que não se concede, nunca estariam sujeitas a qualquer forma de licenciamento ou procedimento de legalização, pela simples razão que seriam ilegais e ilegalizáveis, atenta a clara proibição do exercício da publicidade que impende sobre advogados e médicos.
Ou se entende que as tabuletas constituem uma forma de publicidade, e nesse caso ilegais, no que se refere a advogados e médicos, por contrariarem os respectivos códigos deontológicos, ou se considera que constituem meras indicações para os utentes dos serviços, claramente permitidas pela lei. Tanto num caso, como no outro, não estão sujeitas a licenciamento, nem terão que ser legalizadas.

No primeiro, porque seriam ilegais, e mais não restará senão removê-las e sancionar disciplinarmente a conduta do infractor. No segundo, porque não se está perante qualquer forma de exercício de publicidade, única situação em que é lícito à Câmara Municipal do Porto exigir o prévio licenciamento da respectiva afixação.

De acordo com o exposto,RECOMENDO:

1) Que seja proposta à Assembleia Municipal do Porto a revogação do art.º 191.º do Código de Posturas do Porto, e aprovada norma regulamentar que, com vista ao desenvolvimento do regime jurídico contido na Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto, se limite a definir o âmbito de aplicação da regra do licenciamento prévio da afixação e inscrição de mensagens publicitárias por remissão para o conceito legal de publicidade e de actividade publicitária, contidos no Código da Publicidade (arts 3.º e 4.º);

2) Que se abstenha a Polícia Municipal do Porto de instaurar processos de contra-ordenação e intimar à legalização por motivo da afixação das placas e tabuletas, que se limitem à mera indicação do nome, local, horas de expediente e serviços prestados por profissionais liberais.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL
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(1) Art.º 3.º, n.º 1, alínea a), do Código da Publicidade, aprovado pelo Decreto-Lei nº 330/90, de 23 de Outubro, com a redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 275/98, de 9 de Setembro. Sem que releve para a presente análise, insere-se ainda na definição legal de publicidade, a comunicação efectuada no âmbito de qualquer actividade comercial, industrial, artesanal ou liberal com vista a promover ideias, princípios, iniciativas ou instituições (art.º 3.º, n.º 1, alínea b), do Código da Publicidade).
(2) Art.ºs 1.º, n.º 1, e 2.º, n.º 1, da Lei n.º 97/88.
(3) Art.º 1.º, n.º 2, da mencionada Lei n.º 97/88.
(4) Art.º 4.º da Lei n.º 97/88.
(5) Art.ºs 18.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea b), da Constituição.
(6) Art.º 112.º, n.º 5, da C.R.P.
(7) ALMEIDA, Carlos Ferreira de, Conceito de Publicidade, Boletim do Ministério da Justiça, 349, pp. 119 e 120.
(8) ALMEIDA, Carlos Ferreira de, ob. cit.
(9) Art.º 80.º, n.º 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados, e art.º 14.º, n.º 1, do Código Deontológico dos Médicos.
(10) Art.º 80.º, n.º 4 do Estatuto da Ordem dos Advogados, e art.º 15.º, n.º 1, Código Deontológico dos Médicos.