Presidente da Câmara Municipal do Funchal
Número: 24/A/99
Processo: 3657/98
Data: 15.04.1999
Àrea: A1

Assunto: URBANISMO E OBRAS – OBRAS PARTICULARES – LEGALIZAÇÃO – SALUBRIDADE – VISTORIA – REVOGAÇÃO DA LEGALIZAÇÃO

Sequência: Não Acatada

I – Dos Factos

1. Foi solicitada a intervenção do Provedor de Justiça junto de V. Exa., a propósito das obras de construção de uma churrascaria e instalações sanitárias, promovidas sem licença municipal pelo Sr…, na … , …, Santa Luzia.

2. Invocava a impetrante que a obra reclamada, pela sua proximidade,comprometia irremediavelmente as condições de ventilação e salubridade do compartimento de cozinha do edifício vizinho, situado na …, ….

3. Apontava, ainda, a reclamante o facto de a obra se ter desenvolvido perante a passividade dessa edilidade, já que não obstante a reiterada desobediência por parte do promotor da obra às sucessivas notificações de que foi alvo, com vista ao embargo da construção, nunca foi promovido processo de demolição coerciva, nem participada criminalmente a conduta do infractor.

4. Através do ofício nº …, de … p.p., foi V. Exa. instado a pronunciar-se quanto aos factos objecto de denúncia.

5. Por ofício de … p.p. (nº…), veio V. Exa. a tomar posição sobre o assunto, informando que a obra reclamada havia sido objecto de legalização (alvará de licença de construção nº …, de …, emitido na sequência da deliberação da Câmara Municipal de …).

6. Mais esclareceu V. Exa. no ofício em apreço, que verificada a desobediência ao embargo “não foram tomadas quaisquer sanções sobre a construção clandestina, uma vez que desde logo foi considerada a construção como legalizável, notificando-se o reclamado a apresentar projecto das obras pretendidas”.

II – Dos Fundamentos

Da análise dos elementos carreados no decurso da instrução do processo, resulta:

7. Em …, o Sr…, residente na …, …, informou V. Exa. que no prédio vizinho se promovia a construção de um muro, a tardoz da sua habitação, a distância que prejudicava “toda a vista e luz natural que esta possui”.

8. Nessa sequência, em …, informam os Serviços de Fiscalização de Obras Particulares que as obras reclamadas (construção de uma churrascaria com cerca de 24m2, e instalação sanitária) “são já do conhecimento desta câmara, são clandestinas. Por tal facto estes serviços fizeram participação das mesmas (…). A referida obra prejudica a ventilação de um compartimento localizado igualmente à partilha da reclamada, tal como já fora informado anteriormente” (…). Note-se que esta informação repete, no essencial, o teor da que já havia sido prestada em (…) (…).

9. Em … (ofício nº …), foi o munícipe faltoso notificado do embargo da obra e informado da cominação penal para a desobediência a tal decisão.

10. Nessa mesma data (ofício nº …), foi também informado das possibilidades de legalização da obra em apreço “na condição de apresentar declaração de anuência dos proprietários onde não são respeitados os afastamentos regulamentares”.

11. Em …, informam os Serviços de Fiscalização de Obras Particulares (…) que em deslocação ao local se verificou a desobediência à ordem de embargo encontrado-se, à data, a obra em fase de “acabamentos finais, faltando as pinturas”. Propunha-se, entre outras, na informação em análise, a instauração de processo contra-ordenacional. O que se desconhece ter acontecido.

12. Dado o incumprimento da ordem de embargo, e verificado que o munícipe faltoso não havia apresentado projecto que contemplasse a construção impugnada, em (…) foi expedido novo mandato de notificação impondo o prazo de 30 dias para a sua apresentação e alertando-o, uma vez mais, para a cominação penal prevista para a desobediência (ofício nº …).

13. Por despacho de …, exarado sobre a Informação nº …, de …, vem condicionar-se a legalização do compartimento reclamado à “apresentação de uma alternativa que assegure a iluminação e a ventilação da cozinha da reclamante”.

14. Em …, M. P., em reunião pública da câmara municipal denuncia, uma vez mais, a clandestinidade da construção impugnada e a passividade dos serviços camarários em face do comportamento do munícipe faltoso.

15. Em …, foi a reclamante informada que em cumprimento do despacho de …, tinha sido o promotor da obra clandestina novamente “oficiado a apresentar projecto das obras efectuadas” (ofício nº …).

16. Vem, agora, V. Exa., através do ofício nº …, de …, informar este Órgão do Estado, que por deliberação da Câmara Municipal de …, foi autorizada a legalização da obra questionada (churrascaria e garagem) tendo por base uma informação dos serviços técnicos camarários que consideraram que encontrando-se a construção reclamada afastada da “partilha”, no ponto menos favorável de 1 metro, tal facto não prejudica a ventilação do compartimento da impetrante.

17. Constitui, esta, uma posição inovadora que não me parece isenta de reparo.

18. Efectivamente, manda o Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 38382, de 7 de Agosto de 1951 (RGEU), que a construção de qualquer edifício se execute por forma a que fiquem assegurados o arejamento e iluminação naturais, não podendo as câmaras municipais consentir qualquer tolerância, a não ser que reconhecidamente se justifiquem por condições excepcionais e irremediáveis, criadas antes da publicação daquele regulamento (art. 58º e art. 63º).

19. Nesta esteira, vem o art. 73º do RGEU fixar o distanciamento mínimo a observar entre as janelas dos compartimentos de habitação e qualquer muro ou fachada fronteiro.

20. Constituindo a norma em apreço uma imposição de ordem pública, dado que pretende assegurar as condições de salubridade dos compartimentos de habitação, os limites de afastamento que impõe não poderão ser postergados.

21. E tais limites terão de ser respeitados pela construção nova relativamente àquelas que se encontram na sua área de influência, quer para salvaguarda das condições de arejamento e iluminação naturais dos seus próprios compartimentos de habitação, quer para salvaguarda das condições de salubridade dos daquelas que com ela confinam.

22. Ora, as condições de salubridade do compartimento de habitação da reclamante resultam claramente prejudicadas pela construção objecto de legalização, dado o incumprimento dos limites legais de afastamento.

23. E nem se diga que porque de cozinha se trata, esse compartimento não deverá ser considerado, para os efeitos que se pretendem, como de habitação.

24. É que, ao referir-se aos compartimentos de habitação, veio o art. 66º do RGEU remeter para a descrição constante do quadro elaborado a propósito do artigo que lhe sucede – onde se inclui o de cozinha -, exceptuando, tão somente, os vestíbulos, instalações sanitárias, arrumos e outros de funções similares.

25. Assim, a deliberação camarária que decidiu no sentido do deferimento do pedido de legalização da construção reclamada encontra-se ferida do vício de violação de Lei, por não se verificar, no caso em apreço, o cumprimento do disposto no supra referido art. 73º do RGEU.

26. É que, muito embora o art. 167º do RGEU confira às câmaras municipais o poder de decidir pela legalização de obra promovida clandestinamente, também impõe que para tal, a obra objecto dessa decisão satisfaça os requisitos legais e regulamentares de urbanização, de estética, de segurança e de salubridade.

27. No caso em apreço, a obra não satisfazia os requisitos legais de salubridade.

28. Em resultado, e porque de deliberação ilegal se trata, deverá a mesma ser revogada nos termos e nos prazos previstos nos art. 77º, al. b), do Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março e art. 141º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei nº 442/91, de 15 de Novembro.

29. Não posso, ainda, deixar de notar a inércia demonstrada pela Câmara Municipal a que V. Exa. preside em face do reiterado incumprimento, por parte do munícipe faltoso, das sucessivas notificações de que foi alvo, através das quais se impunha a adopção de medidas com vista ao cumprimento da legalidade.

30. Entendo que tal atitude não deverá ficar isenta de reparo.

31. É que comportamentos desta natureza inculcam nos munícipes a convicção generalizada de impunidade e de irresponsabilidade, o que será de evitar.

32. Ainda a este propósito, entendo dever recordar a V. Exa. que o princípio da subordinação da Administração à Lei comporta a necessidade de esta conformar a sua actuação com os quadros legais existentes, adoptando, com presteza, as medidas adequadas à reposição da legalidade e à prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legítimos dos cidadãos (art. 266º da Constituição da República Portuguesa e arts. 3º e 4º do Código do Procedimento Administrativo).

De acordo com o exposto

RECOMENDO

1. Seja revogado, com fundamento na sua invalidade, o acto administrativo que decidiu pela legalização da construção reclamada.

2- Doravante, e verificada a promoção de uma construção sem licença municipal, sejam, com a maior celeridade, praticados os actos necessários à reposição da legalidade violada.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL