Presidente da Câmara Municipal de S. Pedro do Sul
R-3624/97
N.º 87/A/99
1999.12.06
Área: A3

Assunto:SAÚDE PÚBLICA – TERMAS – ÁGUA BACTEROLOGICAMENTE IMPRÓPRIA – CONDUTA INCORRECTA DO MUNICÍPIO.

Sequência:Sem resposta

Como é do conhecimento de V.Ex.ª, recebi, em 24.9.97, uma reclamação apresentada pelo Senhor …., o qual alegava que, após uma estada nas Termas de S. Pedro do Sul, entre 16 e 27 de Julho de 1997, ele e a sua mulher padeceram de diversos problemas de olhos e ouvidos, que atribuíram à inquinação das águas das referidas Termas, provocada por se encontrar, à data, um animal em decomposição na nascente da água que as abastece.
O reclamante escrevera em Setembro de 1997 ao Centro Termal de S. Pedro do Sul, relatando o sucedido, e solicitando o pagamento das importâncias despendidas pelo casal no tratamento das doenças então contraídas. A Câmara a que V.Ex.ª preside respondeu apenas em Abril de 1998, e já depois da intervenção da Provedoria de Justiça, por meio de carta cuja cópia foi enviada a estes Serviços, na qual se negam os factos descritos pelo reclamante.

1. Da instrução do processo

1.1. Informações prestadas pela Câmara Municipal de S. Pedro do Sul
No âmbito da instrução do processo, estes serviços solicitaram a V.Ex.ª, por meio do ofício n.º …, que respondesse a diversas questões, tendo sido prestadas, em 6.11.98, as seguintes informações:
1. As análises bacteriológicas da água mineral natural obedecem a um programa definido pelo Instituto Geológico e Mineiro (I.G.M.) e pela Direcção-Geral da Saúde (D.G.S.).
2. As análises bacteriológicas e a sua certificação são realizadas pela D.G.S., através do laboratório da Sub-Região de Saúde de Viseu (A.R.S. do Centro)
3. No período de 16 a 19 de Julho não foram efectuadas análises na piscina colectiva.
4. Entre 17.7.97 e 31.7.97 foram detectadas algumas bactérias na água termal, não tendo sido “identificadas as estirpes bacterianas, desconhecendo-se se são patogénicas para o ser humano ou não.”
5. Procede-se diariamente ao controlo dos níveis de cloro e pH das águas utilizadas nas piscinas.
6. A coberto deste ofício foram ainda enviadas cópias das análises efectuadas às águas termais, das que se destacam as seguintes:

Análise n.º 4986:
Colheita efectuada no Poço da Nascente em 17.7.97, pelos serviços de saúde.
Resultado: Água bacteriologicamente imprópria para os fins a que se destina.

Análise n.º 5040:
Colheita efectuada no Poço da Nascente em 21.7.97, pelos serviços de saúde.
Resultado: Água bacteriologicamente imprópria para os fins a que se destina.

Análise n.º 5220:
Colheita efectuada no Poço da Nascente em 28.7.97, pelos serviços de saúde.
Resultado: Água bacteriologicamente imprópria para os fins a que se destina.

Análise n.º 5351:
Colheita efectuada na piscina colectiva em 31.7.97, pelos serviços de saúde.
Resultado: Água bacteriologicamente imprópria para os fins a que se destina.

Posteriormente, foram solicitados novos esclarecimentos a V.Ex.ª, com o objectivo de apurar quais as medidas tomadas em face dos resultados das análises acima expostos, designadamente se as piscinas teriam sido encerradas, tendo sido informado que, no período em causa “dispunha-se de um número considerável de resultados favoráveis”, pelo que a única medida tomada foi intensificar a periodicidade de realização das análises.

1.2. Informações prestadas pelo Instituto Geológico e Mineiro e pela Direcção-Geral da Saúde.

Uma vez que compete ao Instituto Geológico e Mineiro avaliar a qualidade das águas minerais no momento da sua captação, competindo à Direcção-Geral da Saúde o controlo da qualidade da água mineral natural utilizada nas áreas de tratamento nos estabelecimentos termais, foram contactadas estas entidades, tendo sido prestados os seguintes esclarecimentos:
1. Os controlos de qualidade são efectuados com base em programas de controlo notificados anualmente aos respectivos concessionários .
2. Nos termos do disposto no programa de controlo estabelecido com o Instituto Geológico e Mineiro, “sempre que, em face dos resultados analíticos, seja detectada qualquer anomalia que indique poluição nas captações, deverá ser suspensa de imediato a utilização da água e ser dado conhecimento a esta Divisão” (Divisão de Recursos Hidrogeológicos e Geotérmicos).
3. Este Instituto não teve conhecimento dos resultados das análises supra referidos, informando a Provedoria de Justiça que a omissão da concessionária do Centro Termal de dar conhecimento das análises efectuadas ao Poço da Nascente constitui incumprimento do programa de controlo estabelecido por aquele Instituto.
4. Por outro lado, o I.G.M. informou ter tido conhecimento, em 1.8.97, da ocorrência de anomalias na qualidade da água mineral em virtude de comunicação da Direcção-Geral da Saúde, a coberto do qual foi enviada cópia do ofício que a Autoridade de Saúde de S. Pedro do Sul, remeteu por fax em 23.7.97 a V.Ex.ª.
5. Este ofício da Autoridade de Saúde, de que foi remetida cópia a este órgão do Estado pela Direcção-Geral da Saúde e pelo I.G.M., determinava que “de imediato deverá ser suspensa a utilização da água em contacto directo com mucosas até à normalização dos resultados analíticos. Mais devo informar que também de imediato se deve suspender a utilização dos depósitos Rainha D. Amélia e D. Afonso Henriques, proceder à sua lavagem, desinfecção e estanquicidade e aguardar novos resultados analíticos. Também ainda se deve proceder à lavagem e desinfecção do depósito de água arrefecida e purga de todo o sistema de distribuição termal”.
6. Na mesma data, a Autoridade Local de Saúde informou a D.G.S., que, conforme referido em 4, informou o I.G.M., tendo este contactado em 4.8.97 o Centro Termal de S. Pedro do Sul.
7. Este remeteu ao I.G.M., a coberto do ofício n.º …, uma informação elaborada em … pelo Chefe da Divisão Termal, na qual se descrevem as diligências levadas a cabo, e se informa ainda encontrarem-se, àquela data, regularizados os valores das análises bacteriológicas.
De acordo com este ofício, as anomalias foram detectadas nas águas termais no período compreendido entre 3.7.97 e 24.7.97, e ter-se-ão devido à existência de um cadáver de um animal (gato) em decomposição no edifício contíguo ao poço da nascente principal, onde se localizam pequenas nascentes cuja água mineral termal escorre para o poço da nascente.

2. Conclusões

Em face das diligências acima descritas, e atendendo aos elementos reunidos ao longo da instrução do presente processo, é possível apresentar as seguintes conclusões:
I. Quanto à existência de água bacteriologicamente imprópria.
1. No mês de Julho de 1997 as análises realizadas indicaram que a água se encontrava bacteriologicamente imprópria, tendo sido apurado que tal se devia à presença do cadáver de um animal no poço da nascente.
2. A primeira referência a este resultado consta do relatório elaborado pela autoridade de saúde e reporta-se a uma colheita efectuada em 1.7.97 no 2º piso, Sala n.º 2, Irrigador 7, sendo referido no relatório elaborado pelo Chefe da Divisão Termal que “as anomalias na qualidade da água mineral termal” foram registadas a partir de 3.7.97.
II. Quanto às medidas levadas a cabo pela Câmara Municipal de S. Pedro do Sul.
1. A Câmara Municipal não comunicou ao Instituto Geológico e Mineiro os resultados apurados nas diversas análises efectuadas.
2. A Câmara Municipal não determinou o encerramento das piscinas, e, aparentemente, não interrompeu a realização dos tratamentos das vias respiratórias.
3. Procedeu-se à remoção do cadáver do animal, limpeza e desinfecção do poço da nascente principal e edifício contíguo à nascente, suspendeu-se a utilização dos depósitos de arrefecimento lento existentes no balneário Rainha D. Amélia, e procedeu-se à limpeza e desinfecção dos restantes depósitos de arrefecimento. Desconhece-se a data em que tais procedimentos foram adoptados.
4. Quanto aos equipamentos instalados nas salas de tratamento (vias respiratórias), procedeu-se à substituição de todos os aparelhos, com especial incidência nos irrigadores, bem como à sua limpeza e desinfecção permanentes. Desconhece-se a data em que tais procedimentos foram adoptados.
Analisada toda a matéria descrita, cumpre apreciar a actuação da Câmara Municipal de S. Pedro do Sul, enquanto concessionária do Centro Termal de S. Pedro do Sul.
Antes de mais, não posso deixar de começar por lamentar a forma como a Câmara Municipal de S. Pedro do Sul respondeu à Provedoria de Justiça ao longo da instrução do presente processo, uma vez que, conforme se veio a apurar, desde o início da correspondência trocada tinha conhecimento preciso do que estaria em causa. Designadamente, conhecia perfeitamente as causas da poluição das águas termais, não tendo informado a Provedoria dos factos efectivamente ocorridos. Tal procedimento viola o dever de colaboração com o Provedor de Justiça, estabelecido no artigo 29º da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril.

É também de censurar a forma como a Câmara Municipal respondeu ao reclamante, negando o ocorrido.
Por outro lado, apesar de a Autoridade de Saúde Local ter determinado “a não utilização da água em contacto directo com as mucosas”, as piscinas mantiveram-se abertas ao público, e, aparentemente, continuaram a realizar-se tratamentos para as vias respiratórias.

Quanto às instruções do Instituto Geológico e Mineiro, verifica-se também que a Câmara Municipal a que V.Ex.ª preside não cumpriu as condições estabelecidas no programa de análises físico químicas resumidas e bacteriológicas para 1997, uma vez, conforme consta do …, este programa refere expressamente que “sempre que, em face dos resultados analíticos, seja detectada qualquer anomalia que indique poluição nas captações, deverá ser suspensa de imediato a utilização da água e dar conhecimento a esta Divisão”, não tendo ocorrido nem a comunicação dos resultados anómalos dos resultados analíticos da água na captação, nem a suspensão da utilização da água.
Por outro lado, e também quanto ao I.G.M., verifica-se que a Câmara Municipal de S. Pedro do Sul informou este Instituto em 6.8.97 que a situação se encontrava corrigida, e que os resultados analíticos eram normais desde 27.7.97, quando o certo é que análises efectuadas em água da piscina colectiva recolhida em 31.7.97, e recebidas em 5.8.97 indicavam encontrar-se esta água em condições impróprias.
Por fim, quanto aos danos sofridos pelo reclamante e sua mulher, o perito médico desta Provedoria de Justiça pronunciou-se no sentido de considerar que as doenças de que estes padeceram não terão sido causadas pelo facto das águas das termas se encontrarem bacteriologicamente impróprias no período em que foram frequentadas.
Em face do exposto,
RECOMENDO
a) Perante situações equivalentes à analisada no presente processo, sejam os resultados analíticos comunicados imediatamente ao Instituto Geológico e Mineiro, e suspensa de imediato toda a utilização da água.
b) Naquelas situações, seja também contactada a Autoridade de Saúde Local, e cumpridas sem demora as suas instruções.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel