Director-Geral da Polícia Judiciária
R-769/99
N.º 91/A/99
1999.12.17
Área: A5

Assunto:SEGURANÇA INTERNA – ABUSO DE AUTORIDADE – POLÍCIA JUDICIÁRIA – DEVER DE CORRECÇÃO – AUDIÇÃO INDISPENSÁVEL DO RECLAMANTE – CORRECÇÃO DAS IRREGULARIDADES.

Sequência:Acatada.

Acuso a recepção do ofício do Exmo. Senhor Director-Geral-Adjunto acima identificado e expediente anexo, que agradeço. Pese embora as informações ali prestadas, considero que o assunto não se encontra inteiramente esclarecido, nos termos e pelos fundamentos seguintes:

1. A Informação da Exma. Senhora Sub-Directora-Geral Adjunta, datada de …, admite a “eventual verificação de recíproca quebra de regras inerentes à normal e sã convivência social”, sendo que a sua primeira Informação, de …, já admitia a existência de excessos de parte a parte: “a existência de versões contraditórias por parte do exponente e dos funcionários desta Polícia envolvidos nos factos descritos leva-nos a admitir como provável que, face à evidente situação de conflito que das mesmas transparece, se tenham eventualmente verificado de parte a parte alguns excessos (…)”.

2. Deste modo, dificilmente se compreende que tais excessos tenham sido minimizados e que se tenha concluído pela ausência de ilícitos disciplinares ou, como refere a Senhora Sub-Directora-Geral Adjunta, pela não violação de “normas hierarquicamente instituídas no seio desta Polícia”. Embora se desconheça o alcance de tais normas, não se ignora o disposto no artigo 5º, n.º 2, do Regulamento Disciplinar da Polícia Judiciária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 196/94, de 21 de Julho, que contém o elenco dos deveres gerais dos membros da Polícia Judiciária, à luz do quais o caso devia, necessariamente, ter sido equacionado.

3. De facto, de entre os deveres gerais a que estão vinculados os funcionários e agentes da Polícia Judiciária destaca-se, no que à presente queixa diz respeito, o dever de correcção (artigo 5º, n.º 2, alínea f), do DL n.º 196/94). A este propósito, tenha-se em consideração que, nos termos do disposto no artigo 23º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro (subsidiariamente aplicável à Polícia Judiciária por força do disposto no artigo 2º do DL n.º 196/94), são punidos com pena de multa os casos de “negligência e má compreensão dos deveres funcionais”, nomeadamente quando os funcionários e agentes “não usarem de correcção para com os superiores hierárquicos, subordinados, colegas ou para com o público” (cfr. artigo 23º, n.º 2, alínea d), do DL n.º 24/84).

4. O “provável” comportamento menos próprio do Senhor advogado jamais poderia ser, nos termos da Lei, causa de exclusão da ilicitude ou motivo de extinção do procedimento disciplinar e não justifica, salvo melhor opinião, as conclusões constantes da Informação supra citada, da qual se infere que as faltas se anulariam reciprocamente. Quando muito, poderia constituir uma atenuante, caso se provasse que tal comportamento se traduziu numa provocação aos agentes (cfr. artigo 29º, alínea d), do DL n.º 24/84).

5. Na verdade, se é certo que aos advogados incumbe um especial dever de respeito para com a generalidade dos operadores judiciários, não é menos verdade que, por força do próprio estatuto constitucional da Polícia, esse dever é particularmente acrescido no que aos seus membros diz respeito. Ora, o próprio tom utilizado nas Informações elaboradas pelos Senhores agentes está longe de ser o mais correcto, dali ressaltando expressões como “(…) sordidez do comportamento de tal advogado”, “(…) revelando como contraponto da sua virulência uma avantajada ignorância e incompetência”, “(…) assumiu uma postura de conselheiro técnico de estratégias pseudo-mafiosas (…)”, que por si só colocam em causa o dever acima referido. Sendo curioso, aliás, que na Informação mencionada, datada de 99.09.14, só se tenha apontado a utilização deste tipo de linguagem relativamente à exposição do Senhor advogado, quando esta está longe de conter tal sorte de expressões.

6. Atentas as versões contraditórias dos acontecimentos admite-se que seria dispensável a audição do participante, mesmo considerando que os agentes participados não deixaram – todos eles – de ser ouvidos. Já não se compreende, porém, a falta de audição do Senhor…, que presenciou os factos e certamente poderia contribuir para o melhor esclarecimento dos mesmos.

7. Quanto às supostas irregularidades na notificação do arguido, importa fazer notar que se alega na queixa que “o Senhor… em determinada altura recebeu do Departamento em causa e da parte do Sr. Agente … um telefonema para ir, num determinado dia, à Polícia falar com este senhor sem que, no entanto, logo nesse acto lograsse explicar do que se tratava”. Ora, embora não se conteste a possibilidade de as pessoas poderem ser convocadas, por via telefónica, para comparecer a acto processual, atento o disposto no artigo 112º, n.º 1, do Código de Processo Penal, a verdade é que a Lei faz depender tal notificação, como bem se compreende, da revelação “dos elementos que permitam ao chamado inteirar-se do acto para que é convocado e efectuar, caso queira, a contraprova de que se trata de telefonema oficial e verdadeiro” (cfr. artigo 112º, n.º 2, do Código de Processo Penal). Segundo o queixoso, terá sido precisamente a ocultação de tais elementos que o levou a sugerir ao seu cliente que não comparecesse nessa Polícia sem ser previamente notificado por escrito, conforme aliás veio a suceder.

8. Por último, no que concerne ao conteúdo das convocatórias, permito-me enviar a V. Exa. fotocópia da circular difundida pela Polícia de Segurança Pública, em 31.10.1997, que desmente a afirmação constante da Informação dessa Polícia, segundo a qual todos os OPC´s utilizam este tipo de convocatória (mera referência ao número do processo e qualidade em que o convocado deverá prestar declarações). Conforme V. Exa. melhor verificará, o modelo preconizado pela PSP é substancialmente mais completo e esclarecedor.

RECOMENDO
pois, a V. Exa., à luz das considerações antecedentes e ao abrigo do disposto no artigo 20º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, que se digne ordenar as medidas que tiver por úteis e necessárias ao cabal esclarecimento do assunto, quer na perspectiva da eventual incorrecção dos Senhores agentes, quer no que toca às alegadas irregularidades e insuficiências das notificações em causa.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel