Presidente do Fundo de Apoio ao Estudante
R-2702/99
N º 72/A/99
1999.09.29
Área: A3

Assunto:EDUCAÇÃO E ENSINO – ENSINO SUPERIOR PARTICULAR E COOPERATIVO – BOLSA DE ESTUDO – INSTRUÇÃO DEFICIENTE – DIREITO DE PARTICIPAÇÃO E DE INFORMAÇÃO.

Sequência:Não Acatada.

1. No presente processo é apreciada a situação de um aluno que, por lapso, instruiu de forma deficiente a sua candidatura à atribuição de bolsa de estudo destinada a alunos do ensino superior particular e cooperativo, em virtude do que viu ser-lhe recusada a atribuição da bolsa.

2. A Provedoria de Justiça solicitou ao Fundo de Apoio ao Estudante que, face à evidente boa fé manifestada pelo reclamante e considerando alguns aspectos de natureza jurídica que deveriam ser equacionados a este propósito, informasse em que medida seria possível a reapreciação do processo do reclamante

Em resposta, constante do ofício acima indicado, informaram esses Serviços não ser possível proceder a nova apreciação do processo uma vez que a adopção de um procedimento excepcional iria criar um precedente indesejável, por ser significativo o número de casos em que as candidaturas foram indeferidas por falta de instrução do processo, e cujos processos não foram completados por o Fundo de Apoio não ter capacidade para, em tempo útil, contactar os respectivos candidatos e instá-los a juntar os documentos em falta.

3. Antes de me pronunciar sobre o caso em apreço, devo manifestar o agrado com que tenho acompanhado o desempenho do Fundo de Apoio ao Estudante, cuja existência tem permitido elevar a qualidade do sistema de apoio social no ensino superior, designadamente ao nível do sistema particular e cooperativo, sendo de registar a evolução notória que tem vindo a ser aplicada no sistema de bolsas, quer no que diz respeito ao número de bolseiros e ao volume de verbas afectas a esse fim, quer à celeridade e eficácia crescente com que os numerosos processos de candidatura, quer de novos bolseiros quer de antigos, têm vindo a ser apreciados.

4. Posto isto, importa apreciar o caso em análise.
Entendo que, mau grado as explicações avançadas, a situação do reclamante merece um procedimento especial que, conformando-se com a Lei, permita alcançar de modo mais perfeito os objectivos a que o Fundo de Apoio está vinculado.
Esta posição assenta na convicção de que o processo do aluno está juridicamente viciado, mas sobretudo no facto de que as circunstâncias específicas aqui verificadas justificam a adopção de um procedimento diferente do até aqui perfilhado por esse Fundo de Apoio.
Assim,

5. O Código do Procedimento Administrativo consagrou de forma ampla e diversificada o dever de cooperação da Administração para com os particulares, configurando-o como um vector fundamental do processo administrativo.
Antes de mais, pela introdução do princípio da boa-fé como princípio geral da actividade administrativa (cfr. artigo 6.º), por via do qual está a Administração vinculada ao dever de promover as diligências necessárias em fase prévia à tomada de posição, a fim de qualquer decisão a tomar seja sempre a que no, caso concreto, se mostre mais justa e conveniente.

O princípio da participação dos particulares nos procedimentos administrativos que lhe digam respeito, previsto no artigo 8.º do Código do Procedimento Administrativo, representa igualmente uma evolução marcante para a actividade administrativa, tendente a possibilitar a mais ampla cooperação entre a Administração e os administrados e, nessa medida, a elevação da eficácia e da justiça nas decisões a tomar pelo Estado.
O Código do Procedimento Administrativo contém diversos afloramentos deste princípio, entre os quais se incluem dois que, no caso vertente, se afiguram particularmente pertinentes: o direito à informação, de que decorre ainda o dever de se informar os particulares relativamente às deficiências encontradas nos requerimentos apresentados (cfr. artigos 61.º, n.º 2 e 76.º, n.º 1), e o direito de audiência prévia dos interessados (cfr. artigos 100.º ss.), aplicável também nos procedimentos especiais(1).

6. No caso vertente, verifica-se que o aluno foi, numa fase inicial, instado a completar o seu processo, por via da apresentação de uma certidão de liquidação do imposto. Por erro, o candidato juntou um documento diferente do que lhe foi solicitado. Não foi realizada qualquer outra diligência junto do aluno, tendo a sua candidatura vindo a ser indeferida. O aluno reclamou desta decisão, tendo na ocasião apresentado novamente o documento que erradamente supunha estar em falta. A reclamação foi indeferida sem mais, com base na deficiente instrução do processo. Só no final do ano lectivo foi apresentado ao Fundo de Apoio a certidão pedida.

7. Nestas circunstâncias, entendo que o direito de participação e de informação não receberam aqui a observância desejável.
É verdade que o aluno foi notificado para completar o seu processo.
Mas, independentemente disso, não posso deixar de registar que, depois de enviar um documento diferente do que lhe foi solicitado, o aluno nunca foi devidamente alertado para o equívoco em que incorreu, nem antes da publicação dos resultados do concurso, nem depois, apesar de ter enviado reclamação da sua decisão onde mais uma vez se evidenciava o lapso verificado.

De igual modo, o reclamante não foi auscultado antes da tomada de decisão, nem mesmo nos termos mais flexíveis contidos no artigo 103.º, n.º 1, alínea c).
Assim sendo, o acto em apreço é ilegal, padecendo do vício de violação de Lei, em virtude do qual será anulável.
Repare-se que, a ter havido qualquer tipo de comunicação prévia ao candidato acerca da decisão que iria recair sobre a sua candidatura, na qual se explicitasse o motivo da mesma, é razoável admitir que a sua situação se alteraria, por ter existido mais uma oportunidade para que, em devido tempo, o processo fosse completado.

8. Independentemente das considerações jurídicas que ficaram tecidas, entendo que a situação em apreço merece ser revista, por se verificarem circunstâncias particulares, que permitem distinguir o caso deste candidato dos demais que não entregaram os documentos que lhes foram solicitados para complemento dos respectivos processos.
Antes de mais, a evidente boa-fé do candidato, comprovada não só pelo reiterado envio do documento que julgava em falta, mas também pela apresentação, ainda que já fora de tempo, do certificado necessário, não se vislumbrando motivos menos claros que pudessem ter motivado o atraso verificado.

Por outro lado, a própria entrega do documento em falta, mesmo tardia, não pode deixar de se considerar significativa, conferindo a este caso concreto contornos particulares: é sabido que a atribuição de bolsas está condicionada à verificação de uma situação de efectiva carência económica por parte dos bolseiros; em geral, será razoável que um candidato a quem tenha sido solicitado a remessa de algum elemento para complemento do seu processo e que não tenha satisfeito correctamente esse pedido, não veja a sua candidatura merecer sequência, por a atitude adoptada manifestar uma situação pouco compatível com a de necessidade premente que a atribuição da bolsa pressupõe; no caso em apreço, porém, não foi isso que sucedeu, verificando-se antes que o candidato foi tão diligente quanto poderia ter sido, tendo o seu esforço apenas sido prejudicado por um erro de compreensão do que lhe foi pedido; tal erro não oculta, no entanto, o empenho e o vigor colocados na tentativa de obtenção de bolsa, tornando efectivamente injusta a sua não atribuição, tanto mais que se sabe representar a mesma, em muitos casos, um recurso indispensável para o prosseguimento dos estudos em condições minimamente aceitáveis.

Aliás, de algum modo, o Fundo de Apoio ao Estudante percebeu a idiossincrasia deste caso, recebendo pessoalmente o candidato e expondo-lhe os motivos pelos quais o processo não poderia ser reaberto, procedimento que por certo não foi repetido com todos os outros candidatos na sua situação.
Entendo, nesses termos, que a não atribuição da bolsa, em atenção ao precedente criado não se justifica, não devendo esse motivo prevalecer sobre a justiça que representa a satisfação da pretensão do candidato.

9. Compreendo as razões invocadas por V. Ex.ª para a necessidade de uma apreciação célere dos processos e registo as dificuldades resultantes da escassez de recursos humanos disponíveis para o tratamento de um número tão elevado de candidaturas.
Tive, aliás, já ocasião de exprimir o meu apreço pelo facto de o processo de apreciação de bolsas ter revelado uma evolução importante, no que respeita ao prazo com que as candidaturas são apreciadas.

Não obstante, de tais dificuldades não pode resultar um prejuízo para os particulares, de tal modo que se esteja perante uma violação do princípio da proporcionalidade. Com efeito, no caso vertente, a não concessão de bolsa (eventualmente devida) ao interessado representaria uma lesão de um particular (desproporcionalmente) superior ao benefício alcançado pelo interesse público.

10. Atento o exposto, e ao abrigo dos poderes que me são legalmente pelo artigo 20.º, n.º 1, alínea a) do Estatuto do Provedor de Justiça, contido na Lei n.º 9/91, de 9 de Abril,

RECOMENDO
a V. Ex.ª que o processo de candidatura a bolsa de estudo para o ano lectivo de 1998-1999 por parte do candidato em epígrafe seja revisto, atribuindo-se a bolsa em causa se assim se justificar nos termos dos critérios de seriação aplicados aos demais candidatos.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel

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(1) Cfr.Oliveira,Mário Esteves in “Código do Procedimento Administrativo”,2ª edição.Almedina,1997,anotação ao artigo 100º