Presidente da Câmara Municipal da Maia

Rec.n.º 47/A/99
Processo: 4002/97
Data:27.05.1999
Área: A2

Assunto: ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL – MUNICÍPIO – OBSTÁCULOS NA VIA PÚBLICA – DANOS PATRIMONIAIS E PESSOAIS – INDEMNIZAÇÃO.

Sequência: Não Acatada

I

1. Foi-me apresentada queixa pela Senhora D…, em virtude de danos decorrentes de uma queda sofrida no dia … 1997, pelas 17H05m, na Rua …, em Gueifões, frente à empresa “…”.

2. Tal facto deveu-se ao facto de uma das tampas de ferro do saneamento público existentes no passeio ter cedido à sua passagem, provocando a queda no buraco da fossa e consequentes escoriações e cortes na perna esquerda, que obrigaram a assistência no Hospital Geral de Santo António e a posteriores tratamentos médicos.

3. No referido local, é hábito os camiões da referida empresa circularem em cima dos passeios, aí estacionando e realizando manobras, provocando a deterioração dos passeios e das referidas tampas de saneamento, que posteriormente à queixa foram substituídas.

4. Inquirido o Município, foi corroborada a habitual prática ilícita dos comitentes da empresa supra identificada, bem como as deteriorações provocadas nas tampas de saneamento, afirmando a autarquia que, sempre que existe conhecimento da necessidade de reparação das tampas de saneamento, a mesma tem sido efectuada com presteza.

4.1. Mais afirmou que, se a tampa cedeu à passagem de um peão, tal significa que o defeito da mesma não era visível, mas que a mesma se encontrava no lugar, não existindo qualquer buraco a descoberto.

II

5. Apraz-me desde já assinalar, Senhor Presidente, o facto de a autarquia não enjeitar liminarmente responsabilidades pelos danos sofridos pela queixosa.

6. Do mesmo modo, também a celeridade verificada na sinalização e reparação de situações que possam fazer perigar a segurança do trânsito de veículos e peões é de salientar, por revelar uma noção clara da importância de servir o público, e os munícipes em particular.

7. No entanto, certo é que, cabendo à Câmara Municipal a que V.Exa. preside zelar pelo bom estado de conservação e utilização das vias públicas, a responsabilidade também pode decorrer de deficiente conservação e vigilância do património municipal.

7.1. Nos termos conjugados dos arts. 22.º da Constituição da República Portuguesa, 1.º e 2.º do Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967, 366.º do Código Administrativo (CA), e 90.º do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março (Lei das Autarquias Locais – LAL), as autarquias são civilmente responsáveis perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de actos ou omissões dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício das suas funções e por causa desse exercício.

7.2. Ora, constituindo atribuição das Câmaras Municipais a conservação das estradas e caminhos municipais (art. 2.º da Lei n.º 2110, de 19 de Agosto de 1961), cabe-lhe, através dos seus serviços, promover diligentemente a conservação de tal património (art. 51.º, n.º 4, da referida LAL), nos termos dos princípios e regras legais, regulamentares, de ordem técnica e de prudência comum (art. 6.º do Decreto-Lei n.º 48051).

7.3. Para além da reparação do piso sempre que a sua degradação vem ao conhecimento da Câmara, deve esta proceder igualmente à vigilância do seu património (seja viário, seja, por exemplo, arbóreo), praticando com regularidade os actos materiais de verificação do estado desse património, e designadamente das referidas tampas de saneamento, reparando-as e substituindo-as sempre que necessário.

7.4. No caso vertente, o Município revela conhecer a prática dos condutores de camiões ao serviço da empresa “…”, de estacionar e efectuar manobras em cima dos passeios, circunstância que exigiria, desde logo, a tomada de medidas tendentes a evitar tal prática ilegal, mas também a fiscalização redobrada do estado dos passeios e respectivas tampas de saneamento.

8. Necessitando a constituição da obrigação de indemnizar da verificação dos demais pressupostos da responsabilidade civil, para além do dano e da ilicitude, é necessária a verificação do nexo de causalidade e da culpa (arts. 563.º do Código Civil, 2.º, 4.º e 6.º do Decreto-Lei 48051, 366.º, n.º1, do CA, e 90.º, n.º 2, da LAL).

8.1. Inexiste dissídio quanto ao nexo de causalidade. Quanto à culpa, ela deve ser aferida em função de um padrão de diligência e zelo adequados às exigências técnicas do caso concreto (art. 487.º do CC, por remissão do art. 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 48051).

8.2. Tem entendido pacificamente a jurisprudência que, quando exista obrigação de praticar determinados actos, existe ilicitude pela abstenção de agir (art. 486.º do CC), levando a indefinição das fronteiras entre a ilicitude e a culpa “a que, provada a ilicitude se deva ter como provada também a culpa, salvo se o lesante alegar e provar factos que a descaracterizam” (v. abundante jurisprudência citada no Ac. STA de 18 de Maio de 1993, AD, 390, 626).

8.3. Também o art. 493.º, n.º 1, do Código Civil estatui uma presunção de culpa do Município, cuja ilisão necessita a prova do cumprimento dos deveres legais de vigilância, conservação e segurança do seu património, o que não se mostra feito.

9. A omissão do cumprimento destes deveres, que pode, objectivamente, criar perigo para a circulação de veículos e peões, foi consequência adequada dos danos sofridos pela queixosa, pelo que, atento nomeadamente o princípio da boa-fé que deve reger as relações entre a Administração e os administrados, e em especial os seus munícipes (arts. 6.º-A do Código do Procedimento Administrativo, e 1.º da LAL), não deverá a reclamante suportar tais prejuízos.

Pelo exposto,

RECOMENDO
a V.Exa., nos termos do art. 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, que seja o presente caso decidido de forma célere e justa, de forma a ressarcir a queixosa de todos os prejuízos decorrentes dos factos supra descritos.

Porque a reclamante fez saber que a seguradora da sua entidade patronal lhe assegurou o pagamento de despesas de tratamento e, ainda, de 60% do valor do seu salário, relativamente ao período em que se encontrava incapacitada para o trabalho, permito-me sugerir que seja a interessada notificada por essa Câmara para fazer prova dos danos por si efectivamente suportados, desta forma se dando início ao processo de satisfação da sua pretensão indemnizatória.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL