Escola Superior de Enfermagem de Leiria
Número: 38/A/99
Processo: 1539/99
Data: 10.05.1999
Área: A6

Assunto:

Sequência: Acatada

Acuso a recepção do ofício de V.ª Ex.ª com referência em epígrafe, que agradeço, sobre a assinatura de declarações de aceitação ou não aceitação da praxe dos alunos dessa instituição, com remissão para certas “consequências”, cujo cabal esclarecimento agora veio a ser feito.

Não ponho em causa o teor do mesmo, designadamente no que à ausência de coacção física ou psicológica diz respeito no desenrolar da recepção aos novos alunos do curso iniciado em 12 de Abril p. p..

No entanto, os esclarecimentos recebidos suscitaram-me novas perplexidades. Assim, a declaração apresentada de recusa da praxe, que desta vez foi pelo menos assinada por uma aluna do curso em causa, possui um conteúdo que não posso deixar de considerar ilegal, sendo possível que a prática de actos para a sua efectivação redundem em ilícitos do foro criminal.

Refiro-me em primeiro lugar à “ausência de direito” a ter e usar traje académico. Não pode nenhuma entidade pública, muito menos particular vedar a posse ou utilização de determinado traje, tão logo não exista Lei, e Lei da competência da Assembleia da República, que assim o determine. Estão em causa, entre outros direitos fundamentais, o direito de propriedade e o direito à imagem.

O traje académico não está protegido por Lei. Qualquer acto de entidade pública ou privada que tente fazer valer o conteúdo da declaração em causa, neste ponto, pode eventualmente cair na alçada penal, eventualmente por algum crime contra a propriedade, ou mesmo contra as pessoas, caso se utilize violência física ou outro constrangimento.

Em segundo lugar, não posso crer que V.ª Ex.ª tenha lido o conteúdo da declaração e não tenha tomado uma posição firme, especificamente no que toca à 4.ª “consequência” da recusa da praxe.

A recusa de aceitação de um aluno dessa Escola na respectiva Associação de Estudantes pelo motivo de não se querer submeter à praxe é perfeitamente inconstitucional, por violação do art.º 13.º da Lei fundamental, para além de violar directamente a Lei 33/87, de 11 de Julho, designadamente no seu art.º 2.º, n.º 2, onde se afirma expressamente o direito de todos os estudantes participarem na vida associativa, incluindo, mas não só, o direito de eleger e ser eleito para os órgãos sociais. A associação de estudantes visa defender os interesses dos estudantes na vida escolar e na sociedade (art.º 1.º, n.º 2) e não a praxe.

Decerto que os estatutos da Associação de Estudantes não conterão esta limitação, já que no caso contrário decerto que o Ministério Público teria tido uma intervenção, após cumprimento do estipulado no art.º 6.º, n.º 2. Assim, a recusa individual de admissão de estudantes que recusem a praxe será contrária aos estatutos, bem como será contrária ao espírito do princípio da democraticidade a criação, pelo próprio Presidente da Associação de Estudantes, da convicção junto dos estudantes que recusam a praxe da impossibilidade de se inscreverem na associação e de participar na vida associativa.

Nestas circunstâncias, como prevê o art.º 1.º, n.º 3, da Lei citada, os direitos que a Lei prevê e concede à associação de Estudantes podem ser suspensos ou cancelados enquanto a situação ilegal persistir, a saber o direito às instalações, apoio material e técnico, direito de antena, isenções fiscais e apoio financeiro.

Em último lugar, a formulação involuntariamente lata da última “consequência” fez-me sorrir. Estarão os alunos em causa impedidos de assistir a aulas e fazer exames, actos da vida académica por excelência?

É claro que a intenção da declaração proposta pela Associação de Estudantes é outro,eventualmente abrangendo festas, desfiles e outras realizações. Quanto a festas privadas, em local privado e com fundos privados, nada tenho a opor. Já quanto a festas organizadas nessa Escola ou, de algum modo, apoiadas pela mesma, financeiramente ou por outra via, não é legítima a admissão de discriminações entre alunos da escola, tenham ou não um aposição favorável à praxe.

V.ª Ex.ª dir-me-á que não ocorreram queixas. Mesmo assim sendo, parece-me intolerável que numa escola, para mais pública, se possa criar a convicção de que este tipo de comportamentos é permitido e será, provavelmente, assegurado no futuro, conduzindo, de algum modo, os estudantes afectados a retraírem-se no seu enquadramento escolar.

Nestes termos,

RECOMENDO

1. Que não permita a distribuição nessa Escola de declarações para assinatura dos estudantes, que incluam alguma das três últimas “consequências” mencionadas naquela que me enviou;

2. Que, caso persista esta actuação da Associação de Estudantes ou mesmo vierem a ocorrer casos de recusa de inscrição na mesma ou de participação em actividades escolares ou circum-escolares por via da não aceitação da praxe, sejam retiradas as devidas consequências, em termos de comunicação imediata dos mesmos factos aos serviços competentes do Ministério da Educação e cessação do reconhecimento da mesma Associação para os efeitos da Lei 33/87.

Agradeço a comunicação desta minha recomendação ao Senhor Presidente da Associação de Estudantes, mais solicitando o envio da identificação das cinco escolas que terão subscrito um alegado código da praxe de onde conste o alegado.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL