Presidente da Junta Autónoma das Estradas
Número: 41/A/99
Processo: 4693/96
Data: 26.05.1999
Área: A2

Assunto: ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL – MUNICÍPIO – OBSTÁCULOS NA VIA PÚBLICA – DANOS PATRIMONIAIS E PESSOAIS – INDEMNIZAÇÃO

Sequência: Acatada

I – Dos Factos

1. Foi apresentada queixa neste órgão do Estado contra a Junta Autónoma das Estradas, em virtude de danos sofridos pelo Senhor… no dia … 1996, pelas 21H40m, resultantes do embate da sua viatura de matrícula …. num buraco existente na E.N. 310, freguesia de …, após a passagem de nível de ….

2. Conforme exposto junto desta Provedoria, e de acordo com os documentos enviados, os danos sofridos consistiram no rebentamento do pneu dianteiro do lado direito e em estragos na respectiva jante, e orçaram em Esc.: 20.222$00.

3. Informado o Senhor Director de Estradas do Distrito de Braga, declinou o mesmo a responsabilidade pelos danos, pelos mesmos motivos que me seriam posteriormente comunicados, a saber:

– o reclamante nunca indicou com precisão a localização do buraco, o que impede saber qual a entidade responsável pelo mesmo;

– as anomalias detectadas na E.N. 310 não eram susceptíveis de determinar danos gravosos nos veículos, se a condução fosse feita tendo em conta as características da via;

– presume-se velocidade excessiva do reclamante, pois não permitiu ao condutor parar no espaço livre e visível à sua frente;

– logo que teve conhecimento da existência de buracos, a JAE procedeu à sua tapagem, sendo certo que não os poderia sinalizar, dado que resultaram “de facto não previsível e de causa fortuita”.

II – Do Direito

4. Está em causa a responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos por actos de gestão pública, regulada pelo Decreto-Lei nº 48.051, de 21 de Novembro de 1967, e pelas normas sobre responsabilidade civil constantes do Código Civil (CC).

5. Da sua análise, cumpre referir, desde logo, que não colhe a pretensão da JAE de ilidir a responsabilidade invocando a dificuldade e imprecisão da localização do buraco gerador do acidente.

5.1. Para além de contraditório com a posterior afirmação segundo a qual a JAE procedera à tapagem do mesmo, certo é que o dever de colaboração da Administração com os particulares postula uma atitude interventora e colaborante por parte desta (arts.267º da Constituição da República Portuguesa, e 7º do Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei nº 442/91, de 15 de Novembro – CPA).

5.2. Assim, embora o ónus da prova dos factos alegados possa pesar sobre o lesado (arts. 342º do Código Civil e 88º do CPA), o órgão competente para a justa e rápida decisão do procedimento deve procurar averiguar os factos pertinentes à decisão, recorrendo a todos os meios de prova admitidos em direito, evitando que o seu comportamento omissivo decida da pretensão que lhe foi formulada (arts. 86º e segs. do CPA).

6. Sem prejuízo da análise de todas as circunstâncias que se verificaram na altura do acidente (é certo que o mesmo ocorreu de noite, durante o Inverno, em estrada não iluminada, mas não sabemos das condições climatéricas da altura), não pode constituir presunção de culpa do condutor o facto de ter tido um acidente.

6.1. Na realidade, nesta conclusão sobressai a afirmação, sem apoio factual, segundo a qual o embate no buraco da estrada se deveu a velocidade excessiva, que o era apenas porque não permitiu “ao condutor parar no espaço livre e visível à sua frente” (cfr. art. 24º do Código da Estrada aprovado pelo Decreto-Lei nº 114/94, de 3 de Maio).

6.2. Da interpretação do citado artigo do C.E. resulta claro que se verifica excesso de velocidade, para além da ultrapassagem dos limites máximos fixados, quando a velocidade se não adeque às características da via, por forma a poder executar com segurança as manobras que sejam previsíveis.

6.3. Ora, não só a existência de um buraco na via, não sinalizado, não é uma circunstância medianamente previsível, ou sequer visível (sobretudo de noite), como a paragem ou diminuição súbita de velocidade daí decorrente traduz uma situação de perigo para a segurança (aliás, contra-ordenacionalmente punida – v. art. 24º, nºs 2 e 3, do C.E.).

7. Em todo o caso, e sem necessidade de mais delongas, nunca tal alegação, mesmo que colhesse, afastaria de todo a presunção de culpa que, como veremos, a Lei comete à JAE.

7.1. Constituindo atribuição da JAE, na área da sua jurisdição, a exploração das estradas e do domínio público rodoviário, compete-lhe executar todas as medidas necessárias à segurança e comodidade do tráfego, “designadamente conservação corrente, demarcação, sinalização (…)” (v. arts. 2º e 30º do Decreto-Lei nº 184/78, de 18 de Julho, e Decretos-Lei nºs 13/71 e 13/94, respectivamente de 23 e 15 de Janeiro).

7.2. Assim sendo, os locais das vias públicas que possam oferecer perigo para o trânsito, ou onde este deva ser feito com especial precaução, devem ser assinalados com placas com os sinais fixados na legislação em vigor, assim se permitindo aos utentes da via tomar as precauções necessárias para evitar acidentes, nomeadamente moderando a velocidade por forma a parar no espaço livre e visível à sua frente (arts. 5º e 6º do C.E., arts. 2º e 13º do Decreto-Lei nº190/94, de 18 de Julho, e art. 2º do Decreto Regulamentar nº 33/88, de 12 de Setembro).
7.3.

É justamente sobre a Junta Autónoma das Estradas que incide o dever funcional de reparar e vigiar o estado do património a seu cargo, por forma a tomar todas as “medidas preventivas dos acidentes no local, nomeadamente o dever de aí colocar obstáculos inamovíveis ou dificilmente manipuláveis e removíveis” (Ac. STA de 19/11/91, AD, 364, p.485), e a uma distância que permita evitar qualquer acidente (artigo 5º do C.E., e art. 2º do Decreto Regulamentar nº 33/88, de 12 de Setembro).

8. Existindo acto (omissivo) ilícito quando se infringem regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser observadas (art. 6º do Decreto-Lei nº 48051), a culpa dos titulares dos órgãos e agentes deve ser apreciada em abstracto, considerada a diligência exigível a um funcionário típico (art. 487º do CC, por remissão do art. 4º, nº1 do Decreto-Lei nº 48051).

8.1. A conduta omissiva é culposa quando não corresponde à que é exigível de um funcionário zeloso e cumpridor (cfr. Acs. STA de 20/10/87, BMJ, 370, p. 392, e de 22/02/96, AD, 413, p. 561), sendo que a indefinição de fronteiras entre os conceitos de culpa e de ilicitude decorrente da noção de ilicitude contida no art. 6º do Decreto-Lei nº 48051, leva a que “provada a ilicitude se deva ter como provada também a culpa, salvo se o lesante alegar e provar factos que a descaracterizam” (vd. Ac. STA de 19/11/91, AD, 364, p. 485).

8.2. A mesma presunção de culpa resulta aliás do disposto no art. 493º, nº 1, do CC, não provando a JAE o cumprimento diligente dos seus deveres legais de vigilância e segurança, incluindo a colocação de obstáculos ou sinalização apta a evitar a ocorrência de acidentes no local (cfr. Ac. STA de 19/11/91 supra citado).

9. Constituindo a omissão, por parte da JAE, do cumprimento dos seus deveres legais funcionais causa adequada da produção dos danos alegados pela reclamante, deve ter-se por provada a responsabilidade da JAE.

III – Conclusões

Pelos fundamentos expostos,

RECOMENDO
a V.Exa, ao abrigo do disposto no art. 20º, nº1, al. a), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril, que seja atribuída indemnização ao Senhor…, com vista a ressarci-lo dos danos patrimoniais resultantes do supra descrito acidente, nos termos do disposto no art. 2º do Decreto-Lei nº 48051, de 21 de Novembro de 1967.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL