Presidente do Conselho de Administração da SATA
Air Açores

RECOMENDAÇÃO Nº 17/A/99
Proc.R-546/98
1999.03.05
Área: Açores
Sequência: Sem resposta

I Introdução

Em 11/02/98, foi dirigida uma reclamação ao Provedor de Justiça relativa às viagens aéreas supra identificadas [voos Stª Maria – Ponta Delgada (SP108) e Ponta Delgada – Lisboa (TP 192) e Stª Maria – Ponta Delgada (SP1021) e Ponta Delgada – Lisboa (TP 196)], na qual era interessado o Senhor A. M. Nos termos da queixa:
a)O interessado adquiriu, no balcão da SATA Air Açores em Vila do Porto, dois bilhetes para os percursos Santa Maria – Ponta Delgada (SP108) e Ponta Delgada – Lisboa (TP 192). Estes voos não se realizaram em virtude de factores meteorológicos;
b)O Senhor A. M alterou, então, a reserva no balcão da SATA Air Açores para os trajectos Santa Maria – Ponta Delgada (SP1021) e Ponta Delgada – Lisboa (TP 196);
c)Em Ponta Delgada e quando pretendia fazer o check-in (TP 196), o Senhor A. M foi informado de que não constava (nem, tão pouco, o acompanhante) da lista de passageiros, apesar de no balcão da SATA Air Açores do aeroporto João Paulo II terem confirmado que as reservas se encontravam asseguradas;
d)Em consequência dos protestos, foi, primeiro, emitido um cartão de embarque para duas pessoas (o interessado deveria viajar com o seu acompanhante ao colo) e, seguidamente, proposto que o filho viajasse partilhando o lugar com outra criança. Ambas as sugestões foram recusadas;
e)Uma vez que a bagagem estava já embarcada, houve necessidade de a retirar do porão do avião. Não obstante, um volume seguiu para o destino e só foi levantado no dia seguinte, em Lisboa, na secção de perdidos e achados;
f)No balcão da SATA Air Açores foi feita, então, nova reserva, desta vez para o voo TP 1961;
g)Em virtude dos factos atrás descritos, o Senhor A. M e o seu filho viram-se obrigados a permanecer em Ponta Delgada mais de 24 horas;
h)No dia seguinte, o interessado verificou que na lista de passageiros do voo TP 1961 existente nos escritórios da TAP Air Portugal de Ponta Delgada não constava o seu nome e o do seu filho. No escritório da SATA Air Açores foi prestada a informação de que o TP 1961 não constava do computador;
i)Então, e porque havia disponibilidade de lugares, o Senhor A. M adquiriu passagens para o TP 1961.
Por forma a permitir a instrução do respectivo processo foi pedido aos senhores Presidentes dos Conselhos de Administração da SATA Air Açores e da TAP Air Portugal que se pronunciassem relativamente aos factos reclamados (cf. ofícios nºs 205 e 206, respectivamente, ambos de 16/02/98).
A SATA Air Açores respondeu a coberto do ofício nº 37.SD.98, de 20/03/98. Em suma, foram prestados os seguintes esclarecimentos:
1.A SATA Air Açores interveio na situação averiguada em três qualidades: agente de vendas, transportadora e agente de handling.
1.1. Na qualidade de agente de vendas a SATA Air Açores efectuou, em 24/09/97, reserva para dois passageiros (o Senhor A. M e o seu filho) para os seguintes voos:
Santa Maria – Ponta Delgada (12/12/97)
Ponta Delgada – Lisboa (12/12/97)
Lisboa – Terceira (04/01/98)
Terceira – Santa Maria (04/01/98)
1.2. Em 29/09/97, foram solicitadas alterações à reserva inicialmente pedida.
1.3. Em 10/10/97, foi solicitada nova alteração da data dos voos Santa Maria – Ponta Delgada (desta feita para 14/12/97) e Ponta Delgada – Lisboa (para 15/12/97).
1.4. A reserva confirmada era então a seguinte:
Santa Maria – Ponta Delgada (14/12/97 – 20,30 horas)
Ponta Delgada – Lisboa (15/12/97 – 06,40 horas)
Lisboa – Ponta Delgada (02/01/98 – 17,20 horas)
Terceira – Santa Maria (03/01/98 – 13,00 horas)
1.5. O voo Santa Maria – Ponta Delgada de 14/12/97 foi cancelado, por razões meteorológicas.
1.6. A reserva ficou, então, assim fixada:
Santa Maria – Ponta Delgada (15/12/97 – 12,20 horas)
Ponta Delgada – Lisboa (15/12/97 – 19,50 horas)
1.7. O voo TP 1961 não esteve aberto para venda no sistema da SATA Air Açores. Assim, não pode corresponder à verdade a afirmação de que o interessado fez reserva, no balcão da SATA Air Açores, para o voo TP 1961.
2.A SATA Air Açores, enquanto transportadora, assegurou o transporte dos passageiros no percurso Santa Maria – Ponta Delgada quando existiram as necessárias condições de segurança da operação, e permitiu a ligação ao voo da TAP Air Portugal para o qual os passageiros dispunham de reserva.
3.Enquanto agente de handling, a SATA Air Açores apenas aceita os passageiros para os voos TAP Air Portugal de acordo com a lista que é fornecida por esta companhia.
3.1. O caso em apreço configurou uma situação de passageiros no record (passageiros que tendo confirmação no bilhete não constam da lista de voo). A resolução destas situações é feita de acordo com orientações do pessoal da TAP Air Portugal que, no aeroporto João Paulo II, coordena e supervisiona a operação.
3.2. Nunca foi emitido um cartão de embarque para duas pessoas. Diferentemente, foi emitido um cartão de embarque para o Senhor A. M que, em determinada altura, terá aceitado viajar sozinho.
3.3. É possível que um dos volumes da bagagem do interessado não tenha sido retirado do avião, situação que ter-se-á ficado a dever à necessidade não atrasar o voo, por um lado, e à falta de colaboração do Senhor A. M, por outro.
Através o ofício nº 351/CA, de 26/03/98, a TAP Air Portugal prestou as seguintes informações a Órgão do Estado:
– O Senhor A. M. tinha reserva para o voo TP 192 e não se apresentou para o embarque;
– O interessado compareceu, mais tarde, ao voo TP 196 do mesmo dia para o qual não tinha reserva (cf. o §6 do ofício em causa acrescenta “(…) não existia qualquer reserva, em nome de A. M., para o referido voo TP196. Se no balcão da SATA AIR AÇORES lhe deram outra informação, então o passageiro deve esclarecer o assunto com essa entidade”);
– O Senhor A. M. apenas foi chamado após a aceitação dos passageiros em lista de espera;
– Verificou-se, então, a existência de apenas um lugar disponível;
– Somente após a saída do voo TP196 é que foi efectuada reserva, pelo interessado e nos serviços da TAP Air Portugal, para o voo TP1961.
Em 17/03/98, foi remetida à Provedoria de Justiça uma comunicação na qual se dava conta de ter sido indeferido um pedido de facilidades de transporte apresentado pelo Senhor A. M. à SATA Air Açores. Importando apurar as circunstâncias relativas ao indeferimento do pedido de facilidades de transporte, foi a SATA Air Açores questionada (cf. ofício nº 720, de 26/06/98) sobre:
-Se os funcionários da empresa ANA, EP (e, designadamente, o Senhor A. M.) usufruíam de regalias na aquisição anual de passagens aéreas inter-ilhas;
– Se esse benefício era atribuído pela SATA Air Açores;
-As características dessa vantagem?
-Se essa regalia havia cessado relativamente ao Senhor A. M e, em caso afirmativo, por que motivo.
Em resposta, foi recebido o ofício nº 110A/SD/98, de 06/08/98, do senhor Chefe de Serviço de Marketing e Vendas da SATA Air Açores, cujo teor se transcreve:
“As chamadas facilidades de transporte constituem uma prática das companhias aéreas em relação aos colaboradores de outras companhias aéreas. Não se trata, porém, de uma obrigação, uma vez que nem todas as companhias as atribuem genericamente e, por outro lado, reservam-se sempre o direito de não conceder tais facilidades ou de as suspender em relação a outra companhia ou em relação a colaboradores dessa companhia que tenham procedimentos considerados incorrectos.
As facilidades de transporte não constituem pois direitos, são apenas uma deferência de uma companhia aérea para com colaboradores de outra empresa do sector.
Considerando as relações entre a SATA como transportadora aérea e a ANA – Aeroportos e Navegação Aérea, E.P., a SATA concede aos colaboradores da ANA que sejam quadros dos aeroportos dos Açores, respectivos cônjuges e filhos menores, a possibilidade de efectuarem duas viagens anuais inter-ilhas com 50% de desconto e sem direito a reserva de lugar.
Em virtude dos comportamentos adoptados pelo Sr. A. M. difamando e denegrindo a imagem da SATA e insultando os colaboradores desta empresa, por proposta de alguns destes, foram suspensas as referidas facilidades de transporte em 18 de Dezembro de 1997.
Sobre a reclamação do Sr. A. M. sugere-se a V.Exa. que solicite à PSP do Aeroporto de Ponta Delgada cópia do registo (auto ou inquérito) que a mesma terá elaborado em relação aos incidentes com o referido passageiro”.

II Exposição de Motivos

Computados os factos relevantes para a presente instrução, importa analisar de per si as situações expostas para aferir da procedência das reclamações.

– A – O Voo TP196

Como ficou dito, o interessado alegou ter alterado, no balcão da SATA Air Açores, a reserva para o voo Ponta Delgada – Lisboa (TP 196) em virtude do voo Santa Maria – Ponta Delgada (SP108) não se ter realizado por factores meteorológicos.
Em Ponta Delgada, no balcão da SATA Air Açores do aeroporto João Paulo II, foi prestada a informação que as reservas para o voo TP 196 se encontravam asseguradas. Não obstante, durante o check-in o interessado foi informado de que não constava (nem o acompanhante) da lista de passageiros.
A instrução do processo permitiu apurar, mediante o reconhecimento expresso da SATA Air Açores, ter sido efectuada reserva para o voo Ponta Delgada – Lisboa de 15/12/97, às 19,50 horas, o TP 196.
A contradição entre as informações prestadas pela SATA Air Açores – que admitiu que o interessado alterou a sua reserva relativa ao voo TP 192, em virtude do voo Santa Maria – Ponta Delgada de 14/12/97 ter sido cancelado por razões meteorológicas – e pela TAP Air Portugal – que afirmou que o Senhor A. M tinha reserva para o voo TP 192 e não se apresentou para o embarque -, permitem, desde logo, concluir que o Senhor A. M. não foi responsável pela situação de desconhecimento da TAP Air Portugal. Parece ser evidente a conclusão de que o desconhecimento resultou da deficiente (ou mesmo inexistente) comunicação estabelecida entre a SATA Air Açores e a TAP Air Portugal.
Por outro lado, a TAP Air Portugal afirmou que o interessado não tinha reserva para o voo TP196 ao qual compareceu. Uma vez mais, tal alegação está em flagrante contradição com afirmação da SATA Air Açores de ter sido efectuada reserva para o voo Ponta Delgada – Lisboa de 15/12/97 às 19,50 horas (o TP 196). Acresce que no processo em instrução na Provedoria de Justiça existem cópias de documentos que comprovam a reserva feita nos balcões SATA Air Açores para o voo TP 196. Impõe-se concluir que, também nesta situação, o Senhor A. M. não foi responsável pelo desconhecimento da TAP Air Portugal o qual, uma vez mais, terá resultado do deficiente funcionamento dos canais de comunicação estabelecidos entre as duas companhias aéreas.

– B – O Voo TP1961

Relativamente ao voo TP 1961, o Senhor A. M. afirmou ter efectuado reserva em balcão da SATA Air Açores. Os factos apurados indiciam que o voo TP 1961 não esteve aberto para venda no sistema da SATA Air Açores (diferentemente do que sucedeu com o voo TP 196, não existem no processo em instrução na Provedoria de Justiça quaisquer comprovativos de que o interessado tivesse feito a reserva nos balcões SATA Air Açores para o voo TP 1961) e que tal afirmação não corresponde à verdade.
Ficou por apurar se a afirmação resultou de um equívoco do Senhor A. M. ou de lapso dos funcionários em serviço no balcão da SATA Air Açores. Esta última hipótese é, no entanto, pouco consistente, uma vez que ao fazer-se a reserva ter-se-ia constatado que o voo não se encontrava no sistema. É pois natural que a TAP Air Portugal afirme que somente após a saída do voo TP196 foi efectuada reserva, pelo interessado e nos serviços da TAP Air Portugal, para o voo TP1961.
No que concerne ao voo TP 1961 os elementos apurados não permitem assacar quaisquer responsabilidades às companhias aéreas envolvidas.

– C – As Relações TAP-SATA

No âmbito do processo de inspecção à TAP Air Portugal actualmente em curso, foi possível apurar a existência de problemas de compatibilização dos sistemas informáticos da TAP Air Portugal e da SATA Air Açores. Com efeito, são diversos os relatos de situações de passageiros com reservas confirmadas para voos da TAP Air Portugal que adquiriram as passagens nos balcões da SATA Air Açores e que o sistema da TAP Air Portugal desconhece.
No decurso da inspecção referida, o senhor Delegado da TAP Air Portugal nos Açores manifestou ter conhecimento da ocorrência daquelas situações e justificou a sua existência com a circunstância da SATA Air Açores trabalhar com um sistema informático próprio, diferente daquele utilizado pela TAP Air Portugal. A “perda” da informação ocorreria no processo de transferência de dados entre os sistemas SATA / TAP.
Ainda na mesma ocasião, o senhor Delegado da TAP Air Portugal explicou que a SATA Air Açores – a qual durante alguns anos terá feito uso do sistema TAPMATIC (sistema então em uso na TAP) – passou a utilizar um sistema informático próprio que se veio a revelar de difícil compatibilidade com o TAPMATIC. Esta circunstância explicaria algumas das situações relativas a passageiros que tendo adquirido o seu bilhete em balcões da SATA Air Açores se vêem confrontados com a ausência de confirmação para os voos ao pretenderem embarcar.
De notar que uma vez que o módulo informático de check in utilizado pela SATA Air Açores é o mesmo do da TAP Air Portugal, não existem, nesta procedimento, quaisquer dificuldades nem reclamações.
Assume, pois, particular acuidade a questão da compatibilização dos sistemas SATA / TAP. Tal matéria será abordada no processo P-4/98.

– D – As Facilidades de Transporte

Encontra-se junto ao processo em instrução na Provedoria de Justiça cópia de um documento no qual o Senhor A. M. solicita a atribuição de facilidades de transporte ao senhor Representante da SATA Air Açores em Santa Maria. Como refere o senhor Chefe de Serviço de Marketing e Vendas da SATA (cf. ofício nº 110A/SD/98, de 06/08/98), na situação em apreço, as facilidades de transporte consistem na atribuição aos funcionários dos aeroportos dos Açores, respectivos cônjuges e filhos menores de duas viagens anuais inter-ilhas, com redução de 50% e sem direito a reserva de lugar. Resulta da mesma comunicação que o Senhor A. M. deixou de poder beneficiar destas facilidades de transporte, desde 18/12/97.
A SATA Air Açores – Serviço Açoreano de Transportes Aéreos, E.P. é uma empresa pública cujo estatuto foi aprovado pelo Decreto Legislativo Regional nº 2/88/A, de 5 de Fevereiro, e alterado pelo Decreto Legislativo Regional nº 16/93/A, de 16 de Novembro.
Os órgãos da empresas públicas integram o conceito de órgãos da Administração Pública definido no nº 2 do artigo 2º do Código do Procedimento Administrativo. Como refere MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA “é de realçar, em especial, a sujeição da actividade de direito administrativo das empresas públicas ao regime do CPA (…)”. Não obstante esta sujeição genérica, o mesmo autor chama a atenção para a separação entre a actividade de gestão pública (“o Código é (…) aplicável na sua globalidade, em todas as disposições e princípios gerais”) e as actividades técnica e de gestão privada (só são aplicáveis “os “princípios gerais da actividade administrativa”, bem como as “normas que (no Código) concretizam preceitos constitucionais”) . E conclui que “deste modo, a actuação dos órgãos da Administração, quando se traduz na realização de operações materiais ou no exercício de actividades jurídicas em moldes jusprivatistas, fica (…) sujeita aos princípios gerais e normas concretizadoras de preceitos constitucionais” .
A qualificação jurídica das facilidades de transporte não é clara. No entanto, não subsistem dúvidas relativamente a sua não integração no domínio da actividade de gestão pública: não se prescruta aqui qualquer “actividade administrativa exercitada com base em normas de direito administrativo” , sendo, pelo contrário, identificável a natureza e o regime empresariais desta actuação. É compreensível, numa perspectiva empresarial, que a SATA Air Açores conceda facilidades de transporte aos funcionários da empresa ANA, E.P. que desempenham a sua actividade profissional nos aeroportos em que aquela companhia aérea opera.
O caso das facilidades de transporte configura, na minha opinião, uma situação de isenção ou dispensa, categoria que a doutrina jus-administrativista qualifica como mera faculdade. No caso em apreço nada impede, nos limites da Lei, que esta isenção seja revogada porquanto “não envolve o reconhecimento de um bem jurídico autónomo do beneficiado” , uma vez que a atribuição de facilidades de transporte aos colaboradores de outras companhias resulta de uma actuação jure privatorum de carácter empresarial.
Não obstante, já referi que a actuação da SATA Air Açores, mesmo quando se traduz na realização de operações materiais ou no exercício de actividades jurídicas em moldes jusprivatistas, está sujeita aos princípios gerais e às normas concretizadoras de preceitos constitucionais. E se a atribuição de facilidades de transporte não fere o princípio da igualdade uma vez que este “exige o tratamento igual de situações iguais [mas] impõe também que seja tratado desigualmente aquilo que é jurídico ou materialmente desigual” , este tratamento desigual tem por limite a predefinição de categorias e o afastamento da diferenciação em função de situações pessoais, concretas e determinadas.
A afirmação de que “as facilidades de transporte não constituem (…) direitos, são apenas uma deferência de uma companhia aérea para com colaboradores de outra empresa do sector” pode configurar unicamente uma manifestação de actuação empresarial; já dizer-se que as companhias aéreas “reservam-se sempre o direito de não conceder tais facilidades ou de as suspender em relação a outra companhia ou em relação a colaboradores dessa companhia que tenham procedimentos considerados incorrectos” prefigura uma situação de arbitrariedade – muito para além da margem de discricionaridade que a atribuição desta categoria de benefícios pode encerrar.
A revogação de uma isenção, não proibida em absoluto como vimos, deve assumir como referência a própria distinção entre desigualdade e arbítrio. Uma vez que a decisão de conceder facilidades de transporte parte da consideração da situação específica dos funcionários das companhias com quem a SATA Air Açores mantém relações empresariais privilegiadas, esta atribuição de isenções é moldada pelo fim (empresarial) que tem em vista. E, neste quadro, pode afirmar-se que o princípio da igualdade impõe a igualdade na aplicação do benefício a todos os funcionários das companhias com quem a SATA Air Açores tem as referidas relações empresariais especiais. O arbítrio constitui, assim, um factor de discriminação ilegítimo, proibido, em primeira linha, pela própria Constituição.
Identificado este princípio geral, não pode deixar de reconhecer-se que a situação de facto inerente ao indeferimento do pedido de facilidades de transporte assume particulares características que merecem ser abordadas.
Alegadamente, o Senhor A. M. difamou e denegriu a imagem da SATA Air Açores, e insultou os colaboradores desta empresa e, por este facto, foram-lhe retirados os benefícios que provinham das facilidades de transporte atribuídas aos funcionários da ANA, E.P. que desempenham a sua actividade profissional nos aeroportos dos Açores. Sendo compreensível que uma companhia aérea não conceda determinados benefícios a indivíduos que hajam actuado de modo a denegrir a imagem da companhia, tenham atentado contra os seus bens ou que, de qualquer forma, tenham desenvolvido actividades que possam ser consideradas lesivas dos interesses da empresa, não é aceitável que esta decisão tenha sido comunicada ao interessado desprovida, em absoluto, de fundamentação. “A exigência de fundamentação dos actos que “decidam de modo diferente da prática habitualmente seguida” é, como facilmente se compreende, um poderoso instrumento de igualdade, imparcialidade e justiça administrativa, para não falar já num suporte da sua legalidade” .
A comunicação ao Senhor A. M. apenas refere “por deliberação superior indeferido o pedido de facilidades”. A motivação desta decisão consta, segundo parece, do ofício nº 110A/SD/98, de 06/08/98, que me foi remetido pelo senhor Chefe de Serviço de Marketing e Vendas da SATA Air Açores. Esta fundamentação – a qual nunca foi transmitida ao interessado – é, ainda assim, simplesmente inexistente. Afirmar que “em virtude dos comportamentos adoptados pelo Sr. A. M. difamando e denegrindo a imagem da SATA e insultando os colaboradores desta empresa, por proposta de alguns destes, foram suspensas as referidas facilidades de transporte em 18 de Dezembro de 1997” (cf. ofício citado) configura, não uma fundamentação, mas um juízo conclusivo. Fundamentar é enunciar expressamente as razões de facto e de direito que levaram o autor de um acto a praticá-lo com um determinado conteúdo. Difamar, denegrir e insultar são conclusões lógicas que pressupõem a prática de actos materiais que consubstanciem aqueles ilícitos.
Acresce que apenas a existência de um procedimento de averiguação – que compreenda obrigatoriamente a audição do interessado – pode habilitar a SATA Air Açores a concluir pela verificação de uma conduta suficientemente grave que constitua o prevaricador em desmerecedor do benefício anteriormente atribuído.
Por outro lado, ainda que se conclua pela formulação de um juízo conclusivo desfavorável ao interessado, deve graduar-se a “sanção” em função da gravidade dos actos praticados (por exemplo, não pode deixar de ser atendida a circunstância do Senhor A. M. comprovadamente dispor de reserva feita nos balcões SATA Air Açores para o voo TP 196), e deve ser clarificada a duração temporal da perda da isenção. Para tanto, impõe-se a existência de quadro normativo (ainda que criado unilateralmente pela SATA Air Açores) anterior à prática do acto, com a previsão das irregularidades relevantes e com a cominação das respectivas sanções aplicáveis.
Os elementos apurados na presente instrução não permitem extrair conclusões sobre a bondade da decisão de não atribuição de facilidades de transporte ao Senhor A. M.. São, no entanto, suficientes para verificar o incumprimento do dever de fundamentação do respectivo acto de indeferimento, a inexistência de processo de averiguações com a participação do interessado e a natureza arbitrária da sanção aplicada.

III Conclusões

O Senhor A. M efectuou reserva para o voo Ponta Delgada – Lisboa de 15/12/97, às 19,50 horas, o TP 196, nos balcões da SATA Air Açores logo, não foi responsável pelo desconhecimento da TAP Air Portugal. Esta situação resultou da deficiente (ou mesmo inexistente) comunicação estabelecida entre a SATA Air Açores e a TAP Air Portugal.
Uma vez que a SATA Air Açores alegou que o voo TP 1961 não esteve aberto para venda no seu sistema, e porque não existem no processo em instrução na Provedoria de Justiça quaisquer comprovativos de que tivesse sido feito reserva para este voo, não procede a reclamação resultante da afirmação do Senhor A. M de ter efectuado esta reserva em balcão da SATA Air Açores.
A matéria relativa à compatibilização dos sistemas informáticos SATA/TAP está a ser tratada no P-4/98 pelo que as respectivas conclusões serão formuladas naquele processo(.
A decisão de não atribuição de facilidades de transporte ao Senhor A. M incumpriu o dever de fundamentação, não dependeu de um processo de averiguações no qual o interessado tenha sido chamado a participar, e constituiu uma sanção de carácter arbitrário por não resultar da aplicação de um quadro normativo previamente definido.
Pelas razões que deixei expostas e no exercício do poder que me é conferido pelo disposto no artigo 20º, nº 1, alínea a), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril, RECOMENDO
Ao Conselho de Administração da SATA Air Açores:
A. Que seja revogada a decisão de não atribuição de facilidades de transporte ao Senhor A. M;
B. Que seja determinada a instauração de processo de averiguações relativamente aos factos mencionados que conduziram à decisão reclamada;
C. Que a nova decisão seja comunicada directamente ao interessado, ou através da ANA, E.P., devidamente fundamentada;
D. Que seja elaborado quadro normativo que defina os requisitos de atribuição de facilidades de transporte, as condições de utilização, bem como as causas de cessação.
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cfr. Recomendação n.º 29/B/99