Presidente da Câmara Municipal de Ponte de Sôr
Número: 56/A/99
Processo: 2627/98
Data: 28.06.1999
Área: A6

Assunto: AUTARQUIAS LOCAIS – DIREITO DE PROPAGANDA PARTIDÁRIA – AFIXAÇÃO – LUGARES PÚBLICOS – DEVERES DAS AUTARQUIAS LOCAIS

Sequência: Acatada

A Comissão Concelhia de Ponte de Sôr do Partido … dirigiu uma queixa ao Provedor de Justiça na qual contestava a remoção camarária de diversas faixas de propaganda política por si colocadas em diversos locais da cidade de Ponte de Sôr. Segundo a mesma estrutura partidária, as faixas teriam sido retiradas dos locais onde foram afixadas, sem que, previamente, tivesse ocorrido “qualquer comunicação oral ou escrita por parte da Câmara”.

Instado a pronunciar-se sobre a questão em apreço, informou V. Exª que a remoção ora em apreço se ficou a dever ao prejuízo causado pelas supra referidas faixas na iluminação pública dos locais onde estavam afixadas e que, no decurso de uma reunião de Câmara, a necessidade de remoção e colocação destas faixas noutro local foi transmitida aos vereadores eleitos pelo Partido …, um dos quais membro da respectiva Comissão Concelhia.

Terminada a instrução do processo aberto com fundamento naquela queixa concluo pela procedência da reclamação da Comissão Concelhia do Partido …, nos termos e pelas razões que se seguem.

O regime de afixação e inscrição de mensagens de propaganda política, está consagrado na Lei 97/88, de 17 de Agosto, de forma a harmonizar o exercício da liberdade de afixação ou inscrição mural de material de propaganda política, enquanto componente do direito fundamental de expressão do pensamento, com um conjunto de outros direitos fundamentais e de valores constitucionalmente tutelados, tais como, o direito ao ordenamento do território, à protecção do património e ao ambiente, à qualidade de vida, à liberdade de circulação, à segurança e à imparcialidade dos agentes e serviços públicos, salvaguardados através de critérios delimitadores do exercício de actividades de propaganda, contidos no seu art.º 4º, n.ºs 1 e 2.

Como forma de garantir o exercício da liberdade de propaganda em cada município, o art.º 3º, n.º1, do mesmo diploma, impõe às câmaras municipais o dever de disponibilizarem espaços e lugares públicos para a afixação ou inscrição de mensagens de propaganda. Não se infira, porém, deste preceito que o exercício da liberdade de propaganda se encontra circunscrito a estas áreas administrativamente definidas.

Que este normativo não limita a extensão objectiva do exercício desta liberdade resulta claramente do regime de afixação de mensagens de propaganda em lugares de propriedade privada (art.º 3º, n.º2, da mesma Lei), bem como dos critérios definidos na Lei para o exercício das actividades de propaganda em locais públicos (1).

Por outras palavras, os agentes privados não se encontram confinados àqueles espaços para o exercício do seu direito, desde que o façam dentro dos parâmetros determinados pelo supra referido art.º 4º, normativo que, como bem definiu o Tribunal Constitucional (2) regula o exercício cívico da liberdade de propaganda.

É ainda às câmaras municipais que cabe velar pela conformidade legal destas condutas, atribuindo-lhes o art.º 5º, n.º 2, da Lei 97/88 competência para ordenarem a remoção das mensagens de propaganda, após notificação do infractor.

Conclui-se, assim, que a Lei atribui às câmaras a dupla função de promover o exercício do direito de propaganda, através da concessão de espaços para tal fim, e de assegurar que na área do seu município este exercício não atropela outros direitos e valores constitucionalmente consagrados, de harmonia com os critérios enunciados no supra referido art.º 4º e com os regulamentos municipais que os desenvolvam.

O diploma em análise dedica especificamente o seu art.º 6º aos meios amovíveis de propaganda afixados em locais públicos. O n.º 1 declara extensíveis a estes meios os já enunciados critérios do art.º 4º, n.º 1, e atribui a responsabilidade da remoção dos que lhes sejam desconformes às entidades que os instalaram. Por seu lado, o n.º 2 institui regras procedimentais necessárias ao processo de remoção, impondo às câmaras o dever de audição dos interessados e da subsequente definição dos prazos e condições de remoção dos meios de propaganda utilizados.

O dever de notificação, enquanto expressão da imposição constitucional (3) que “impõe à administração um dever de dar conhecimento aos interessados, mediante uma comunicação oficial e formal” (4), encontra concretização legislativa geral no art.º 66º, do Código do Procedimento Administrativo, que enuncia a necessidade de notificação dos actos administrativos que imponham deveres ou sujeições, ou causem prejuízos (al. b), ou diminuam direitos ou interesses legalmente protegidos ou afectem as condições do seu exercício (al. c).

Identicamente, o direito de audição constitui apanágio do procedimento administrativo, nos termos estatuídos no art.º 100º, do mesmo Código, em cumprimento da directiva constitucional (5) de participação dos cidadãos na formação das decisões que lhes digam respeito, “assegurando-se, deste modo, uma discussão plena do assunto, através dum procedimento imparcial e público, implicando a necessidade de confrontar critérios da Administração e dos Administrados” (6).

Relativamente à situação material que esteve na origem da remoção das faixas em questão, é certo que as fotografias anexas à petição de queixa não parecem indiciar a existência de prejuízo relevante para a iluminação pública dos locais de afixação. Porém, entendo que uma apreciação resultante da análise destes documentos não pode constituir, por si só, fundamento suficiente para ajuizar da bondade da decisão camarária, sendo certo que a remoção infundada de faixas de propaganda política sempre configuraria como uma restrição ilegítima da liberdade de propaganda, violadora dos art.º 37, n.º 1, e 18º, n.º 1, da Constituição.

Não obstante, no que ao cumprimento das normas de procedimento administrativo diz respeito, sempre essa Câmara sempre deveria ter procedido à audição da Comissão Concelhia do Partido … sobre a questão em apreço, nos termos do art.º 6º, n.º 2, da Lei 98/88, e das normas contidas no art.º 100º e seguintes do CPA, supletivamente aplicáveis.

Para além da preterição da audição dos interessados, a informação prestada nos termos acima mencionados por V. Exª. ( facto que, aliás, é liminarmente rejeitado por aquela comissão partidária), constitui uma situação de mero conhecimento acidental, não revestindo, como tal, as características de acto pessoal, oficial e formal (7) que definem o acto de notificação.

Assim sendo, conclui-se que foi violado o dever de notificação do acto administrativo que ordenava a remoção das faixas, resultante do art.º 5º, n.º 2, da Lei 97/88, e do art.º 66º e seguintes do CPA. De igual forma, foi incumprida a imposição do referido art.º 6º, n.º 2, para que fosse definido prazo e as condições para que a entidade responsável pela afixação retirasse os meios de propaganda em causa.

Para além das supra referidas ilegalidades, sempre se oferece curial considerar que, pelos seus contornos, a situação em apreço demonstra à saciedade os benefícios para a certeza e segurança jurídicas que advêm do estrito cumprimento das normas referentes ao procedimento administrativo.

Atendendo ao que acima ficou exposto, ao abrigo do art.º 20º, n.º 1, al. a), da Lei 9/91, de 9 de Abril,

RECOMENDO

à Câmara Municipal de Ponte de Sôr que as decisões de remoção de meios amovíveis de propaganda política sejam precedidas da audição dos interessados e que estes sejam regularmente notificados da decisão camarária, na qual conste o prazo e as condições concedidas para a retirada do material em causa, nos termos definidos pelo art.º 6º, n.º 1, da Lei 97/88.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL

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(1) Neste sentido, Ac. do tribunal Constitucional nº 636/95, de 15 Nov.

(2) Idem.

(3) Cf. artº 268º, nº 3, da Constituição.

(4) Cf. Canotilho, Gomes e Moreira, Vital, Constituição da República Anotada, 1933, pg. 935.

(5) Cf. artº 267º, nº 5, da Constituição.

(6) Código do Procedimento Administrativo Anotado, Botelho, José e outros, 1992, pg. 251.

(7) Cf. Oliveira, Mário Esteves, CPA, 1997, pg. 348.