Presidente da Câmara Municipal de Setúbal

Rec. n.º 48/A/99
Processo: 4460/96
Data: 27.05.1999
Área: A2

Assunto: ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL – MUNICÍPIO – MAU ESTADO DA VIA – DANOS PATRIMONIAIS – INDEMNIZAÇÃO.

Sequência: Não Acatada

1. Foi apresentada queixa nesta Provedoria de Justiça pelo Senhor A…, em virtude de danos sofridos na sua viatura automóvel matrícula…, resultantes do embate numa tampa de colector de esgoto saliente, não sinalizada.

2. O embate ter-se-á verificado na Rua …, em Setúbal, e dele terão resultado danos na caixa de velocidades do veículo do queixoso, cuja reparação terá orçado em Esc. 102.435$00.

3. Solicitado o Município a proceder à reparação dos danos sofridos,foi comunicado ao interessado pela então vereadora Dra… que, “Relativamente à sua reclamação de …, parece-me que, face às fotografias, lhe assiste toda a razão (…)”, mas que tal dependeria de informação a prestar pelo Presidente dos SMAS da autarquia.

4. Estes, por sua vez, informaram o reclamante de que “a Rua … encontra-se em terra batida e assim as caixas de visita não se encontram niveladas pelo terreno”, pelo que “um condutor ao decidir passar na Rua … deverá tomar as necessárias precauções”, inexistindo motivos para proceder a qualquer indemnização.

5. Solicitado por mim a pronunciar-se sobre a pretensão do reclamante, foi alegado pelo Exmo. Presidente dos Serviços Municipalizados, em síntese, o seguinte:

-“o facto de existência de caixas de visita desniveladas é consequência da própria natureza dos terrenos e do traçado por que se desenvolve o sistema de saneamento, sendo frequente as chuvas arrastarem as terras com o efeito apontado.”

– o local do acidente é uma “azinhaga de traçado costumeiro(…)que não se encontra classificada como arruamento”, nem os terrenos são “disciplinados em termos urbanísticos”, pelo que, inexistindo “arruamentos, a opção por tais azinhagas é exclusiva dos condutores”, não podendo por isso ser a Câmara responsabilizada.

6. Como decorre do art. 1.º, n.º 1, do Código da Estrada (CE) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39672, de 20 de Maio de 1954 (em vigor na data do acidente), este aplica-se ao trânsito nas vias do domínio público do Estado e das autarquias locais, independentemente de tais vias se encontrarem “em terrenos urbanísticos”, ou serem de “traçado costumeiro”.

6.1. Ora, basta para a qualificação de determinada via como pública “o uso directo e imediato pelo público, não se tornando necessário que ele tenha sido apropriado ou produzido por pessoa colectiva de direito público e que esta haja praticado actos de administração, jurisdição ou conservação” (Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Abril de 1989, in DR, I Série, de 2 de Junho de 1989).

6.2. A Rua … é uma artéria da cidade, onde existe circulação automóvel, que se encontra sinalizada, e para onde existem entradas por outras artérias, mal se compreendendo os argumentos invocados.

7. Os obstáculos eventuais que existam nas vias públicas devem ser sinalizados “por forma bem visível e a uma distância que permita aos demais utentes da via tomar precauções necessárias para evitar acidentes” (art. 5.º, n.º 2, do CE), competindo às Câmaras Municipais a construção, conservação e reparação dos caminhos municipais (v. art. 2.º da Lei n.º 2110, de 19 de Agosto de 1961, e art. 5.º, n.º 4, al. d) e i), do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março – LAL).

7.1. A omissão de tais diligências pelos serviços municipais pode gerar para os munícipes danos, cujo ressarcimento impende sobre as autarquias (v. art. 90.º da LAL) – o que, aliás, tem sido feito pela Câmara Municipal de Setúbal em casos similares, publicitadas, nomeadamente, através dos editais 41/95, 99/96, 63/98 e 81/98.

7.2. Também por este facto, atentos os princípios de igualdade e justiça administrativa, mal se compreende como, apesar de a anterior vereadora do pelouro, e os próprios SMAS, assumirem claramente o deficiente estado de conservação da Rua …, e nomeadamente a existência de tampas de saneamento desniveladas, as mesmas não são reparadas e os prejuízos daí resultantes claramente assumidos.

8. Dão-se por verificados – e, aliás, não são postos em causa pelo Município – os pressupostos da responsabilidade civil, a saber: danos, nexo de causalidade, ilicitude e culpa.

9. Pelo exposto,

RECOMENDO

a V.Exa., no uso dos poderes que me são conferidos pelo art. 20.º, n.º 1, al. a), do Estatuto do Provedor de Justiça, aprovado pela Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, que, verificados no caso os requisitos da responsabilidade civil extracontratual, seja o Senhor A… indemnizado dos prejuízos sofridos devido ao acidente em causa.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL