Presidente da Junta Autónoma das Estradas
Número: 42/A/99
Processo: 2732/97
Data: 26.05.1999
Área: A2

Assunto: ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL – MUNICÍPIO – OBSTÁCULOS NA VIA PÚBLICA – DANOS PATRIMONIAIS E PESSOAIS – INDEMNIZAÇÃO

Sequência: Acatada

I – Dos Factos

1. Apresentou a Sra. A neste órgão do Estado queixa contra a Junta Autónoma das Estradas, em virtude de acidente sofrido no dia … 1997, pelas 19H00m, na E.N. 204, ao KM …, no sentido Barcelos – Famalicão.

2. A referida via tem trânsito nos dois sentidos, circulando a reclamante, a pé, do lado direito, quando caiu num buraco existente junto à berma direita, no seu sentido de marcha, com cerca de 1 metro de comprimento por 80 centímetros de largura.

3. Segundo informação da Junta Autónoma das Estradas, o referido buraco era uma “boca de aqueduto” a que faltava a “grade de protecção”, existindo no processo fotografias do referido buraco.

4. Na sequência da queda a reclamante, que foi conduzida ao Hospital de Barcelos, sofreu danos que se traduziram em incapacidade temporária para trabalho, tendo necessidade de assistência médica e medicamentosa.

5. Alega a reclamante que o acidente supra descrito se deveu a culpa exclusiva da Junta Autónoma das Estradas, por omissão pelos seus serviços de conservação do dever de reparação e de sinalização do referido “buraco”.

6. Na sequência das pretensões sucessivamente formuladas pela reclamante, foi comunicada pela Junta Autónoma das Estradas que, não pondo em causa a veracidade do ocorrido, entendia não dever assumir qualquer responsabilidade “dado que no local existe uma berma com cerca de 1,20 m de largura e não se vislumbra nenhuma razão para que a circulação de peões se efectue pela valeta. Perante o referido crê-se que o acidente resultou de manifesta distracção, exclusivamente imputável à reclamante, tanto mais que esta é moradora e conhecedora do local.”

II – Do Direito

7. A responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos por actos de gestão pública encontra-se regulada no Decreto-Lei nº 48.051, de 21 de Novembro de 1967, normativo integrado pelas normas sobre responsabilidade civil constantes do Código Civil (CC), atento o carácter unitário do instituto da responsabilidade dos poderes públicos (art. 22º da Constituição da República Portuguesa – CRP).

7.1. A obrigação de indemnização depende da existência de um facto ilícito e culposo, de que tenham resultado, como causa adequada, danos para o titular do direito à indemnização.

8. No caso concreto, inexiste controvérsia sobre a matéria de facto alegada pela reclamante, nomeadamente sobre a verificação do facto danoso, sobre a relação de causalidade entre o mesmo e os danos alegadamente sofridos, verificando-se dissídio apenas quanto à existência de ilícito culposo.

9. O acidente sofrido pela reclamante ocorreu numa estrada nacional, constituindo atribuição da JAE a exploração da estrada e do domínio público rodoviário, “designadamente conservação corrente, demarcação, sinalização (…) segurança rodoviária passiva (…) ” (art. 2º do Decreto-Lei nº 184/78, de 18 de Julho).

10. A área de jurisdição da JAE engloba, não só as faixas de rodagem, mas também as bermas e, quando existam, as valetas (vd arts. 1º e 2º do Decreto-Lei nº 13/71, de 23 de Janeiro, e art. 2º do Decreto-Lei nº 13/94, de 15 de Janeiro), competindo-lhe assim deliberar e executar as medidas necessárias à segurança e comodidade do tráfego neste domínio público, promovendo todas as acções necessárias à administração corrente de tal património e à sua conservação, como a reparação, sinalização e conservação corrente e periódica (arts. 30º e segs. do Decreto-Lei nº 184/78).

11. Ora, os locais das vias públicas que possam oferecer perigo para o trânsito, ou onde este deva ser feito com especial precaução, devem ser assinalados com placas com os sinais fixados na legislação em vigor (Ac. STA de 25/7/85, in AD, 289, p. 30), por forma a permitir aos utentes da via “tomar as precauções necessárias para evitar acidentes” (arts. 5º e 6º do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei nº114/94, de 3 de Maio – C.E.-, arts. 2º e 13º do Decreto-Lei nº190/94, de 18 de Julho, e art. 2º do Decreto Regulamentar nº 33/88, de 12 de Setembro).

12. Sendo certo que o ilícito se pode traduzir numa abstenção ou omissão, quando exista a obrigação de praticar o acto (art. 486º do CC), existe acto ilícito quando se infrinjam regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser observadas (art.6º do Decreto-Lei nº 48051), devendo a culpa dos titulares dos órgãos e agentes ser apreciada em abstracto, considerada a diligência exigível a um funcionário típico (art. 487º do CC, por remissão do art. 4º, nº1, do Decreto-Lei nº 48.051).

13. Ora, é justamente sobre a Junta Autónoma das Estradas que incumbe o encargo ou dever especial de vigiar o estado do património a seu cargo, por forma a tomar todas as “medidas preventivas dos acidentes no local, nomeadamente o dever de aí colocar obstáculos inamovíveis ou dificilmente manipuláveis e removíveis em ordem a garantir a segurança dos transeuntes e veículos” (Ac. STA de 19/11/91, AD, 364, p.485).

14. E não só tem a JAE o dever de colocar esses obstáculos, como ainda, pelo perigo que representam para peões ou veículos, de os sinalizar, por forma bem visível, a uma distância que permita evitar qualquer acidente (artigo 5º do C.E., e art. 2º do Decreto Regulamentar nº 33/88, de 12 de Setembro).

15. Sendo certo que a JAE deve cumprir de forma diligente os seus deveres legais de vigilância sobre o seu património, através da conservação das vias e respectivas bermas e da sinalização dos obstáculos existente, considera-se culposa a conduta omissiva que não corresponde à que é exigível de um funcionário zeloso e cumpridor (cfr. Acs. STA de 20/10/87, BMJ 370, p. 392, e de 22/02/96, AD, 413, p. 561).

16. É jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Administrativo que a indefinição de fronteiras entre os conceitos de culpa e ilicitude decorrente da noção de ilicitude contida no art. 6º do Decreto-Lei nº 48.051 leva a que “provada a ilicitude se deva ter como provada também a culpa, salvo se o lesante alegar e provar factos que a descaracterizam” (vd Ac. STA de 29/05/91, AD 375, p. 289, e a abundante jurisprudência citada no Ac. STA de 19/11/91, AD, 364, p. 485).

17. Ora, não prova a JAE o cumprimento diligente dos seus deveres legais de vigilância e segurança, incluindo a colocação de obstáculos ou utilização da sinalização apta a evitar a ocorrência de acidentes no local (cfr. Ac. STA de 19/11/91, supra citado), devendo considerar-se que “a conduta do agente é reprovável, quando, pela sua capacidade, e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo” (ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, I, 6ª ed., 1989, p. 531.).

18. Da omissão do cumprimento, pela JAE, dos seus deveres legais funcionais resultaram como consequência adequada os danos sofridos pela reclamante, devendo ter-se por provada a responsabilidade da JAE.

19. A existência de deveres legais funcionais não é obviamente negada pela JAE, que, alertada para a existência do referido buraco, colocou sobre o mesmo uma tampa provisória em madeira, cuja fotografia consta do presente processo, informando que “neste momento a questão está resolvida”.

20. Mal se compreende, no entanto, a sua alegação de culpa da lesada, por a valeta das estradas não ser local para peões, quando, obrigando o Código da Estrada a que a paragem e estacionamento de veículos se faça “fora das faixas de rodagem”, na respectiva margem direita (art. 48º), o estacionamento ou a saída de qualquer passageiro estaria sujeita ao grave risco de queda no buraco existente.

21. Relativamente à circulação de peões, é igualmente o Código da Estrada que obriga a que, na falta de “passeios, pistas ou passagens a eles destinados”, os peões transitem “pelas bermas” existentes (nº1 do art. 102º), resultando medianamente claro da observação do local que a alegada “valeta” se confunde com a berma da estrada, quer por inexistência de desnível, quer por inexistência de marcas delimitadoras no pavimento, o que tornou a circulação particularmente perigosa durante a noite.

22. A não reparação do aqueduto, ou a ausência da sua sinalização através de sinais visíveis e dificilmente amovíveis, constitui por isso causa adequada, isto é, normal, previsível e típica, de danos graves para quem pretendesse estacionar na berma da estrada, sair da sua viatura ou aí circular, particularmente de noite, como no caso concreto.

23. Pretender a concorrência de culpa da reclamante pelo facto de, sendo moradora próxima do local, ter um acrescido dever de cautela com buracos que devia conhecer, não só não interrompe o nexo causal entre a omissão e o seu resultado normal ou provável (adequado), como constitui uma inversão do dever de cuidado e diligência da JAE que não encontra apoio na Lei.

24. Conclui-se, por isso, que a conduta da Junta Autónoma das Estradas, omitindo de forma claramente negligente o cumprimento dos deveres legais que sobre ela incumbem, constituiu causa adequada dos danos sofridos pela reclamante, Sra. A.

III – Conclusões

Pelos fundamentos expostos

RECOMENDO

a V.Exa, ao abrigo do disposto no art. 20º, nº1, al. a), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril, que seja atribuída indemnização à Senhora A, com vista a ressarci-la dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do supra descrito acidente, nos termos do disposto no art. 2º do Decreto-Lei nº 48051, de 21 de Novembro de 1967.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL