Secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território
P-3/95
Nº 16/B/99
1999.05.12
Área: A1

Assunto:AMBIENTE – ACTIVIDADES INSALUBRES, INCÓMODAS, PERIGOSAS E TÓXICAS – REGIME DE LICENCIAMENTO SANITÁRIO – PREVENÇÃO DO DANO AMBIENTAL.

Sequência:Parcialmente acatada.

1. Tal como oportunamente expus a Vossa Excelência, através do ofº …, determinei a organização de um processo para estudo e análise de algumas questões relativas à aplicabilidade do regime contido nas Instruções aprovadas pela Portaria nº 6065, de 30 de Março de 1929 (licenciamento sanitário dos estabelecimentos insalubres, incómodos, perigosos e tóxicos).

2. Com efeito, por não raras vezes, encontro as câmaras municipais confrontadas com problemas atinentes à articulação do citado regime com o do licenciamento municipal de obras particulares e com diversos procedimentos sectoriais de autorização para instalação de actividades várias com incidência ambiental.

3. Por outro lado, verifico que muitas actividades enunciadas na Tabela anexa às Instruções manifestam uma notória desactualização em face das exigências ditadas por mais de 70 anos de vigência, ao passo que muitas outras actividades e estabelecimentos, cuja laboração afecta o ambiente urbano, escapam a qualquer controlo administrativo para a sua instalação.

4. Poderia julgar-se que o regime jurídico do licenciamento sanitário teria perdido a sua função útil na ordem jurídica, porquanto os bens jurídicos que pretende salvaguardar se encontrariam sob a protecção da Administração Pública em domínios tão distintos como o do licenciamento municipal da utilização das edificações urbanas e suas fracções, da fiscalização do ruído, da autorização da localização das actividades industriais ou dos licenciamentos e controlos exercidos pelas autoridades agrárias e pecuárias.

5. Encontro, porém, razões ponderosas para assim não crer. Por isso, é com alguma preocupação que tomei conhecimento, por via do ofício identificado em epígrafe, dos trabalhos preparatórios de revogação das Instruções aprovadas pela Portaria nº 6065. Preocupação moderada, no entanto, por me ter Vossa Excelência informado ter sido constituído um novo grupo de trabalho para elaboração de uma proposta de alteração legislativa precedida da análise das consequências que a revogação poderia comportar.

6. Pretendo com a presente iniciativa apresentar as razões que me levam a crer na necessidade de manter e reformar o regime do licenciamento sanitário. Em síntese, são nove as considerações que justificam a presente intervenção:
a) as Instruções aprovadas pela Portaria nº 6065 constituem o único controlo administrativo preventivo de muitas actividades reconhecidamente perturbadoras do ambiente e qualidade de vida dos moradores mais próximos do local onde são instaladas, ao que acresce mostrar-se este regime potencialmente adequado ao controlo prévio da instalação e funcionamento de actividades reconhecidamente poluentes e que escapam, actualmente, a qualquer forma de intervenção administrativa reguladora;
b) este regime contém uma garantia interessante, e precursora para o seu tempo, de participação dos administrados, em termos que se revelam mais aptos que os dispositivos comuns do Código do Procedimento Administrativo (CPA);
c) o licenciamento da utilização das edificações urbanas e suas fracções não permite se não verificar a conformidade dos projectos de arquitectura aprovados com as obras executadas, e por outro lado, inexiste qualquer tipologia legal ou regulamentar das utilizações compatíveis com a proximidade de habitações;
d) os instrumentos de planeamento territorial, salvo raríssimas excepções, mostram-se omissos quanto à disciplina da localização de actividades insalubres, incómodas e perigosas;
e) mesmo o Regulamento Geral sobre o Ruído (RGR) , embora aponte para necessidade de a localização de actividades ruidosas ter em conta a proximidade de edifícios habitacionais, deixa perder este sentido preventivo ao remeter a qualificação de uma actividade como ruidosa para momento posterior ao do início da laboração;
f) a aplicação do regime do licenciamento da actividade industrial depende de uma tipologia taxativa de actividades, pelo que o sistema de controlo e fiscalização por ele instituído não pode ser aplicado a actividades análogas quando não contempladas no elenco regulamentar;
g) os procedimentos sectoriais de autorização e licenciamento de actividades com incidência no ambiente urbano, por seu turno, obedecem a finalidades que só reflexamente convergem com as preocupações de ordem sanitária e ecológica para com os moradores mais próximos;
h) as autoridades de saúde viram confinada a sua intervenção, no campo das obras particulares, àquelas que não careçam de licenciamento municipal, por força do disposto no art. 5º, nº2, do Decreto-Lei nº 250/94, de 15 de Outubro, já que este revogou a norma contida no art. 1º, alínea a), do Decreto-Lei nº 569/76, de 19 de Julho; e, no domínio dos trabalhos de construção sujeitos a licenciamento, aos casos em que se realize vistoria para efeitos de emissão da licença de utilização, o que apenas sucede quando não for apresentada declaração comprovativa da conformidade da obra com o projecto aprovado ou haja indícios de desconformidade (art. 27º do citado regime jurídico do licenciamento municipal de obras particulares).
i)o regime em análise permite fixar condições para o exercício das actividades insalubres, incómodas e perigosas, cujo cumprimento a posteriori é fiscalizado por parte dos municípios e das autoridades de saúde, ou seja, as Instruções aprovadas pela Portaria nº 6065 instituíram um sistema de controlo continuado das condições sanitárias e ambientais, sistema esse que permite à Administração fixar condições específicas para um certo estabelecimento em virtude das características individuais e concretas da actividade e do local.

7. Ao concordar com o teor do parecer que em anexo envio a Vossa Excelência, e no cumprimento da atribuição constitucional que se me encontra confiada, tendo em especial conta o desenvolvimento legal previsto no art. 20º, n.º 1, alínea b), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril;
Ao considerar de extrema necessidade aperfeiçoar a legislação vigente com vista a prevenir e diminuir a incidência de múltiplas situações de conflito por motivo de questões de ambiente urbano;
Ao antever as consequências prejudicais que a revogação, sem mais, do regime jurídico do licenciamento sanitário poderia acarretar;
Ao ter presente que os instrumentos de planeamento territorial só fortuita e fragmentadamente se ocupam da compatibilidade de certas utilizações dos edifícios com determinadas actividades;

Entendo dever RECOMENDARecomendar a Vossa Excelência que promova a adopção de medidas legislativas destinadas a reformular o regime contido nas Instruções aprovadas pela Portaria nº 6065, de 30 de Março de 1929, o que, a meu ver, deverá passar por:
I) revisão do procedimento administrativo do licenciamento sanitário, em face das exigências constitucionais e de ordem institucional da Administração Pública, preservando em todo o caso, o sistema de participação procedimental prévia e de fiscalização sucessiva da conformidade da laboração com as exigências higio-sanitárias e ambientais;
II) actualização da tabela de actividades e estabelecimentos incómodos, insalubres e perigosos, expurgando-a dos itens obsoletos e contemplando estabelecimentos e actividades cuja incomodidade ambiental carece de ser acautelada;
III) articulação do regime do licenciamento sanitário com o do licenciamento municipal de obras particulares e com o Regulamento Geral sobre o Ruído.

Parecer Invocado como Fundamento desta Recomendação:

Actividades e Estabelecimentos Insalubres,Incómodos, Perigosos ou Tóxicos

1º-Considerações gerais

1. As Instruções aprovadas pela Portaria nº 6065, de 30 de Março de 1929, surgiram no contexto da precedente publicação do Decreto nº 8364, de 25 de Agosto de 1922 . Este diploma aprovou o Regulamento da Higiene, Salubridade e Segurança nos Estabelecimentos Industriais, cuja finalidade era, não só garantir a salubridade dos lugares de trabalho e a higiene e segurança dos operários, como também a higiene, comodidade e segurança públicas (art.1º).
2. Na origem deste diploma encontra-se o Decreto francês de 15 de Outubro de 1810, completado pela ordonnance de 15 de Janeiro de 1815, relativos às manufacturas e estabelecimentos insalubres, incómodos ou perigosos. Este regime visava essencialmente a prevenção dos incómodos provocados pelas emissões insalubres, repartindo os estabelecimentos por três classes em função da sua localização relativamente às habitações e exigindo que os estabelecimentos qualificados como insalubres, incómodos ou perigosos obtivessem uma autorização prévia de funcionamento. Estes diplomas mantiveram-se em vigor por mais de um século. Mesmo o novo regime (Lei de 19 de Dezembro de 1917) conservaria os seus traços essenciais, o mesmo podendo afirmar-se do actual regime contido na Lei, pese embora a assinalável diferença de se consagrar agora expressamente a finalidade de tutela ambiental.
3. Também em Espanha, no mesmo período, foi sentida a necessidade de estabelecer uma disciplina global para todos os aglomerados populacionais e para todas as actividades com riscos ambientais e higio-sanitários, por forma a prever condições mínimas para a sua instalação nos meios urbanos e a suprir as insuficiências de um sector muito fragmentário da ordem jurídica. Com este propósito, a Real Ordem de 17 de Novembro de 1925 aprovaria o Regulamento de Estabelecimentos Classificados, Incómodos, Insalubres ou Perigosos .
4. Este regime era fixado com base numa tipologia das actividades repartidas por três categorias em função dos inconvenientes presumidos que a laboração seria susceptível de produzir. De acordo com o tipo e intensidade do inconveniente era estipulada na tabela a classe respectiva, da qual dependeria a localização e um conjunto de condições a dispor como condição da laboração.
5. Elevado interesse manifesta a norma contida no art. 7º do Regulamento da Higiene e Segurança nos Estabelecimentos Industriais, ao dispor que as indústrias insalubres, incómodas, perigosas ou tóxicas, exploração de minas ou pedreiras, e as explorações industriais sujeitas a leis ou regulamentos especiais devem ser subordinadas, no que respeita à sua instalação e condições de higiene e segurança, às prescrições estabelecidas nas leis e regulamentos respectivos e às do presente regulamento, que aquelas não contrariem. Isto é, o regime aprovado pelo Decreto nº 8364 apresentava aplicação subsidiária relativamente aos regimes sectoriais de licenciamento. Avisado andou o Governo ao distinguir, por um lado, as preocupações de ordem sanitária e ambiental para com os trabalhadores e os vizinhos, e por outro, as finalidades próprias das autorizações e licenças sectoriais – a protecção da qualidade dos produtos, a economia nacional, a concorrência.
6. O Decreto nº 8364 aprovou duas tabelas distintas, a primeira enunciando as actividades de carácter marcadamente industrial, a segunda, identificando actividades comerciais, agrárias, pecuárias e de prestação de serviços.
7. Registo merece ainda o facto de no art. 2º se enunciar uma cláusula relativa ao âmbito de aplicação regulamentar que possibilitava a sujeição às prescrições do regulamento de todas as actividades contempladas em ambas as tabelas qualquer que fosse a natureza do local ou estabelecimento em que tivessem lugar: “Estão sujeitas às prescrições do presente regulamento as fábricas, oficinas, estabelecimentos industriais e comerciais, estábulos, laboratórios, dormitórios, cozinhas, adegas, armazéns, escritórios, teatros, circos, casas de espectáculos e estabelecimentos similares, serviços de carga e descarga e suas dependências, serviços de transportes, e em geral, todos os locais onde se exerce um trabalho profissional, sejam de que natureza forem, públicos ou particulares, mesmo quando tenham um carácter de ensino profissional ou de beneficência”.
8. Em 30 de Março de 1929, a Portaria nº 6065 aprovou novas Instruções para licenciamento das actividades insalubres, incómodas e perigosas enunciadas na Tabela II aprovada com o Decreto nº 8364, ao que veio acrescer o licenciamento sanitário das casas de espectáculos e lugares de reunião, de hotéis e hospedarias, de restaurantes, cafés, tabernas e estabelecimentos similares (art.40º).
9. Com efeito, a Lei nº 1453, de 26 de Julho de 1923 , tinha vindo a atribuir às câmaras municipais a competência para licenciar os estabelecimentos contendo actividades que figurassem na Tabela II. Veio a ser regulamentada pelas Portarias nºs 5046 e 5049, de 3 de Outubro de 1927. A sua aplicação suscitara dúvidas e discrepâncias muito significativas, de concelho para concelho, pelo que se entendeu em 1929 proceder à uniformização do sistema.
10. As Instruções, então aprovadas, determinam a necessidade de as actividades compreendidas na Tabela e no citado art. 40º obterem alvará de licença sanitária para poderem regularmente funcionar (arts. 1º e 7º).
11. A localização dos estabelecimentos contendo tais actividades é repartida por três classes, pressupondo, porém, tratar-se de áreas urbanas, urbanizáveis ou eminentemente turísticas (nota à tabela anexa). Os da 1ª classe (art.4º) devem ser instalados em lugar afastado das habitações e dispor de uma zona preventiva de isolamento que será fixada para cada caso em concreto. Os da 2ª classe podem localizar-se nas proximidades das habitações em função das condições locais, da probabilidade de futura urbanização da área e da natureza e importância do estabelecimento, ficando, em todo o caso, sujeitos a condições que atenuem os inconvenientes, designadamente, tal como nos de 1ª classe, à imposição de uma zona de isolamento (art. 5º). Por fim, as actividades compreendidas na 3ª classe podem instalar-se em qualquer local, desde que reunam as necessárias condições de higiene e protecção (art. 6º).
12. As Instruções regulam o procedimento de instalação, o qual compreende duas vistorias, uma principal (art. 12º), e outra complementar, nem sempre exigida (art. 16º), efectuadas pela autoridade de saúde, e de acordo com cada um dos estabelecimentos, por veterinário, pelo serviço de bombeiros e por um funcionário da administração agrária.
13. Mais se disciplina, a fiscalização exercida a posteriori (arts 24º e ss.) pelos serviços camarários, autoridades de saúde e policiais, bem como as sanções e medidas de polícia aplicáveis.
14. Este regulamento parece não deixar dúvidas quanto à natureza policial da licença sanitária, já que podem ser mandados encerrar os estabelecimentos, ainda quando licenciados, se porventura causarem grave dano à saúde pública (art. 36º).
15. Por outro lado, a licença é emitida sob condição, visto que os estabelecimentos sujeitam-se às sanções previstas e às medidas de polícia fixadas quando infrinjam os requisitos de laboração que lhes houverem sido fixados (art. 31º). O carácter condicional da licença é, aliás, reforçado pelo teor da norma contida no art. 51º, nº2, alínea e), da Lei das Autarquias Locais que atribui às câmaras municipais competência para concederem condicionalmente, quando for caso disso, alvarás de licença sanitária.
16. Significativa é a disposição contida no art. 30º, ao prever o encerramento dos estabelecimentos não licenciados, em contraste com a recorrente lacuna deste tipo de medida nos regimes jurídico-administrativos mais recentes.
17. O Decreto nº 36876, de 18 de Maio de 1948, viria a aditar os depósitos de papel inutilizado e os estabelecimentos de barbeiro e cabeleireiro à tabela anexa, ao que viriam acrescer os armazéns ou depósitos de sal por força do Decreto nº 42903, de 5 de Abril de 1960, bem como ainda os estabelecimentos de venda ao público de produtos fitofarmacêuticos (drogarias), por via do Decreto-Lei nº 47802, de 19 de Julho de 1967, e as estufas de amadurecimento de bananas – Decreto nº 49161, de 30 de Julho de 1969.
18. Por outro lado, o Decreto nº 18/70, de 14 de Janeiro, veio a excluir os estabelecimentos de engorda de aves da 2ª classe e a introduzir na 1ª os estabelecimentos de exploração de aves quando fora do alcance do Decreto-Lei nº 45880, de 19 de Agosto de 1964.
19. Em último lugar, o Decreto nº 360/70, de 31 de Julho, viria alargar as actividades da 2ª classe ao incluir os depósitos ou armazéns de cimento, de cal ou de outros materiais do mesmo género susceptíveis de propagar poeiras.
20. Deve referir-se que o regime em análise veio a constituir um marco de referência para os mais variados efeitos de protecção ambiental e sanitária. Assim, em matéria de protecção aos edifícios escolares, o Decreto-Lei nº 37575, de 8 de Outubro de 1949, dispõe que é proibido instalar estabelecimentos qualificados nas Instruções como insalubres, incómodos ou perigosos, num perímetro de 200 metros (art. 2º).
21. Ao fim e ao cabo, pode concluir-se que todas as remissões legais ou regulamentares para o conceito de actividades ou estabelecimentos incómodos, insalubres, perigosos ou tóxicos resulta numa remissão para a tabela anexa ao Decreto nº 8364, de 25 de Agosto de 1922, ou para a tabela anexa às Instruções aprovadas pela Portaria nº 6065, de 30 de Março de 1929.
22. Claro está que a primeira destas tabelas deixou de vigorar, porquanto as actividades ali compreendidas vieram a ser objecto de nova disciplina própria por via do Decreto-Lei nº 46923 e do Decreto nº 46924, ambos de 28 de Março de 1966, e da Portaria nº 22106, de 7 de Julho de 1966, todos relativos ao licenciamento de estabelecimentos industriais.
23. Manteve em vigor, contudo, o Decreto nº 8364 para os estabelecimentos industriais que não obedecessem a regulamentação específica e as disposições relativas às condições de higiene, salubridade e segurança nos estabelecimentos industriais.
24. O novo regime do exercício da actividade industrial, aprovado pelo Decreto-Lei nº 109/91, de 15 de Março, alterado pelo Decreto-Lei nº 282/93, de 17 de Agosto, modificou substancialmente a articulação que desde a década de 20 vinha sendo alcançada entre os diplomas citados . Inclusivamente, revogou as Instruções na parte em que contemplassem actividades objecto do novo regime do licenciamento industrial.
25. A mais recente alteração às Instruções foi efectuada pelo Decreto-Lei nº 167/97, de 4 de Julho, o qual veio dispensar a exigibilidade de licença sanitária aos estabelecimentos hoteleiros, turísticos, de restauração e de bebidas, ao invés do que tinha lugar com o seu antecessor, o Decreto-Lei nº 328/86, de 30 de Setembro.
26. Contudo, as preocupações de ordem sanitária e ambiental para com terceiros encontram resposta neste novo regime dos empreendimentos turísticos e ainda no anexo ao Decreto-Lei nº 316/95, de 28 de Novembro, que permite a aplicação das medidas de polícia de encerramento e de redução do horário de funcionamento, nos casos em que o funcionamento dos estabelecimentos afecte a ordem, a segurança ou a tranquilidade pública (art. 48º).

2º-Desenvolvimento

A-Actualidade das Instruções aprovadas pela Portaria nº6065,de 30 de Março de 1929

27. As Instruções aprovadas pela Portaria nº 6065 constituem o único controlo administrativo preventivo de muitas actividades reconhecidamente perturbadoras do ambiente e qualidade de vida dos moradores mais próximos do local onde são instaladas.
28. Encontramos, na verdade, muitas actividades, reconhecidamente perturbadoras do ambiente urbano que só obtêm protecção administrativa preventiva (licenciamento) por força da sobrevivente Portaria nº 6065.
29. Sem finalidades exaustivas, aponte-se o caso dos salões de barbeiro e cabeleireiro, das drogarias, das mercearias, dos currais quando não funcionem como locais de recolha de leite, das cavalariças e demais estábulos, das pocilgas e cortelhos de dimensão familiar, dos depósitos de madeira, mato seco, palha ou lenha, de papel inutilizado, ainda os de cal, cimento ou outras substâncias que propaguem poeiras , para além das enfermarias de animais (clínicas veterinárias), os lavadouros, as peixarias e padarias quando simplesmente se destinem à venda ao público.
29. Por isso se vê com preocupação qualquer iniciativa de revisão do regime em apreciação que envolva a sua revogação sem mais, tal como o Grupo de Trabalho constituído no âmbito da Direcção-Geral da Administração Autárquica, incumbido de analisar as consequências da eventual revogação da Portaria nº 6065, sugeriu , muito embora não tenha merecido o parecer favorável da Associação Nacional de Municípios Portugueses .
31. Grande parte das actividades enunciadas, pese embora não se conheça o exacto teor do projecto de diploma em preparação, ficariam a descoberto se acaso vier a ser revogada a Portaria nº 6065.

B-Participação dos Interessados

32. Observa-se que a disciplina do alvará sanitário contém uma garantia interessante, precursora para o seu tempo, de participação dos administrados, a qual se mostra, a nosso ver, inteiramente ajustada às necessidades de intervenção a priori dos moradores vizinhos.
33. Na verdade, as Instruções permitem que sejam apresentadas reclamações por parte dos vizinhos interessados contra a requerida instalação de estabelecimentos insalubres, incómodos ou perigosos (art. 10º).
34. Estipula-se, para esse efeito, a publicação de um edital nos paços do concelho e no local do futuro estabelecimento, de cujo teor resulta o convite à apresentação de reclamações. Há pois uma fase de verdadeiro inquérito público num domínio não compreendido nem pela avaliação do impacto ambiental , nem pelas garantias procedimentais da Lei nº 83/95, de 31 de Agosto (participação procedimental e acção popular).
35. Trata-se de questões micro-ambientais, mas nem por isso deixam de representar um elevado e significativo pólo de conflituosidade social, atento o alcance que atingem, por vezes, para a segurança e saúde pública dos aglomerados populacionais. As reclamações apresentadas ao Provedor de Justiça demonstram paradigmaticamente este fenómeno.
36. Não deixa de ter interesse referir que as reclamações apresentadas pelos moradores devem constar do auto da vistoria com indicação sobre se foram ou não atendidas. Isto representa, segundo cremos, uma boa concretização do dever de decisão (art. 9º do Código do Procedimento Administrativo) e um contributo assinalável para o aumento da eficiência na acção dos poderes públicos (art. 267º, nº2, da Constituição).
37. De resto, este sistema participativo criado em 1929 antecipava, de algum modo, o princípio actualmente vertido no art. 4º, alínea i), da Lei de Bases do Ambiente : promoção da participação das populações. O mesmo se diga do princípio da prevenção (art. 3º, alínea a)).
38. Por último, ainda quanto a este aspecto, registe-se que a fase participativa não encontra paralelo nos regimes dos procedimentos sectoriais de autorização ou licenciamento das actividades, nem tão pouco no regime jurídico do licenciamento municipal de obras particulares (RJLMOP) .

C-Licenciamento municipal de obras particulares e da utilização de edifícios e suas fracções

39. A utilização dos edifícios e suas fracções só é permitida quando licenciada pela Câmara Municipal e apenas na estrita medida em que o uso praticado se mostre conforme com o conteúdo da licença de utilização.
40. Com efeito, o requerimento para o licenciamento municipal de obras particulares deve ser instruído com indicação do uso a que se destinam as edificações (nº2.3. da Portaria nº 1115-B/94, de 15 de Dezembro).
41. Concluídas as obras deve ser requerida a emissão da licença que irá comprovar a conformidade da obra com o projecto de arquitectura aprovado, com as demais condições do licenciamento e com o uso previsto no alvará da licença de construção (art. 26º, nº2).
42. A licença de utilização, como parece resultar destas disposições, possui finalidades exclusivamente urbanísticas, condicionando inclusivamente a validade do título constitutivo da propriedade horizontal (art. 1418º, nº2, do Código Civil).
43. Caso a actividade desenvolvida em certa edificação ou sua fracção divirjam do uso licenciado, encontram-se as câmaras municipais habilitadas a determinar o despejo sumário (art. 165º e seus §§ 4º e segs. do Regulamento Geral das Edificações Urbanas )
44. Por outro lado, a simples modificação do uso, mesmo quando não envolva a realização de quaisquer obras, implica ainda assim aprovação da câmara municipal (art. 30º, nº1, do RJLMOP).
45. Do mesmo modo, prevê-se no art. 30º, nº3, do RJLMOP, que “quando haja lugar à realização de obras não sujeitas a licenciamento ou quando a alteração ao uso não implique a realização de obras, a emissão de nova licença é precedida de vistoria municipal destinada a verificar se o edifício ou a fracção reúne os requisitos legais e regulamentares para a utilização pretendida”.
46. Assim, com a norma citada o que se pretende “é impedir que, através da modificação objectiva do uso (v.g. abertura de um estabelecimento industrial ou comercial num edifício destinado à habitação) sejam defraudadas as regras respeitantes à natureza ou à densidades das construções admitidas numa zona determinada”, como explica ALVES CORREIA
47. Ora, estes mesmos requisitos legais e regulamentares resumem-se, em matéria ambiental, às disposições contidas nas Instruções e em instrumentos de planeamento territorial. Como se poderá observar dos planos vigentes, mesmo em planos de pormenor, muito poucos são aqueles que consagram tipologias das utilizações a conferir às edificações e suas fracções. Quando muito, houve a preocupação de destinar o uso de solos em grandes categorias, mas apenas excepcionalmente, encontramos interdita a utilização de fracções para usos comummente reconhecidos como incómodos, insalubres e perigosos.
48. Poder-se-ia julgar que as câmaras municipais, ao apreciarem os requerimentos para o licenciamento de obras particulares ou de simples alteração ao uso, estariam em condições de ponderar os inconvenientes ambientais no confronto com os usos dominantes da área. Assim não sucede, porém, tal como será desenvolvido infra.
49. Frequentemente, encontram-se licenças de utilização para fracções de edificações tão vagas quanto o comporte a amplitude semântica de “loja”, “estabelecimento comercial”, “armazém”, “comércio e serviços” ou “arrumos”. E nada condiciona a densidade dos conceitos da linguagem corrente para os quais remetem os alvarás de licenças de utilização.
50. A Lei limita-se a exigir uma definição do uso (art. 22º, alínea f) do RJLMOP) e as câmaras municipais são livres de estipular as categorias com maior ou menor concretização.
51. A Lei nem sequer determina a necessidade de serem aprovados regulamentos ou posturas municipais que fixem tipologias de usos das edificações ou suas fracções.
52. São os Tribunais comuns quem vem trabalhando os conceitos referidos, embora em âmbito muito distinto: o da composição de questões controvertidas entre titulares de direitos reais, no domínio do arrendamento e da propriedade horizontal, entre outros. Não pode esquecer-se, contudo, que é o título constitutivo da propriedade horizontal que se subordina à licença de utilização (art. 1418º, nº2, do Código Civil).
53. Neste sentido, pode citar-se como exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Novembro de 1995 : o arrendamento para fabrico de pão, produtos afins e pastelaria, quando o local, segundo o título constitutivo da propriedade horizontal e o projecto aprovado pela Câmara Municipal, se destinava a comércio, constitui utilização para uso diverso, nada relevando o facto de no mesmo local se proceder à venda ao público desses mesmos produtos.
54. Já, ao invés, no Acórdão de 16 de Dezembro de 1993 , o Supremo Tribunal de Justiça entende que não constitui uso indevido de uma fracção que, segundo o título constitutivo se destina a ‘escritório’, a sua utilização como ‘consultório médico’ ou mesmo como ‘centro clínico’.
55. Ora estas questões não se resumem à sua faceta civil. Levantam interrogações do ponto de vista jurídico-administrativo, e se é certo que a autonomia privada faculta uma larga margem de conformação aos outorgantes do título constitutivo da propriedade horizontal ou de um contrato de arrendamento, já a mesma fluidez e vaguidade não se mostram desejáveis no plano administrativo, por razões de ordem pública e de saúde ambiental.
56. A única excepção conhecida é a do novo regime do licenciamento dos estabelecimentos de restauração e bebidas , porquanto a licença de utilização ali prevista, para além das finalidades de controlo urbanístico, se destina a apreciar a adequação do estabelecimento ao uso previsto, à observância das regras de funcionamento e das condições sanitárias e relativas à segurança contra riscos de incêndio (art. 10º, nº2).
57. Assim se compreende que este diploma haja revogado o disposto no art. 40º das Instruções aprovadas pela Portaria nº 6065, de 30 de Março de 1929, deixando os estabelecimentos hoteleiros e similares de se encontrarem sujeitos ao licenciamento sanitário.
58. A articulação entre a licença de utilização e o alvará sanitário poderá trazer grandes benefícios, se este último tiver como requisito a compatibilidade deste último com o uso previsto na licença de utilização.
59. Por outras palavras, o pedido de deferimento de um alvará sanitário deverá ser liminarmente indeferido sempre que a actividade a desenvolver desvirtue o conteúdo da licença de utilização. De outro modo, estaremos a exigir do licenciamento das utilizações mais do que nos pode dar e, por outro lado, a deixar à margem a escassa protecção ambiental conferida por este meio.
60. A articulação poderá, por seu turno, potenciar efeitos de sinal contrário, mas igualmente vantajosos, ou seja, a licença de utilização deve conformar-se com a disciplina de localização das actividades presumidas como incómodas, insalubres e perigosas, de tal sorte que se mostre inválido o acto de licenciamento que para um certo local infrinja o uso admitido pelas Instruções.
61. As Câmaras Municipais não dispõem actualmente de um parâmetro sólido que as habilite a indeferir o pedido de licenciamento de uma construção para um uso desconforme com as normas das Instruções. Caso as Instruções venham, pura e simplesmente, a ser revogadas pelo legislador, nem este mínimo ficaria assegurado.
62. Em suma, e repita-se, a licença de utilização é estritamente urbanística. Não tem por escopo a defesa de interesses ambientais ou de saúde pública , limitando-se a expressar a conformidade das obras com a licença de construção e esta, por sua vez, limita-se a verificar a conformidade da construção com critérios estritamente urbanísticos, em especial com os instrumentos de planeamento aplicáveis.

D-Instrumentos de Planeamento Territorial

63. Como acima foi referido , os instrumentos de planeamento territorial e urbanístico pouco regulam a utilização a conferir às edificações, o que de resto em nada contende com o regime jurídico da elaboração, aprovação e ratificação dos planos municipais de ordenamento do território contido no Decreto-Lei nº 69/90, de 2 de Março.
64. Ali apenas se exige que sejam estabelecidas classes de espaços em função do uso dominante do solo: urbanos, urbanizáveis, industriais, indústrias extractivas, espaços agrícolas, florestais, culturais e naturais, e espaços canais (art. 28º).
65. Mesmo os planos de pormenor, aos quais cabe especificar a tipologia de ocupação numa determinada área, dispondo sobre usos do solo e condições de edificação (art. 9º, nº4), abstêm-se de definir a utilização em concreto das edificações e suas fracções.
66. E não parece avisado que em cada plano de pormenor tenha de acautelar-se a posição dos edifícios habitacionais contra um acervo incomensurável de actividades incómodas cuja localização próxima compromete a qualidade de vida local.
67. A criação de um regime jurídico comum destinado a evitar, no silêncio dos planos, utilizações incompatíveis, parece pois adequada. Mesmo o princípio da separação das utilizações incompatíveis, trabalhado pela jurisprudência administrativa alemã , não é suficiente para salvaguardar posições individuais e concretas, já que os planos revelam neste ponto características programáticas e genéricas, como tal, não exequíveis por via das disposições planificatórias.
68. São bem modestas e fragmentárias as disposições próprias de planos urbanísticos que se preocupem com a compatibilidade das utilizações de edifícios ou suas fracções. Refira-se como caso isolado a norma do art. 16º do regulamento do Plano Director Municipal de Gondomar , mas observe-se, ainda assim, o teor demasiado indeterminado e vago dos conceitos usados e a excessiva prognose pedida ao órgão decisor, ao ver-lhe confiada a tarefa de prever os incómodos que, em concreto, uma certa actividade possa vir a causar.
69. Os direitos urbanísticos francês (Lei de 19 de Julho de 1976) e espanhol de há muito que manifestam a sua preocupação com as insuficiências dos instrumentos planificatórios para disciplinar a utilização das edificações e suas fracções . Parece-nos oportuno que o direito nacional consagre também instrumentos que salvaguardem esta necessária articulação.

E-A Prevenção e Controlo do Ruído

70. No Regulamento Geral sobre o Ruído (RGR) , por seu turno, não se regista qualquer articulação com o regime do licenciamento sanitário. Este diploma, aliás, tem apresentado dificuldades de ordem vária na sua concatenação com os regimes urbanísticos.
71. Na verdade, tal como pôde ser exposto ao Governo por Recomendação do Provedor de Justiça de 22/09/1993, o RGR deixa escapar as virtualidades de um controlo preventivo, na medida em que se limita a presumir como actividades ruidosas os espectáculos e diversões (art. 20º, nº1), pois quanto às restantes actividades, genericamente qualificadas como geradores de ruído susceptível de causar incomodidade, a presunção é de sentido inverso (art. 20º, nº2): a licença ou a imposição de condicionalismos para a realização de actividades ruidosas presume-se concedida sob condição de respeito dos limites de emissões ruidosas – 10dB(A) de diferença entre o valor do nível sonoro contínuo equivalente, corrigido do ruído proveniente dos locais em questão, e o valor do nível sonoro do ruído de fundo que é excedido num período de referência em 95% da duração deste.
72. Esta regra veio, por completo, desvirtuar o princípio geral enunciado no art. 3º, segundo o qual, qualquer actividade ruidosa está dependente de uma prévia avaliação do impacto ruidoso, mesmo quando é consabido que o ruído é inerente à laboração (v.g. discotecas, oficinas de reparação de automóveis).
73. Ao fim e ao cabo, o RGR quando faz depender a qualificação como actividade ruidosa de uma medição, por forma a conferir os valores máximos admitidos, está a remeter para momento posterior ao início da laboração o controlo administrativo com a perda de eficácia que este mecanismo deixa antever.
74. Quando vier a confirmar-se que uma actividade é, afinal, ruidosa, assiste-se a uma sequência de múltiplas iniciativas da Administração Pública para o infractor realizar obras de insonorização, concluindo-se, não raras vezes, que estas se mostram insusceptíveis de isolar o local onde é desenvolvida a actividade poluente das fracções ou das outras edificações atingidas por propagação ruidosa intolerável.
75. Tem esta Provedoria conhecimento do projecto legislativo em preparação pelo Ministério do Ambiente , e do seu propósito de acatar a citada Recomendação formulada há perto de seis anos. Em parte, consideramos que se atinge um melhor controlo preventivo (cfr. art. 5º), mas ainda assim, não se encontra no seu articulado razão alguma que leve a concluir ser de afastar a necessidade do licenciamento sanitário.
76. A instalação de estabelecimentos ou actividades incómodas ou perigosas, quando não seja precedida da realização de obras ou da alteração à utilização licenciada, não se encontra sujeita a qualquer procedimento administrativo que ateste a conformidade com as condições técnicas estabelecidas no RGR. Pensamos, por exemplo, na situação de uma fracção onde se encontre instalada uma retrosaria e que dá lugar a uma loja de discos. Uma vez mais se regressaria ao controlo simplesmente sucessivo, pois perduraria a brecha originada pela falta de uma intervenção administrativa prévia nos casos em que não haja uma alteração urbanisticamente significativa.
77. Certo é que se mostra indispensável tal intervenção, não só para aferir das condições de isolamento do local potencialmente ruidoso, como também da viabilidade da localização pretendida em função das características da vizinhança (v.g. a presença de unidades hospitalares, hoteleiras ou habitacionais).
78. Tudo isto vem ajudar a revelar a utilidade do licenciamento sanitário, mais não seja com características residuais ou subsidiárias relativamente aos actos urbanísticos de licenciamento ou autorização.
79. O projecto mencionado impõe a elaboração de mapas de ruído por parte das direcções regionais do Ambiente em colaboração com as câmaras municipais, mapas esses que deverão condicionar a localização das actividades por forma a separar actividades ruidosas daquelas que reclamem sossego e concentração.
80. É de questionar, porém, sob que coordenadas serão efectuados os levantamentos acústicos impostos pela realização dos mapas. Será de reconhecer a utilidade de uma tabela onde figurem as inibições de localização de certas actividades, por reporte às utilizações protegidas, não apenas segundo critérios de ruído, como também em função de outros parâmetros de ordem higio-sanitária.
81. E nada parece aconselhar que se remeta para a disciplina do planeamento urbanístico a salvaguarda de um escopo essencialmente ambiental. Como se referiu supra (cfr. supra secção C), a delimitação dos espaços por instrumentos de planeamento urbanístico em função dos usos dominantes não permite concretizar as finalidades de prevenção ruidosa. Quanto mais não seja, pense-se no modo como estes usos são configurados (v.g. uso habitacional, admitindo, porém, acessoriamente outros usos sem qualquer discriminação segundo critérios ambientais: art. 34º, nº4, do regulamento do PDM de Lisboa – nas áreas históricas habitacionais (…) podem ser admitidos nos 1ºs e 2ºs pisos (…) para além do uso predominantemente habitacional, os seguintes usos (…)- (a) comércio; (b) terciário; (c) equipamentos colectivos; e, (d) indústria compatível).
82. Em suma, ainda que tenha lugar o levantamento do existente para permitir mapas de ruído, continua a justificar-se a existência de regras que condicionem a localização de actividades consideradas como potencialmente incómodas, insalubres, tóxicas ou perigosas, mesmo segundo critérios de ordem acústica. Estes mapas de ruído apontam as áreas de silêncio, mas abstêm-se de indicar quais as actividades compatíveis com essa definição.

F-Licenciamento da Actividade Industrial

83. Neste sentido, avisado andou o legislador em matéria de licenciamento da actividade industrial, quando, ao aprovar o Decreto-Lei nº 109/91, de 15 de Março, lançou mão desta técnica, determinando a categorização das actividades industriais em classes e proscrevendo certas localizações.
84. Assim, por exemplo, as actividades industriais das classes A e B só podem localizar-se em zonas industriais segundo o plano ou em parques industriais (art. 4º, nº1, do Regulamento do Exercício da Actividade Industrial), ao passo que as actividades industriais da classe C já podem encontrar-se localizadas em outros locais, conquanto tenham de manter-se isoladas de edifícios habitacionais (art. 4º, nº4).
85. Neste domínio optou-se por fixar em tabela (aprovada, primeiro, como anexo ao Decreto Regulamentar nº 10/91, de 15 de Março, e mais tarde, através da Portaria nº 744-B/93, de 18 de Agosto) um enunciado taxativo das actividades industriais submetidas ao licenciamento, procedendo-se à sua classificação de acordo com os riscos para a segurança e para o ambiente.
86. A entrada em vigor do mesmo Decreto-Lei nº 109/91, de 15 de Março, veio determinar a revogação da Portaria nº 6065, de 30 de Março de 1929, no que se refere a estabelecimentos constantes da tabela anexa ao Decreto Regulamentar nº 10/91, de 15 de Março (art. 26º, alínea a) ), como determinou também a revogação do anterior regime do licenciamento industrial .
87. Poder-se-ia julgar que esta reforma retiraria espaço à necessidade do licenciamento sanitário, mas não é assim.
88. Primeiro, a subsunção de certa actividade ao REAI (Regulamento do Exercício da Actividade Industrial) depende da prévia qualificação da actividade na lista definida regulamentarmente. Por outras palavras, dir-se-á que, mesmo quando uma actividade possa ser reconhecida como industrial ou com características eminentemente industriais, nem por isso lhe será aplicado o regime próprio da actividade industrial.
89. Depois, porque algumas actividades que se encontravam sob licenciamento industrial, ao abrigo do precedente regime de 1966, deixaram de o estar com a nova disciplina (de 1991), constituindo paradigma o caso das oficinas de reparação e manutenção de veículos automóveis e motociclos. Também os armazéns de produtos industriais, sempre que não integrem a tabela aprovada pela Portaria nº 744-B/93, de 18 de Agosto, escapam ao licenciamento da actividade industrial.
90. E escapam – o que é mais grave – a qualquer espécie de licença ou autorização do seu funcionamento, mau grado a incomodidade e perigosidade que apresentam, reflectida na extensa litigiosidade ambiental que opõe moradores e empresários.
91. De resto, e com esta ordem de preocupações, foi formulada, em 29/9/1993, a Sua Excelência o Ministro da Indústria e Energia uma Recomendação com vista a fazer incluir na tabela das actividades industriais as oficinas de reparação e manutenção de veículos automóveis, os estabelecimentos com actividades de lavandaria e limpeza de confecções e vestuário e os armazéns de produtos tóxicos e inflamáveis.
92. Essa Recomendação não veio a ser acatada, fundamentalmente, por se entender que a estas actividades faltaria um vincado cunho industrial, pelo que mal se quadrariam com o exercício de competências por parte das ex-direcções regionais de Indústria e Energia.
93. Encontramos neste ponto, pois, um novo e ponderoso motivo para reconhecer justificação ao licenciamento sanitário, o qual tenderia, em nosso entender, a regular situações que, de algum modo, devam encontrar-se a descoberto das autoridades de polícia administrativa ambiental, apesar da reconhecida incomodidade, insalubridade ou perigosidade inerentes ao seu desenvolvimento. O único ponto de arrimo no seu controlo é o do licenciamento urbanístico com todas as contingências de ordem ambiental que se descreveram supra.
94. Muito recentemente, veio a ser aprovado o Decreto-Lei nº 57/99, de 1 de Março, onde se estabelece um regime de licenciamento para as actividades de venda directa ao consumidor de produtos da indústria agro-alimentar.
95. O objectivo confessado deste diploma é ajustar o regime do licenciamento industrial aos estabelecimentos que comercializem produtos decorrentes de um processo de transformação industrial.
96. O seu interesse, neste ponto, é o de verificar que estas actividades deixaram de estar sujeitas ao licenciamento sanitário (art. 4º, nº1) e passaram a depender do licenciamento industrial, sendo qualificados, em todo e qualquer caso, na classe D.
97. Ora, as actividades industriais compreendidas na classe D – e este parece-nos um dos pontos mais débeis do regime do licenciamento industrial – beneficiam de livre localização, desde que observadas condições de isolamento que as tornem compatíveis com o uso do prédio onde se encontram (art. 4º, nº5, do REAI).
98. Assim, enquanto que sob a aplicação do regime do licenciamento sanitário a localização se encontrava condicionada em função dos incómodos ambientais a restrições gerais e abstractas, no domínio do Decreto-Lei nº 57/99, de 1 de Março, recaem no controlo sucessivo com base nos incómodos efectivamente produzidos desde o início da actividade. Caminhou-se, uma vez mais, de encontro ao princípio da prevenção do dano ambiental.
99. É de observar que este novo regime contribuiu para quebrar a já escassa congruência do sistema, porquanto ao lado do regime do licenciamento industrial e do licenciamento sanitário vem perfilar-se uma nova licença para um grupo muito restrito de actividades de prestação de serviços. Tudo isto nos leva a questionar sobre se mais não valeria a pena aproveitar as potencialidades do licenciamento sanitário e estender o seu regime a todas as actividades de prestação de serviços ou comerciais, mesmo quando complementares da actividade industrial, desde que se mostrem geradoras de conflitos ambientais de vizinhança.

G-Outros Licenciamentos Sectoriais

100. Referimos que os procedimentos sectoriais de autorização e licenciamento de actividades com incidência no ambiente urbano obedecem a finalidades que apenas reflexamente convergem com as preocupações de ordem sanitária e ecológica para com os moradores mais próximos.
101. Com alguns exemplos, pretendemos ilustrar esta afirmação e contribuir, assim, para sustentar a necessidade de um controlo preventivo determinado por razões de ambiente urbano.
102. Em primeiro lugar, veja-se, para este efeito, o caso das suiniculturas.
103. Não fora o facto de estes estabelecimentos se encontrarem classificados na tabela anexa à Portaria nº6065, de 30 de Março de 1929, e nada impediria que estas se localizassem junto a edifícios escolares ou habitacionais, porquanto a regra atinente à localização destas explorações visa, exclusivamente, a defesa sanitária da actividade de produção e reprodução de suínos, estabelecendo os mínimos afastamentos relativamente a actividades ou infra-estruturas que pela sua natureza ponham em perigo a segurança sanitária da exploração suinícola (nº1.1.1. e 1.1.1.1. da Portaria nº 158/81, de 31 de Janeiro ).
104. Em segundo lugar, observe-se o regime da avicultura. Sob o regime da Portaria nº 6065, de 30 de Março de 1929, é condicionada a localização destas actividades, dado pertencerem à 1ª classe os estabelecimentos avícolas de produção (artigo único do Decreto nº 18/70, de 18 de Janeiro), pelo que terão de situar-se em local afastado das habitações, dentro de uma zona de isolamento a fixar para cada caso, tendo em conta a extensão da exploração (art. 4º, da Portaria nº 6065).
105. A aplicação do licenciamento sanitário coexiste com o licenciamento sectorial, por parte das autoridades pecuárias, quer sob a vigência do Decreto-Lei nº 182/79, de 15 de Junho, e das pertinentes regras regulamentares (Portaria nº 392/79, de 3 de Agosto), quer sob o regime vigente (Decreto-Lei nº 69/96, de 31 de Maio, e Portaria nº 206/96, de 7 de Junho) já que em ambos se exige a prévia deliberação camarária verificativa da observância do disposto na Portaria nº 6065 e no Decreto nº 18/70 em matéria de localização.
106. Isto bem mostra como o procedimento confiado às autoridades pecuárias só tem em conta as exigências de ambiente para a vizinhança por força do incidente procedimental fundado no licenciamento sanitário, pois, de resto, as preocupações vertidas no licenciamento pecuário são de sinal oposto, ou seja, cuidar que as actividades circundantes não afectem a produção avícola, a bem do consumidor e da qualidade do produto alimentar.
107. Não pode, pois, subscrever-se a posição firmada no Relatório da Actividade do Grupo de Trabalho que procedeu à análise da Portaria nº 6065, ao considerar que a revogação desta não teria qualquer implicação no licenciamento da actividade avícola. Para além do já citado condicionamento relativo à localização, as condições higio-sanitárias contempladas no Decreto-Lei nº 69/96, de 31 de Maio, e na Portaria que o regulamenta, dizem respeito, tão somente, às condições de produção e não ao impacto ambiental sobre a vizinhança.
108. Mais entende o referido Grupo de Trabalho que a intervenção municipal atinente à localização pode perfeitamente ter lugar no procedimento do licenciamento de obras. Não é assim, como se julga ter deixado claro supra (secções C e D), visto não disporem as câmaras municipais de nenhum parâmetro que lhes permita inviabilizar a construção de um aviário, a não ser a sempre citada Portaria nº 6065.

H-Das Autoridades de Saúde

109. Como derradeiro argumento, o Grupo de Trabalho defende que os interesses públicos protegidos por este diploma já se encontram confiados à intercessão das autoridades de saúde, mas o certo é que a revogação das Instruções teria como efeito a não intervenção destas autoridades em qualquer um dos procedimentos de licenciamento.
110. As autoridades de saúde viram confinada a sua intervenção no campo das obras particulares àquelas que não careçam de licenciamento municipal, por força do disposto no art. 5º, nº2, do Decreto-Lei nº 250/94, de 15 de Outubro, já que este revogou a norma contida no art. 1º, alínea a), do Decreto-Lei nº 569/76, de 19 de Julho; e, no domínio dos trabalhos de construção sujeitos a licenciamento, aos casos em que se realize vistoria para efeitos de emissão da licença de utilização, o que apenas sucede quando não for apresentada declaração comprovativa da conformidade da obra com o projecto aprovado ou haja indícios de desconformidade (art. 27º do citado regime jurídico do licenciamento municipal de obras particulares).
111. Afastada que se encontra, quase por completo, a intervenção das autoridades sanitárias dos actos de licenciamento urbanístico, nem por isso se julgue que o regime das competências dos delegados concelhios de saúde lhes permite participar preventivamente no procedimento de instalação das actividades insalubres, incómodas, tóxicas e perigosas, uma vez que não se lhes atribui o poder de emitir parecer sobre os projectos de instalação ou alteração dos estabelecimentos. As competências confiadas no citado diploma reconduzem-se à fiscalização das condições de funcionamento e ao encerramento quando for verificado grave risco para a saúde dos trabalhadores ou dos aglomerados populacionais (art. 8º, nº1, alíneas g) e h)).
112. Por este controlo ser meramente sucessivo, pertinente é, pois então, questionar quem, se for simplesmente revogada a Portaria nº 6065, apreciará as condições higio-sanitárias de índole ambiental dos estabelecimentos até agora reputados como incómodos, insalubres, tóxicos ou perigosos.
113. Outros exemplos de equívoco em que nos parece ter laborado o Grupo de Trabalho encontram-se no caso das salas colectivas de ordenha mecânica, dos talhos e salsicharias não acoplados a unidades industriais e dos canis e gatis. Tudo parte de se confundirem os regimes de licenciamento ou autorização sectorial (pecuária, veterinária, etc.) com o escopo do licenciamento sanitário.

I-Actividades sem controlo prévio por parte da Administração Central

114. Importa, por fim, tratar (I) das actividades que se encontram abrangidas por licenciamento sanitário, mas não por licenciamento sectorial, bem como ainda (II) daquelas que, embora reconhecidamente poluentes, nenhum controlo administrativo preventivo (licença ou autorização) vêem incidir sobre si.
115. No que às primeiras diz respeito, e sem prejuízo de quanto já se expôs sobre este assunto (supra secção A), entende o Grupo de Trabalho que nada justifica um controlo municipal preventivo, antes devendo ser confiado à Administração central o seu licenciamento. Teríamos então de divisar qual o órgão ou serviço do Estado que mais apto se encontraria para o fazer em relação, por exemplo, aos salões de cabeleireiro e barbeiro, como também aos estabelecimentos de produtos fitofarmacêuticos (entre estes, as drogarias) e as mercearias ou supermercados de pequena dimensão .
116. Quanto às segundas, refira-se como paradigma o caso das lavandarias e das oficinas de reparação de automóveis. De forma alguma se fixam condições quanto à sua localização ou funcionamento, pelo que a abertura indiscriminada destes estabelecimentos vem causando séria perturbação, só corrigida, e quase sempre tardiamente, por via do controlo sobre o ruído.

J-Empreendimentos turísticos, similares e recintos de espectáculos

117. O Decreto-Lei nº 168/97, de 4 de Julho, veio revogar, como se referiu supra, o disposto no art. 40º e segs. das Instruções aprovadas pela Portaria nº 6065, de 30 de Março de 1929.
118. Nestas disposições revogadas, os estabelecimentos hoteleiros e similares não eram se não equiparados aos estabelecimentos incómodos, insalubres e perigosos, mas nada se dispunha sobre a respectiva localização em face de edifícios de habitação.
119. O licenciamento sanitário foi, então, consumido pelo licenciamento de utilização turística, o qual compreende algumas finalidades de ordem ambiental. Não se trata de um licenciamento exclusivamente urbanístico, nem exclusivamente de ordem sectorial (para salvaguarda dos interesses turísticos e protecção dos consumidores). Subsiste, porém, lacuna na determinação das suas localizações, pesem embora as garantias de fiscalização sobre o seu funcionamento, já por parte dos governadores civis, já por parte das câmaras municipais, muito em especial, no âmbito da protecção contra o ruído e da preservação da ordem pública.
120. Outro tanto se poderá dizer dos recintos de espectáculos e divertimentos públicos, os quais não se encontram submetidos a regras gerais quanto à sua localização.
121. Na verdade, o Regulamento das Condições Técnicas e de Segurança dos Recintos de Espectáculos e Divertimentos Públicos limita-se a prescrever que sejam tomadas medidas para que as actividades em questão não constituam incómodo para a vizinhança. Este factor há-de ser tido em conta ora pela Direcção-Geral dos Espectáculos, ora pelas câmaras municipais, consoante a competência respectiva (arts. 4º e 9º, do Decreto-Lei nº 315/95, de 28 de Novembro).
122. Em ambas as situações, contudo, faltam regras gerais sobre a sua localização em função dos incómodos para a vizinhança, o que, na mesma linha de raciocínio levaria a dar como necessária a sua sujeição ao regime do licenciamento sanitário.
123. Contudo, estas actividades, porventura com a excepção das salas de dança e de certos recintos de espectáculos e divertimentos públicos, mostram-se susceptíveis de ser compatibilizadas com os usos residenciais ou outros especialmente carecidos de protecção ambiental, seja por condicionamentos horários, seja por controlo a disciplinar no Regulamento Geral sobre o Ruído.
124. Assim, o que parece pertinente é consagrar algumas disposições sobre a localização de determinadas actividades, entre estas, a aplicar na ausência de disposições contidas em instrumento de planeamento territorial ou regulamentos municipais.

L-Características procedimentais do licenciamento sanitário e do controlo a posteriori

125. Em face do exposto, é de concluir que o regime do licenciamento sanitário apresenta um conjunto significativo de vantagens no âmbito das regras jurídicas ambientais e que a sua supressão pode comportar um prejuízo não despiciendo na congruência e unidade do sistema.
126. Tem sido verificado que a maior parte das queixas dirigidas ao Provedor de Justiça em matéria ambiental dizem respeito a conflitos ambientais de vizinhança cuja resolução reclama, na maior parte dos casos, aplicação das regras contidas nas mencionadas Instruções.
127. Por seu turno, o regime jurídico de avaliação do impacto ambiental apenas é aplicável à aprovação de projectos de obras ou de infra-estruturas que pela sua natureza ou dimensão sejam susceptíveis de acarretar prejuízos ambientais significativos, deixando de fora todo um conjunto de actividades de menor dimensão, mas cuja perigosidade ou incomodidade ambiental carecem de ser avaliadas, quer numa fase prévia à da instalação e início de funcionamento da actividade respectiva, quer no decurso da laboração. O mesmo se diga da Lei nº 83/95, de 31 de Agosto, em matéria de acção procedimental.
128. Ora, o regime que vem sendo analisado, permite condicionar o exercício das actividades insalubres, incómodas e perigosas, fazendo constar do título administrativo que habilita o exercício da actividade um conjunto de imposições de índole higio-sanitária a cuja observância se acha condicionada a manutenção da licença e cujo cumprimento a posteriori é fiscalizado por parte dos municípios e das autoridades de saúde.
129. As Instruções aprovadas pela Portaria nº 6065 instituíram, pois, um sistema de controlo prévio e continuado das condições sanitárias e ambientais, sistema esse que permite à Administração fixar condições específicas para um certo estabelecimento em virtude das características individuais e concretas da actividade e do local e alterar essas mesmas condições se o interesse público ambiental e de saúde pública assim o vierem exigir, em face dos impactes negativos concretamente produzidos pela actividade em questão .
130. Possui inegáveis virtualidades, quanto a estes aspectos, o sistema de participação procedimental prévio e de fiscalização a posteriori contido na Portaria nº6065, sem prejuízo das actualizações que o mesmo reclama, motivadas pela sua longevidade e pela necessária adequação com o regime geral do procedimento administrativo.
131. O esquema participativo enunciado nas Instruções parece constituir uma réplica, nas devidas proporções, dos interesses em questão da avaliação do impacto ambiental. Recorde-se a afixação de edital “em que se convida quem tiver reclamações a fazer a apresentá-las na secretaria da câmara, dentro do prazo de quinze dias” (art. 10º).
132. Refira-se, ainda, o dever de decisão por parte da câmara municipal antes da licença ser concedida, das reclamações apresentadas pelos interessados (art. 16º).
133. É preciso não esquecer que os procedimentos administrativos ambientais têm uma função essencial de composição de interesses. Não que se trate de procurar cedências por parte do interesse público em face dos interesses privados por mais legítimos que estes sejam. Trata-se, isso sim, de conceder satisfação a interesses privados na estrita medida em que estes se apresentem coincidentes com o interesse público.
134. Neste domínio, parece-nos que o regime em análise contem um modelo de composição bastante interessante. E nem se diga, que o Código do Procedimento Administrativo concede plena satisfação a esta necessidade dos procedimentos administrativos ambientais. O Código contém um regime comum que em nada obsta à criação pelo legislador de procedimentos especiais em razão da matéria ou da especificidade dos interesses públicos em questão. Fê-lo a respeito da acção procedimental (Lei nº 83/95, ) e mostra-se aconselhável que não o deixe de fazer em relação às pequenas actividades e estabelecimentos incómodos, insalubres, tóxicos e perigosos.
135. Certo é que no CPA se consagra a legitimidade para protecção de interesses difusos (art. 53º, nº 2). Contudo, esta legitimidade pressupõe que sejam os titulares respectivos a invocá-la e a intervir no procedimento. Ao invés, valerá a pena ter em conta que o dever de comunicação aos interessados do início oficioso do procedimento só existe quanto aos interessados que possam ser nominalmente identificados (art. 55º, nº 1) e que o dever de notificação dos actos administrativos se mostra cerceado pela dificuldade em identificar os lesados difusos (art. 66º, alínea b)).
136. Ora, o conhecimento destes factos apresenta-se fundamental para que os potenciais lesados, não apenas participem em tempo útil, como também, possam reagir graciosa e contenciosamente através dos meios ao seu alcance.

3º-Actividades e estabelecimentos incómodos,insalubres, tóxicos e perigosos

137. A Tabela anexa às Instruções, tal como reconhece o Grupo de Trabalho, encontra-se manifestamente desactualizada e nos setenta anos de vigência a articulação das suas previsões com a multiplicidade de diplomas legislativos e regulamentares supervenientes ocasionou grandes dificuldades na aplicação.
138. Em nosso entender, o primeiro passo deverá ser o de proceder a uma profunda actualização desta Tabela, ora para contemplar estabelecimentos e actividades cuja incomodidade ambiental só hoje se faz sentir, ora para prever situações novas, já que a última alteração com esse objectivo resulta do Decreto nº 18/70. Por outro lado, importa expurgá-la de conteúdos manifestamente obsoletos nos nossos dias.
139. Sugere-se então, que sejam previstas as seguintes actividades e estabelecimentos, acompanhadas de uma classificação que o legislador deverá realizar: (a) por conta da intensidade dos inconvenientes ambientais de cada uma e que irá condicionar a respectiva localização, (b) em função da proximidade de edifícios escolares, estabelecimentos de saúde, unidades hoteleiras e de construções destinadas à habitação, apontando, designadamente, aquelas actividades ou estabelecimentos que deverão ser interditos no interior dos edifícios habitacionais, e (c) adoptando parâmetros quantitativos por forma a não estabelecer condicionamentos irrazoáveis (v.g. segundo a área do estabelecimento, segundo a quantidade de material depositado ou de acordo com o número de espécies animais ali mantidas):

Tabela I

(Actividades e Estabelecimentos a Sujeitar a Licenciamento Sanitário)

1) Depósitos e armazéns industriais ou outros onde se encontrem as seguintes matérias:
a) adubos de origem animal, vegetal ou mineral;
b) alfarroba;
c) algodão;
d) asfalto, resinas, betumes ou outras matérias betuminosas;
e) carne e peixe salgado;
f) carvão;
g) drogas ou tintas;
h) fitas cinematográficas;
i) fressuras e tripas;
j) mato seco, palha, lenha, ou pinha rama;
k) papel inutilizado;
l) peles e coiros verdes;
m) peles salgadas ou secas;
n) produtos alimentares congelados;
o) produtos tóxicos e inflamáveis (v.g. álcool, artigos de perfumaria, artigos de limpeza, produtos químicos, artigos farmacêuticos);
p) queijos;
q) trapos;
r) desperdícios de matérias filamentosas;
s) madeira ou cortiça;
t) sal;

2) Estabelecimentos de exploração e engorda de aves de criação, sem prejuízo do disposto no Decreto-Lei nº 69/96, de 31 de Maio, e na Portaria nº 206/97, de 7 de Junho;

3) Colectividades desportivas, culturais e de recreio, sem prejuízo do disposto no Decreto-Lei nº 317/97, de 25 de Novembro;

4) Estufas de bananas;

5) Salões de barbeiro e cabeleireiro e gabinetes de estética;

6) Canis, gatis e clínicas veterinárias, com ou sem hospedagem sem prejuízo do disposto no Decreto-Lei nº 317/85, de 2 de Agosto;

7) Estabelecimentos de criação e reprodução de coelhos sem prejuízo do disposto no Decreto-Regulamentar nº 39/80, de 20 de Agosto e na Portaria nº 1001/93, de 11 de Outubro;

8) Cortelhos, pocilgas e outras explorações suinícolas, sem prejuízo do disposto no Decreto-Lei nº 163/97, de 27 de Junho, no Decreto-Lei nº 255/94, de 20 de Outubro, nas Portarias nºs 1274, 1275 e 1276, de 26 de Outubro de 1995, no Decreto-Lei nº 233/79, de 24 de Julho, na Portaria nº 158/81, de 30 de Janeiro;

9) Currais de bovinos, compreendendo locais de recolha de leite, sem prejuízo do disposto no Decreto-Regulamentar nº 7/81, de 30 de Janeiro;

10) Estabelecimentos de abate de animais não considerados industriais, sem prejuízo do disposto no Decreto-Lei nº 304/84, de 18 de Setembro e na Portaria nº 817/90, de 11 de Setembro;

11) Estabelecimentos de venda ao público de animais domésticos e de estimação;

12) Estábulos, cavalariças e picadeiros;

13) Estúdios e laboratórios de fotografia, sem prejuízo do disposto na Portaria nº 977/83, de 19 de Novembro;

14) Estúdios de gravação e montagem de música e de produções audiovisuais;

15) Ginásios;

16) Lavandarias, tinturarias e engomadorias;

17) Mercearias, supermercados e outras superfícies comerciais não consideradas unidades comerciais de dimensão relevante, sem prejuízo do disposto nas Portaria nº 20922, de 21 de Novembro de 1964, e na Portaria nº 22970, de 20 de Outubro de 1967, bem como no Despacho Normativo nº 109/89, de 15 de Dezembro;

18) Oficinas de pintura, reparação e manutenção de automóveis e motociclos, de calibragem e reparação de pneus;

19) Centros de lavagem de automóveis e motociclos;

20) Estabelecimentos de venda ao público de pão, bolos e produtos afins, quando não compreendidos sob o regime jurídico da restauração, sem prejuízo do disposto no Decreto-Lei nº 286/86, de 6 de Setembro;

21) Estabelecimentos de venda ao público de peixe e marisco, frescos ou congelados, sem prejuíz