Presidente da Assembleia da República

Rec.nº 31/B/99
Proc.:P-8/96
Data:1999.10.28
Área: A1

Assunto:AMBIENTE – AVALIAÇÃO DO IMPACTO AMBIENTAL – LEI DE AUTORIZAÇÃO LEGISLATIVA – DIRECTIVA COMUNITÁRIA – TRANSPOSIÇÃO – PARTICIPAÇÃO PROCEDIMENTAL

Sequência:Sem resposta

I-Exposição de Motivos

Considerando que a Lei nº 28/99, de 11 de Maio – por via da qual se autorizava o Governo cessante a alterar o regime jurídico da avaliação dos impactos ambientais de determinados projectos, públicos ou privados – caducou, por motivo de se ter verificado o termo da legislatura (artigo 165º, nº 4, da Constituição), e considerando ainda a necessidade de ser transposta, quanto antes, a directiva comunitária sobre este mesmo assunto, creio ser meu dever dirigir-me a Vossa Excelência e prevalecer-me da oportunidade para expor algumas breves considerações sobre aspectos que tenho por menos claros, ou mesmo equívocos, os quais se têm vindo a suscitar na aplicação do actual regime jurídico contido no Decreto-Lei nº 186/90, de 6 de Junho, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 278/97, de 8 de Outubro, e nos diplomas que os regulamentam (o Decreto Regulamentar nº 38/90, 27 de Novembro e o Decreto Regulamentar nº 42/97, de 10 de Outubro, respectivamente).
Com efeito, a autorização legislativa concedida pela Assembleia da República ao Governo, relativamente a matéria da sua reserva relativa (artigo 165º, nº 1, alínea g), da Constituição), só poderá ser concedida por uma Assembleia Legislativa na plenitude de funções e implica, na expressão utilizada por um ilustre constitucionalista, “(…) uma relação fiduciária entre a Assembleia e o Governo (…)” , cessando, por isso, com o termo da legislatura (JORGE MIRANDA, Funções, Órgãos e Actos do Estado, 1990, Lisboa, pg. 474)
Se a legislatura compreende quatro sessões legislativas e se cada uma delas se inicia em 15 de Setembro e é concluída um ano após, o termo da legislatura terá ocorrido inexoravelmente em 14 de Setembro p.p. (artigos 171º, nº 1 e 174º, nº 1, ambos da Constituição).
Na verdade, sessão legislativa e período de funcionamento não se confundem, especialmente se tivermos presente que a Constituição consagra o princípio da descontinuidade material ao lado do princípio da continuidade institucional (CANOTILHO, J.J. GOMES, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 1998, Coimbra, pg. 548).
A caducidade da autorização legislativa a que antes se alude operou, pois, automaticamente no termo da legislatura, sem que, contudo, o XIII Governo constitucional tivesse legislado sobre a matéria.

Na convicção de que irá ser desencadeada nova iniciativa legislativa sobre o instituto jurídico em presença, atenta a sua importância e repercussão no meio ambiente, julgo oportuno formular a presente Recomendação, cujas motivações enunciarei de seguida e cujo escopo fundamental será a observância das prescrições contidas na Directiva 97/11/CEE do Conselho, de 3 de Março de 1997, cuja obrigatoriedade de transposição, para o direito interno, impende sobre o Estado Português, sob pena de incumprimento.
Compete ao Provedor de Justiça, de acordo com o que se dispõe no artigo 20º, nº1, alínea b), do seu Estatuto, contribuir para o aperfeiçoamento da legislação.
É com este propósito, de contribuir para a melhoria da técnica legislativa e tendo presente que o regime de avaliação do impacto ambiental desempenha uma função axial no direito do ambiente nacional e comunitário, que entendo dever formular a presente Recomendação.
Com efeito, no âmbito da análise dos processos cuja instrução decorreu ou se encontra em curso na Provedoria de Justiça, tenho sido confrontado com dificuldades de vária ordem em sede de interpretação e aplicação do regime jurídico em vigor, em face de algumas deficiências e incongruências, uma vez que, não raras vezes, as situações que me são submetidas, para apreciação, suscitam sérias reservas quanto à aplicação do regime jurídico de avaliação do impacto ambiental, verificando-se, aqui e ali, um vazio legal no tratamento dado a essas matérias que mal se compagina com o rigor e objectividade exigidos pela importância das disposições em questão.

Em conformidade, desenvolvem-se alguns pontos de vista sobre o seu conteúdo e, bem assim, sobre o que se mostra desejável modificar no regime jurídico de avaliação do impacto ambiental (AIA), à luz da experiência adquirida por este Órgão do Estado. Isto, independentemente da obrigação que impende sobre o Estado Português de proceder à transposição da directiva comunitária nº 97/11/CE, do Conselho, de 3 de Março de 1997, que carece de ser introduzida no direito interno com a máxima brevidade.
Assim:

A-Articulação entre o Disposto em Acto Legislativo e em Regulamento

No que se refere à problemática enunciada creio que a nova disciplina jurídica a acolher deveria dirimir as dúvidas que actualmente subsistem quanto a saber se a enumeração dos projectos a submeter a AIA é taxativa ou, ao invés, meramente exemplificativa.

Efectivamente, a cláusula geral contida no artigo 2º, nº 1, do Decreto-Lei nº 186/90, de 6 de Junho, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 278/97, de 8 de Outubro, vê restringido o seu âmbito de aplicação por força do disposto no nº 3 do citado preceito, nos termos do qual se infere que apenas a categoria de projectos constantes do Anexo I do Decreto-Lei nº 186/90, de 6 de Junho, são obrigatoriamente submetidos a avaliação do impacto ambiental.
O novo texto legislativo poderá, concomitantemente, resolver dúvidas quanto à problemática relativa à concretização dos projectos que devem ser submetidos a avaliação do impacto ambiental e que constam do anexo III do diploma legal atrás citado, os quais, como é consabido, são submetidos à referida avaliação “nos termos e de acordo com os critérios e limites a definir mediante decreto regulamentar” (artigo 7º, nº 1, do Decreto-Lei nº 186/90, de 6 de Junho).

Ora, o decreto regulamentar a que atrás se alude – Decreto Regulamentar nº38/90, de 27 de Novembro – ao qual incumbiria, por imperativo legal, estabelecer os critérios e limites em função dos quais os projectos enumerados no Anexo III do Decreto-Lei nº 186/90, de 6 de Junho, deveriam ser sujeitos a AIA, apenas parcialmente o fez porquanto omite de forma singela a regulamentação de determinados projectos nele contemplados.

Senão vejamos:
A legislação nacional sobre avaliação do impacto ambiental destinou-se a transpor para a ordem jurídica interna o conteúdo da directiva comunitária que disciplina a matéria em apreço, mormente a Directiva 85/337/CE do Conselho, de 27 de Junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente, parcialmente alterada pela Directiva 97/11/CEE do Conselho, de 3 de Março de 1997.
Todavia, no acto de transposição, o legislador nacional parece ter-se limitado a transcrever o elenco dos projectos constantes das listas I e II anexas à directiva de 1985 (a que corresponde a listagem do Anexo II e III do Decreto-Lei 186/90, de 6 de Junho) omitindo, com isto, a regulamentação de alguns dos projectos constantes deste Anexo III.
Na realidade, o Decreto Regulamentar nº 38/90, de 27 de Novembro, que deveria ter estabelecido os limiares, critérios e limites das categorias de projectos elencados no Anexo III do diploma legal a que atrás se alude – de acordo com os quais aqueles projectos estariam ou não sujeitos a avaliação do impacto ambiental – não o fez, pelo que foram omitidas categorias de projectos passíveis de serem objecto de avaliação de impacto ambiental uma vez que os mesmos não foram objecto de regulamentação, ao arrepio do que preconiza a legislação comunitária no domínio que vem sendo referido.
Com efeito, a directiva comunitária supra mencionada estatui que os projectos incluídos no seu Anexo I devem sempre ser submetidos a avaliação do impacto ambiental (artigo 4º, nº1), excepção feita às situações previstas no artigo 2º, nº 3. Quanto aos projectos enumerados no Anexo II serão submetidos a avaliação do impacto ambiental sempre que os Estados-Membros considerem que as suas características assim o exigem (artigo 4º, nº 2), tendo em conta, nomeadamente, a sua natureza, dimensão e localização.
Concede-se, pois, aos Estados-Membros, no que a estes últimos projectos respeita, uma certa margem de livre apreciação quanto à sujeição ou dispensa da realização da avaliação do impacto ambiental sobre os projectos em causa. E tal regime, assim enunciado, manteve-se na Directiva 97/11/CE do Conselho, de 3 de Março de 1997, que acrescentou, relativamente ao regime anterior, o modo como aquela apreciação deverá ser feita, com base numa análise caso a caso ou com base nos limiares ou critérios fixados pelos Estados-Membros, respectivamente.

Por outra palavras: na primeira lista encontram-se as categorias de projectos que devem ser obrigatoriamente submetidos a avaliação de impacto ambiental; e, na segunda lista, aquela categoria de projectos que apenas são submetidos a avaliação do impacto ambiental quando a natureza e características específicas dos projectos em questão assim o exijam.
Porém, o legislador nacional terá ido mais longe ao subtrair, pura e simplesmente, dessa apreciação, certa categoria de projectos através da não regulamentação dos critérios e limites de acordo com os quais, e face às características concretas de determinado projecto, se aferisse da necessidade ou desnecessidade de o submeter a uma avaliação prévia do impacto ambiental. É o caso, por exemplo, da gestão de resíduos a que alude o ponto 3. alínea i) e o ponto 11. alíneas c), e) e f), ambos constantes do Anexo III do Decreto-Lei nº 186/90, de 6 de Junho, no seio dos quais apenas estão regulamentadas as instalações para recolha e tratamento de resíduos radioactivos, conforme resulta do ponto 3.3 do Anexo ao Decreto Regulamentar nº 38/90, de 27 de Novembro, tendo posteriormente sido regulamentadas, aquando da entrada em vigor do Decreto Regulamentar nº 42/97, de 10 de Outubro, as instalações de eliminação destinadas à incineração ou tratamento químico de resíduos industriais não perigosos ou de resíduos urbanos com uma capacidade superior a 100t/dia (cfr. ponto 11., alínea c) do citado diploma regulamentar).
É, do mesmo passo, o caso concernente à construção de estradas a que se reporta o ponto 10, alínea d) do Anexo III ao Decreto-Lei nº 186/90, de 6 de Junho, caso em que o legislador preconizou a construção de estradas como actividade sujeita a avaliação do impacto ambiental, ao passo que o diploma regulamentar deixou de fora essa actividade.
Dever-se-á, face ao exposto, entender que por motivo da sua não inclusão na categoria de projectos elencados no diploma regulamentar antes referido, aquelas actividades deixaram de carecer de avaliação do impacto ambiental? Parece que não. No entanto, fica sempre aberta a porta para dúvidas e especulações indesejadas.
Na esteira, aliás, do que foi sustentado a este propósito pela Comissão em processo que correu termos no Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia, “… liberdade de apreciação quer dizer apreciar e não renunciar antecipadamente a fazê-lo” (cfr. Processo C-133/94, Comissão/Bélgica). No âmbito do referido processo o Tribunal de Justiça das Comunidades veio a defender o que a seguir se transcreve: ” O artigo 4º, nº 2 da Directiva 85/337, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente, prevê que os projectos pertencentes às categorias enumeradas no Anexo II da directiva sejam submetidos a uma avaliação sempre que os Estados-Membros considerarem que as suas características assim o exigem, e que os Estados-Membros podem, para este efeito, especificar certos tipos de projectos a submeter a uma avaliação ou fixar critérios e/ou limiares a reter para poderem, de entre os projectos em causa, determinar quais os que devem ser submetidos a uma avaliação. Esta disposição deve ser interpretada no sentido de que não confere aos Estados-Membros o poder de excluir global e definitivamente uma ou várias das categorias referidas da possibilidade de uma avaliação, pois os critérios e/ou os limiares mencionados não têm por finalidade subtrair de antemão à obrigação de uma avaliação certas categorias completas de projectos enumerados no Anexo II, previsíveis no território de um Estado-Membro, mas unicamente facilitar a apreciação das características concretas que apresenta um projecto com vista a determinar se está sujeito à referida obrigação”.

Esta orientação jurisprudencial tem sido pacificamente firmada e acolhida por aquele órgão jurisdicional, o qual tem vindo a decidir, a este propósito, que sempre que um Estado-Membro fixa os critérios e limiares de modo a que, na prática, a totalidade dos projectos fique de antemão subtraída à obrigação de estudo do impacto ambiental, excede a margem de apreciação de que dispõe e que lhe é conferida pelos artigos 2º, nº 1 e 4º, nº 2, da Directiva antes mencionada, salvo se a totalidade dos projectos fossem excluídos com base numa apreciação global, não susceptível de ter efeitos significativos no ambiente (vd., entre outros, e a título meramente exemplificativo, os acórdãos do Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia proferidos nos Processos J-72/95, no âmbito de pedido de decisão prejudicial pelo Nederlandse Raad van State (Países Baixos), e C-301/95, Comissão/Alemanha (in Colectânea de Jurisprudência, 1996, pg.I-5403 e Colectânea de Jurisprudência, 1998, pg.I-6135, respectivamente).

Com efeito, se relativamente aos projectos constantes no Anexo I do Decreto-Lei nº 186/90, de 6 de Junho, não é deixada qualquer margem de apreciação aos Estados-membros (artigo 2º, nº 3), excepção feita à situação vertida no artigo 4º, nº 4, do citado diploma legal, já quanto aos projectos contidos no Anexo III essa margem de discricionaridade é permitida. Porém, o citado diploma legal não estabelece nem os critérios, nem os limites em que as categorias dos projectos dele constantes estão sujeitos a avaliação do impacto ambiental, remetendo em tudo o mais para o Decreto Regulamentar nº 38/90, de 27 de Novembro, que o regulamenta (artigo 7º, nº 1), de modo manifestamente insuficiente pelo vazio legal que gera, o que suscita dúvidas ao intérprete que se vê confrontado com dificuldades na articulação, harmonização e complementarização entre as disposições constantes nos referidos diplomas legais, para além de fazer incorrer o Estado Português em incumprimento do direito comunitário, uma vez que se omitem determinadas categorias de projectos constantes das directivas comunitárias.
Aquele diploma regulamentar cuja precípua missão consistia em definir os critérios e os limites de aplicabilidade do diploma habilitante, qual seja o Decreto-Lei nº 186/90, de 6 de Junho, contribui, outrossim, para restringir o âmbito de aplicação do Decreto-Lei que se propôs regulamentar, derrogando-o, o que, no plano da hierarquia das leis, constitui manifesta ilegalidade.
Se assim se não entendesse contrariar-se-ia o princípio da precedência e primado da Lei habilitante, para além de violar o disposto no artigo 112º, nºs 1, 6 e 9, da Constituição que, ao proceder à estratificação da hierarquia dos actos normativos, subordina os decretos regulamentares às leis que visam regulamentar, emergindo daqui, como decorrência lógica, que a interpretação atrás expendida, consubstanciaria uma inconstitucionalidade formal, uma vez que no plano da hierarquia das leis, um decreto regulamentar não pode derrogar, ainda que tacitamente, o Decreto-Lei que regulamenta e que contém a própria norma habilitante e que, por natureza, assume uma dignidade formal superior.
Os actos regulamentares, a par do que sucede com os demais actos normativos, estão sujeitos ao princípio da legalidade (artigo 3º, nº 2 da Constituição), pelo que o exercício do poder regulamentar deve ter sempre fundamento jurídico em Lei que o preceda, em consonância, aliás, com o princípio da precedência da Lei que postula a precedência de Lei habilitante relativamente a toda a actividade regulamentar.
Exceptuam-se os regulamentos independentes, é certo. Contudo, estes destinam-se a concretizar um conjunto mais ou menos difuso das leis, o que não é o caso. Isto, porque o Decreto Regulamentar nº 38/90, de 27 de Novembro, tem por fim exclusivo o desenvolvimento do Decreto-Lei nº 186/90, de 6 de Junho, de onde lhe deve estrita conformidade.
Impõe-se, pelo exposto, articular o disposto em acto legislativo e em regulamento, de modo a garantir a prevalência integral do primeiro sobre o segundo, em cumprimento dos princípios da legalidade e da hierarquia normativa.

Importa, ainda, a este propósito, referir, que o legislador nacional não transpôs para o direito interno o conteúdo da Directiva 97/11/CEE do Conselho, de 3 de Março de 1997, no que tange aos critérios de selecção relevantes a que os Estados-Membros devem lançar mão para a apreciação casuística dos projectos a analisar, critérios em função dos quais se decidirá se determinado projecto será ou não submetido a avaliação do impacto ambiental. Aqueles critérios, plasmados no Anexo III da referida directiva, constituem verdadeiras normas orientadoras a ter em conta na decisão relativa à necessidade de submeter os projectos contidos no Anexo II a avaliação de impacto ambiental, sempre que forem efectuadas análises caso a caso ou fixados limites ou critérios(artigo 4º, nºs 2 e 3), o que manifestamente e à saciedade, não foi acolhido pela legislação nacional, devendo o Estado Português, também neste ponto particular, proceder à correcta transposição para o direito interno das normas emanadas da Directiva supra referida.

Instrumento idóneo para ultrapassar as dificuldades antes explanadas consistiria em aglutinar, no mesmo texto legal, a disciplina jurídica da avaliação do impacto ambiental, dispersa actualmente em acto legislativo e em regulamento, ali se especificando os tipos de projectos a submeter a avaliação do impacto ambiental e fixando os critérios e limiares em função dos quais se determina a categoria de projectos que devam ser submetidos à referida avaliação. Para isso aponta o disposto no artigo 112º, nº 9, da Constituição, inculcando que a transposição de directivas obedeça a uma reserva de acto legislativo nacional.

B-Articulação do Regime de Avaliação de Impacto Ambiental com o da Participação Procedimental

A promoção da participação das populações na formulação e execução da política do ambiente, bem como a reciprocidade dos fluxos contínuos de informação entre os serviços da Administração e os cidadãos a quem se dirige, como um dos objectivos a que se propõe a política ambiental (artigo 4º, alínea i), da Lei nº 11/87, de 7 de Abril), vem expressamente consagrada nos regimes jurídicos da avaliação do impacto ambiental (AIA) e da participação procedimental (Lei nº 83/95, de 31 de Agosto) que, na parte que se reporta à participação das populações no processo decisório, tem suscitado algumas dúvidas em sede de aplicação aos casos concretos.
“De jure constituto”, os regimes jurídicos contidos nos citados diplomas legais consagram especificidades próprias que se não confundem e, bem assim, constituem institutos jurídicos autónomos com objectivos específicos que se não pretendem sobrepor e que devem ser assegurados em fases diferenciadas dos respectivos procedimentos administrativos.
Sempre se dirá, muito sumariamente, que cada um destes regimes contém, em matéria de participação das populações no procedimento específico, disposições próprias que se não sobrepõem ou conflituam e, nomeadamente, regras específicas quanto à sua tramitação, termos e modo com se deverá processar o dever de consulta do público no âmbito da avaliação do impacto ambiental ou, ainda, o dever de audição dos cidadãos interessados e das entidades defensoras dos interesses que possam vir a ser afectados pela decisão, no âmbito do procedimento específico da participação procedimental.

Tal tem sido o meu entendimento conforme, aliás, tive oportunidade de o expressar através da Recomendação Nº 6/A/99, de 2 de Março, dirigida a Sua Excelência o Primeiro Ministro, relativa ao projecto de eliminação de resíduos industriais pelo sector cimenteiro.
Como ali sustentei, tem-se suscitado, na prática, alguma controvérsia na aplicação cumulativa dos regimes jurídicos da avaliação do impacto ambiental (AIA) e da participação procedimental por, aparentemente, se tratar de procedimentos alternativos e não cumulativos, argumentando-se que aqueles regimes se sobrepõem. Tal argumento serve, aliás, e como o tenho vindo a apontar em diversas ocasiões, de esteio para o incumprimento do disposto na Lei nº 83/95, de 31 de Agosto, que consagra o direito de participação popular em procedimento administrativo e institucionaliza o dever de prévia audiência relativamente à adopção dos planos de desenvolvimento das actividades da Administração Pública, de planos de urbanismo, de planos directores e de ordenamento do território, bem como à decisão sobre a localização e a realização de determinados investimentos públicos, com impacto relevante no ambiente ou nas condições económicas e sociais e da vida em geral das populações.

A avaliação do impacto ambiental, por seu lado, é o procedimento administrativo que visa a avaliação dos efeitos directos e indirectos de determinados projectos no ambiente e que compreende, em determinada fase, a consulta do público, com base no estudo de impacto ambiental (EIA) e no resumo não técnico (RNT), em ordem a permitir uma alargada participação das entidades interessadas e dos cidadãos, na apreciação do projecto em questão.
Ou seja, e em síntese: o objecto do procedimento de avaliação do impacto ambiental consiste na avaliação dos efeitos directos e indirectos de determinado projecto no ambiente; o objecto do procedimento da participação procedimental reconduz-se à decisão de localização e realização de determinados investimentos públicos
Tal compreende-se, porquanto o procedimento de AIA se desencadeia com a apresentação, pelo dono da obra – no início do processo de autorização ou licenciamento do projecto – do EIA à entidade pública competente para decidir e exige, por isso, decisão anterior sobre a localização do projecto, pelo que impõe, como decorrência lógica, uma prévia decisão sobre a localização do projecto a submeter a avaliação do impacto ambiental e, em consequência, à consulta do público. Ora, é precisamente na fase da decisão da localização do investimento a realizar que deverá ser assegurada a audição dos interessados nos termos constantes da Lei de Participação Procedimental relativamente às obras públicas e outros investimentos públicos e, bem assim, às obras a que alude o nº 3 do artigo 4º do referido diploma legal.
O dever de prévia audiência traduzido na audição dos interessados no âmbito do direito de participação popular relativamente à decisão sobre a localização de determinado projecto precede, pois, a consulta do público relativamente aos projectos submetidos a avaliação do impacto ambiental que se desenvolverá em fase subsequente.

Assim sendo, conclui-se que o procedimento de AIA compreende, na prática, um duplo envolvimento do público interessado: numa fase prévia, aquando da audiência pública, relativamente à decisão sobre a localização e a realização de obras e investimentos públicos a que alude o artigo 4º da Lei nº 83/95, de 31 de Agosto; numa fase subsequente, aquando da apreciação do estudo do impacto ambiental (EIA) e, concretamente, do resumo não técnico (RNT), fornecido pelo dono da obra, relativamente aos projectos que, nos termos legais, devam submeter-se à avaliação do impacto ambiental.

Em suma, seria deveras pertinente que no novo texto legislativo se preconizasse que, quando os dois regimes se mostrem de aplicação cumulativa, o procedimento de AIA fosse instruído com a resposta aos interessados relativa à decisão sobre a localização do projecto em questão, a que aludem os artigos 9º e 10º da Lei nº 83/95, de 31 de Agosto, sob pena de tal procedimento não poder prosseguir.

E, no que à consulta pública respeita, a legislação nacional deverá, igualmente, acolher as obrigações que, neste âmbito, decorrem da Directiva nº 97/11/CE do Conselho, de 3 de Março de 1997, em cumprimento da qual devem ser divulgados todos os pedidos de aprovação e todas as informações fornecidas pelo dono da obra e por quaisquer autoridades consultadas. Deve ainda ser assegurado que a decisão adoptada pelas autoridades competentes relativamente aos projectos a que alude o Anexo II da Directiva seja disponibilizada ao público (artigo 5º), assim como todos os pedidos de aprovação e informações obtidos nos termos dos artigo 5º devem, num prazo razoável, ser facultados à disposição do público para que este possa emitir o seu parecer antes de ser concedida a competente autorização(artigo 6º, nº 2). E, se determinado projecto se apresentar à margem da necessidade de AIA, os Estados-Membros devem disponibilizar ao público interessado as informações relativas a essa isenção e as razões que a fundamentam (artigo 2º, nº3, alínea b)). Ademais, tão logo a aprovação do projecto tiver sido concedida ou recusada devem, as autoridades competentes dar, de tal facto, conhecimento ao público nos termos do disposto no artigo 9º da Directiva em apreço. Para tanto, os Estados-Membros, em função das características particulares dos projectos ou dos locais em questão, estão adstritos ao cumprimento do disposto no artigo 6º , nº 3, da Directiva, relativamente ao modo como se deverá processar a informação e a consulta a promover.

Eis, pois, o modo como julgo deverá processar-se a tramitação do instituto jurídico da consulta do público no âmbito do procedimento de AIA que carece de transposição para o direito interno e cuja aplicação permite suprir algumas das deficiências sentidas neste domínio. Com efeito, no âmbito do regime vertido nos diplomas legais em vigor sobre a matéria, apenas se determina a divulgação parcial do EIA, ou seja do resumo não técnico (RNT) e, em casos excepcionais, a divulgação de parte integrante do EIA relativamente a aspectos específicos do projecto em causa e, em qualquer dos casos, ao arrepio do que determinam as directivas comunitárias neste âmbito.

Em suma, para além da necessidade, que urge, de transpor para o direito interno o conteúdo da Directiva comunitária supra referida, nos seus exactos termos, no domínio que vem sendo referido, sempre se dirá que, não obstante as dúvidas suscitadas no que se reporta à virtual sobreposição dos regimes constantes da Lei de avaliação do impacto ambiental e da Lei de participação popular (Lei nº 83/95, de 31 de Agosto), por da sua aplicação simultânea resultar uma aparente duplicação do acto de audição das populações, seria oportuno que, na definição do novo regime de avaliação do impacto ambiental, se coadunassem aqueles regimes, através da consagração de um comando legal que expressamente estabelecesse que a aplicação do regime dele constante não excluiria a aplicação das normas relativas à audição dos interessados consignada na Lei nº 83/95, de 31 de Agosto, nos casos e nos termos aqui determinados.

C-Vinculatividade do Parecer a que Alude o Artigo 5º do Decreto-Lei nº186/90, de 6 de Junho

Importa, neste domínio, salientar a fragilidade resultante da falta de vinculação jurídica do parecer consignado no artigo 5º do Decreto-Lei nº 186/90, de 6 de Junho, plasmada na norma contida no artigo 6º do citado diploma legal. Com efeito, o parecer a que se alude no artigo 5º é um parecer que, embora necessário, se apresenta como não vinculativo, destituído de qualquer força jurídica que imponha a concreta e pontual observância do seu conteúdo e conclusões. “De jure”, o parecer consignado no citado preceito legal, pese embora constitua uma formalidade essencial no âmbito da tramitação específica do procedimento de AIA, e cuja omissão faz inquinar o respectivo processo do vício de forma por preterição de formalidade essencial, certo é que as conclusões dele constantes não têm, por imperativo legal, de ser acatadas pelo órgão competente para a decisão. Trata-se, pois, de um parecer obrigatório mas não vinculativo (artigo 98º do Código do Procedimento Administrativo), que em nada vincula, que nada impõe, permitindo esvaziar de conteúdo os objectivos a que a avaliação de impacto ambiental se propõe e retirando todo o sentido útil ao processo de avaliação do impacto ambiental e à sua concreta tramitação, no âmbito da qual o parecer em análise se revela, em face do exposto, com uma eventual postergação dos interesses públicos de ordem ambiental, traduzindo uma inaceitável subalternização do direito a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado (artigo 66º, nº1 da CRP) e das tarefas fundamentais do Estado neste domínio (artigo 9º, alínea d), da CRP).

Na realidade, sendo a AIA um essencial instrumento da política do ambiente e do ordenamento do território (artigo 27º, nº 1, alínea g), da Lei nº 11/87, de 7 de Abril), cujos objectivos primeiros são os da prevenção da poluição e a protecção e preservação dos componentes ambientais naturais (ar, luz, água, solo, flora e fauna) e dos componentes ambientais humanos (paisagem, património natural e construído), visando a promoção da qualidade de vida dos cidadãos, a protecção da saúde humana e, bem assim, garantir a diversidade das espécies e a conservação das características dos ecossistemas enquanto patrimónios naturais insubstituíveis, emerge que, para satisfação daqueles objectivos, não poderá deixar de se defender que uma protecção pronta e eficiente do ambiente obrigará a que, quando a avaliação do impacto ambiental de determinado projecto seja negativa por motivo de se concluir que o projecto em causa é susceptível de provocar incidências demasiado negativas no ambiente, o parecer negativo que, em resultado da avaliação sobre aquele projecto, incidir, deverá ser vinculativo, impossibilitando a viabilidade de o projecto em causa prosseguir, não podendo o mesmo ser aprovado ou licenciado, sob pena de se frustrarem os objectivos a que se propõe a avaliação do impacto ambiental.

Com efeito, parece-me ser tempo de se adoptar uma consciência ambiental adulta traduzida numa política de ambiente que não precisa já de procurar o seu legítimo lugar no quadro de satisfação das necessidades colectivas.
E as razões em que se fundamenta a prolação de parecer negativo sobre determinado projecto deveriam, do mesmo passo, ser publicitadas por forma a dar pleno cumprimento aos princípios da informação e da participação no procedimento de AIA.
No caso de tal parecer ser, pelo contrário, de sinal positivo, tal não deverá significar que o projecto em causa, atenta a natureza vinculativa do parecer, seja inequivocamente viabilizado, sem mais, nem tal parecer implicará automaticamente a sua imperativa aprovação. Com efeito, o projecto em apreciação pode ser indeferido em fase posterior por motivos diversos dos que estiveram na base do referido parecer.
Tal desiderato assume particular relevância no âmbito dos projectos que contemplem o exercício das actividades económicas e industriais, caso em que, não obstante eventual parecer positivo de AIA, o projecto em análise poderia ficar, contudo, à mercê de parecer negativo no procedimento específico do licenciamento da actividade em causa não sendo, assim, neste particular, imperativo.

Em suma, a decisão final de AIA, consubstanciada no parecer a cuja força jurídica se adere, permitiria dar satisfação aos objectivos de prevenção e de precaução que o processo de AIA se propõe atingir, assumindo a natureza jurídica de um Parecer conforme favorável, pelo que tal parecer deveria ser obrigatório e vinculativo. Assim sendo, as respectivas conclusões vinculariam o órgão competente para a decisão, no caso de ser negativo, o qual ficaria adstrito a decidir em conformidade com o parecer, acatando as suas conclusões e fundamentos. Em suma, a entidade licenciadora só deveria poder aprovar ou licenciar o projecto se a decisão de AIA fosse favorável à sua realização ou favorável com condições (parecer favorável condicionado), devendo, neste caso, ser meticulosamente controlado o cumprimento das condições consignadas. Caso a entidade decisória não acate tal parecer, a decisão enfermará de ilegalidade insuprível por padecer de vício de forma e de violação de Lei.
Mal se compreenderia que assim não fosse, já que se o parecer a que nos vimos referindo, no caso de ser negativo, não for obrigatório e vinculativo, não se vislumbra o alcance da norma contida no artigo 30º, nº 3 da Lei nº 11/87, de 7 de Abril (Lei de Bases do Ambiente) quando estabelece que a aprovação do estudo do impacto ambiental é condição essencial para o licenciamento final das obras e trabalhos pelos serviços competentes, nos termos da Lei, atribuindo-se, pois, aos estudos do impacto ambiental a característica de formalidade essencial.

Com efeito, considerando que a aprovação do estudo de impacto ambiental é uma formalidade essencial do procedimento de AIA e, nos termos legais aplicáveis, conditio sine qua non do licenciamento final, não se entende como se possa conciliar ambos os regimes, contraditórios por natureza, sem fixar a vinculatividade do parecer conclusivo de AIA. Ora, parece líquido que é a Lei de Bases, por força da sua proeminência, quem há-de prevalecer.
Concluo, em face do exposto, pela necessidade de o parecer a que me venho referindo ser vinculativo com o sentido de impedir a aprovação ou autorização de determinado projecto que colida com parecer negativo, sob pena de os interesses públicos de ordem ambiental que se visa acautelar poderem ser postergados de modo irrazoável.
Estou ciente das objecções que do ponto de vista económico e financeiro podem facilmente ser esgrimidas contra a vinculatividade do parecer. Não creio, todavia, que seja caso de as aceitar, sem mais. Não será ocioso recordar que uma eventual diminuição dos custos económicos de uma obra pública ambientalmente lesiva apenas constitui uma aparente poupança, já que mais tarde, terão as gerações vindouras de suportar custos acrescidos para remover os danos causados aos bens ambientais, se ainda for tempo de o fazer.

Impõe-se, também, por razões de clareza e segurança jurídicas que se atribua força obrigatória bastante à decisão da Comissão de Avaliação, consubstanciada no Parecer a que alude o artigo 4º, nº 1, do Decreto-Lei nº 186/90, de 6 de Junho, e que o novo diploma legal consagre expressamente que o projecto submetido a AIA só poderá ser licenciado se a decisão que sobre ele incidir for favorável à sua realização ou se, pelo menos, tal decisão não for desfavorável sob reserva de condicionalismos.

Neste contexto, importa ainda referir que quando se verifique o deferimento tácito do parecer a que atrás se alude, consignado no artigo 5º, nº 3 do Decreto-Lei nº 186/90, de 6 de Junho, dever-se-ia tornar públicas as razões contidas no aludido parecer, no respeito pelo princípio da participação pública no procedimento de AIA em estrito cumprimento do artigo 6º, nº 2, da Directiva 97/11/CE, de 3 de Março.
Tal asserção justifica-se, para além do mais, em nome das especificidades do procedimento administrativo de AIA, do entrosamento dos interesses envolvidos e, bem assim, pelo facto deste procedimento constituir um instrumento idóneo e eficaz de prevenção das acções poluidoras que concorram para a degradação da qualidade do ambiente. É que o procedimento de AIA contribui adequadamente para a protecção do ambiente e qualidade de vida das populações, elevada, como é consabido, a bem público colectivo e consagrada como direito dos cidadãos, sendo tal direito acolhido, de forma clara e inequívoca, no nosso ordenamento jurídico, como direito fundamental (artigo 66º, nº 1, da CRP) e como tarefa fundamental do Estado (artigo 9º, alíneas d) e e), da CRP), incumbindo aos poderes públicos estaduais, através dos organismos próprios, promover a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, quer individual, quer colectiva (artigo 2º da Lei nº 11/87, de 7 de Abril).

D-Regras de Tramitação Procedimental do Processo de Avaliação do Impacto Ambiental

Matéria de importante relevo é também a que se prende com a tramitação do procedimento de AIA que importa alterar no âmbito de futura revisão legislativa, nomeadamente pela consagração de um procedimento faseado do processo de AIA.
Neste particular, creio que o procedimento de AIA deveria, na sua essência, incorporar duas fases: uma preliminar, cujo objecto consistiria na apreciação das diversas alternativas de concepção, elaboração e localização dos projectos cuja avaliação se pretenderia realizar e, bem assim na apreciação do estudo prévio elaborado para o efeito, que envolvesse já as componentes ambientais; a fase subsequente corresponderia à análise e apreciação do projecto e do seu licenciamento.
Questão que importa salientar, a este propósito, é a que se prende com o facto de o estudo do impacto ambiental (EIA) se revelar, na prática, um instrumento diminuído do seu inegável relevo, cuja credibilidade poderá ser posta em causa quando, não raras vezes, o concurso para a empreitada da obra a realizar se encontra já aberto e em fase adiantada, antes da aprovação do referido estudo, pelas entidades competentes.
Impunha-se, como defendo, criar um mecanismo legal garantístico por força do qual se determine que a obra, objecto do estudo do impacto ambiental, só se iniciará após a prolação do parecer final de avaliação de impacto ambiental.

Por outro lado, o facto de no estudo do impacto ambiental, não se ponderarem localizações alternativas contribui, outrossim, para de algum modo condicionar a decisão a tomar, pelo que se deveria optar por, desde logo, se ponderarem soluções alternativas para a localização do projecto em questão.
Com efeito, se a bondade dos projectos submetidos a avaliação do impacto ambiental é, em grande medida, inquestionável, o certo é que a prática tem vindo a evidenciar que a não ponderação de locais alternativos poderá condicionar os resultados da avaliação.

Deste modo, em sede de avaliação do impacto ambiental, dever-se-ia estipular a obrigatoriedade de ponderação entre localizações alternativas, ao menos de certas obras ou projectos, em ordem a serem encontradas outras soluções que maior viabilidade denotem do ponto de vista ambiental.
Tal desiderato permitiria que o estudo do impacto ambiental, cujo âmbito material consiste na descrição das medidas de minimização, desenvolva a sua vocação, qual seja a de constituir um instrumento de apoio à decisão e ao serviço do princípio pelo respeito pelas preocupações ambientais.
O acolhimento do que ora é sugerido permitiria, sem dúvida, ultrapassar as deficiências do actual regime jurídico que, como é a todas as luzes consabido, faz coincidir o procedimento de AIA com o início do processo conducente à autorização ou licenciamento do projecto; isto é, remete o procedimento de AIA para o momento em que o projecto já está elaborado e em condições de ser apreciado pela entidade administrativa competente, sendo neste fase já pouco viável a introdução de alterações e modificações a imprimir ao projecto, em ordem a ficar salvaguardada a defesa do ambiente. Permitiria, por outro lado, satisfazer os objectivos de prevenção dos atentados contra o ambiente e a paisagem, a que se propõe a avaliação prévia do impacto ambiental, que se assume como importante instrumento de política ambiental e de ordenamento do território (artigo 27º, nº 1, alínea g), da Lei nº 11/87, de 7 de Abril) mas que a prática tem vindo a evidenciar que se relegam para segundo plano os objectivos a que o referido instrumento de política ambiental se vocaciona, confundindo-se, por vezes, com um mero expediente de viabilização do licenciamento de projectos.

Tal solução não se mostraria, sequer, pioneira. É mesmo levada ao extremo por outros ordenamentos jurídicos como, por exemplo, pelo direito alemão, cujo regime de AIA preconiza procedimentos paralelos sujeitos a sucessivas autorizações parcelares uma vez que no âmbito deste direito se submete a AIA, não só a autorização final do projecto mas, também, as decisões que precedem a autorização final, acomodando o instituto jurídico de AIA aos diversos procedimentos parcelares existentes e fazendo-o incidir sobre os sucessivos procedimentos que careçam de um acto de aprovação. Tanto assim é que, de acordo com o modelo germânico, todas as decisões que respeitem à autorização de um projecto no âmbito de determinado procedimento administrativo são submetidas a avaliação do impacto ambiental, no âmbito das quais se compreendem as decisões relativas à preparação, modificação ou conclusão de planos directores gerais ou de pormenor, e com esta base se condiciona a aprovação de determinado projecto.
Dever-se-ia, para além do mais, consagrar no novo texto legislativo a constituição de comissões de acompanhamento na realização de auditorias, controlos e monitorizações na fase da execução do projecto, não obstante o parecer favorável de AIA na realização do projecto em causa.
Estou em crer que uma das deficiências do regime jurídico de AIA reside no facto de este não contemplar qualquer mecanismo de acompanhamento, na fase de execução do projecto, dos efeitos da avaliação do impacto ambiental, situação apenas prevista para os casos em que não existe parecer expresso (artigo 6º do Decreto Regulamentar nº 38/90, de 27 de Novembro).
Com efeito, à semelhança do que sucede com outros ordenamentos jurídicos do espaço comunitário, e concretamente com o ordenamento jurídico espanhol – que instituiu um “programa de vigilância ambiental” como instrumento auxiliar para garantir o cumprimento das medidas protectoras e correctoras contidas no estudo de impacto ambiental – seria, do mesmo passo, desejável a criação, na fase da execução do projecto, de um mecanismo de acompanhamento ambiental em ordem a garantir que as medidas correctivas e mitigadoras contidas no estudo sejam concretamente efectivadas.

E-Projectos com Impactos Ambientais Transfronteiriços

Relativamente aos projectos com impactos ambientais transfronteiriços decorre para o Estado Português a obrigatoriedade de transposição da Directiva 85/337/CEE do Conselho, de 27 de Junho de 1985, na redacção dada pela Directiva 97/11/CEE de 3 de Março de 1997 e, nomeadamente, o conteúdo do artigo 7º dela constante, nos termos do qual se prescreve um procedimento específico para os projectos desta natureza.
Dever-se-á, pelo exposto, usar a oportunidade para transpor para o direito interno os termos e modos do procedimento específico a aplicar aos projectos com impactos ambientais transfronteiriços nos termos e modos previstos no citado normativo.

F-Fiscalização e Sanções

Em sede de fiscalização importa, desde logo, salientar que o regime jurídico em vigor se revela deficiente, porquanto se limita a atribuir aos serviços competentes do Ministério do Ambiente competências fiscalizadoras (artigo 7º do Decreto Regulamentar nº 38/90, de 27 de Novembro), mas não estabelece os termos e modo como será concretamente exercida a referida acção de fiscalização, pelo que o novo diploma legal deveria acolher tal metodologia.
Deveria, do mesmo passo, definir com exactidão quais as entidades com poderes de fiscalização quanto ao cumprimento das normas legais de AIA e qual o âmbito dos mencionados poderes de fiscalização.
Acresce, por outro lado, que por razões de segurança e certeza jurídicas e de maior clareza na interpretação da Lei, urge especificar quais as condutas ou infracções cujos elementos integradores sejam passíveis de constituir contra-ordenação, em cumprimento, aliás, do princípio da legalidade plasmado no artigo 2º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro. Este princípio obriga a que os comportamentos infractores sejam tipificados, devendo resultar de modo expresso, claro e inequívoco da norma que qualifique determinado comportamento como ilícito de mera ordenação social com a correspondente cominação de uma coima. Assim sendo, o texto legislativo ex novo poderia conter uma norma que actualizasse os montantes mínimos e máximos, actualmente em vigor, da coima a aplicar em caso de incumprimento das normas de AIA (artigo 10º, nº 1, do Decreto-Lei nº 186/90, de 6 de Junho), em estreita consonância com os montantes estabelecidos e expressamente previstos no artigo 17º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 244/95, de 14 de Setembro. Porém, igualmente, deveria estabelecer que a determinação da medida da coima se efectuará em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação, podendo, neste caso, o limite máximo da coima elevar-se até ao montante do benefício, nos exactos termos do disposto no artigo 18º, nºs 1 e 2, do citado diploma legal.
E, sem prejuízo da imposição de sanções às infracções ao disposto na legislação relativa à avaliação do impacto ambiental importa, do mesmo passo, determinar a obrigação jurídica de reparar o dano ambiental causado, restabelecendo a situação anterior à ocorrência da infracção ou, no caso de não ser possível, impondo o pagamento de uma indemnização, em conformidade com o disposto no artigo 48º, nºs 1, 2 e 3, da Lei nº 11/87, de Abril.

II-Conclusões

De acordo com o exposto, e no exercício dos poderes que me são conferidos pelo artigo 23º, nº1, da Constituição e pelo artigo 20º, nº1, alínea b), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril (Estatuto do Provedor de Justiça),RECOMENDO:

à Assembleia da República, dignamente presidida por Vossa Excelência, que providencie por adoptar medida legislativa adequada a permitir a integral transposição do conteúdo da Directiva 97/11/CEE do Conselho, de 3 de Março de 1997, que altera a Directiva 85/337/CEE do Conselho, de 27 de Junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente, acolhendo-a no ordenamento jurídico português, nos seus exactos termos e cuidando de obter:

a) A articulação entre o disposto em acto legislativo e em regulamento, por forma a garantir a prevalência integral do primeiro sobre o segundo, em cumprimento dos princípios da legalidade e da hierarquia dos actos normativos aglutinando, num mesmo diploma legal, a disciplina jurídica da avaliação do impacto ambiental;

b) A introdução, no ordenamento jurídico português, das prescrições contidas no Anexo III da Directiva 97/11/CE do Conselho, de 3 de Março de 1997, fixando-se os critérios e limites em função dos quais os projectos enumerados no Anexo II da referida directiva comunitária são submetidos a avaliação do impacto ambiental e a consagrar, por razões de segurança e certeza jurídicas, uma tipologia dos projectos a submeter a avaliação do impacto ambiental;

c) A coadunação do regime de avaliação do impacto ambiental com o da participação procedimental (Lei nº 83/95, de 31 de Agosto), sempre que os dois regimes forem de aplicação cumulativa, determinando que a aplicação daquele regime não exclui a aplicação deste, nos termos e modo aqui determinados;

d) A concessão do maior interesse ao regime da consulta pública, tal como ele resulta da Directiva 85/337/CEE, de 27 de Junho de 1985, na redacção dada pela Directiva 97/11/CE do Conselho, de 3 de Março de 1997, nos seus artigos 6º e 9º;

e) A atribuição de natureza vinculativa ao parecer da entidade competente para decidir, que incide sobre o projecto submetido a avaliação do impacto ambiental, determinando que a entidade licenciadora só poderá aprovar ou licenciar o projecto em questão se a decisão contida naquele parecer for favorável à sua realização ou favorável com condições (verificadas estas) e, no caso de tal parecer ser de conteúdo negativo, publicitar as razões em que se fundamenta;

f) No caso de se manter o deferimento tácito a que alude o artigo 5º, nº 3, do Decreto-Lei nº 186/90, de 6 de Junho, a entidade competente para decidir sobre o processo de avaliação de impacto ambiental deverá divulgar os resultados da consulta pública e explicar publicamente por que razões não foi proferido o parecer em devido tempo ou tomada decisão final sobre o seu teor, tudo em ordem a ser concretizado o princípio da participação pública no procedimento de avaliação do impacto ambiental;

g) A definição de novas regras de tramitação procedimental de AIA, impondo um procedimento faseado, com um âmbito material que compreenda a apreciação das diversas alternativas de concepção, elaboração e localização do projectos;

h) A estatuição da obrigatoriedade de ponderação, ao menos de certas obras ou projectos, entre localizações alternativas que maior viabilidade demonstrem do ponto de vista ambiental;

i) A caracterização expressa das situações em que a alteração ou simples ampliação de um projecto importe novo estudo do impacto ambiental ou, apenas, uma extensão ou adaptação do estudo já elaborado;

j) A criação de um mecanismo de acompanhamento, na fase de execução do projecto, traduzido na realização de auditorias, controlos e monitorizações, ainda que o parecer da entidade competente para decidir os efeitos de avaliação de impacto ambiental seja de conteúdo favorável ou favorável com condições (verificadas estas) à realização do projecto;

l) O tratamento da questão dos impactos ambientais transfronteiriços, tendo em especial atenção o disposto no artigo 7º da Directiva 97/11/CE do Conselho, de 3 de Março de 1997;

m) A definição, em sede de fiscalização, das entidades a quem compete o exercício dos poderes de fiscalização quanto ao cumprimento das normas legais de avaliação do impacto ambiental, a definição do âmbito material dos poderes de fiscalização e, bem assim, a tipificação dos comportamentos infractores e das sanções aplicáveis;

n) A especificação, por razões de segurança e certeza jurídicas e em cumprimento do princípio da legalidade, das condutas ou infracções cujos elementos integradores sejam passíveis de constituir contra-ordenação e, bem assim, a actualização dos montantes mínimos e máximos, actualmente em vigor, das coimas a aplicar, em estreita consonância com os montantes estabelecidos no artigo 17º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 244/95, de 14 de Setembro;

o) A estatuição da possibilidade de o limite máximo do montante da coima a aplicar poder elevar-se até ao montante do benefício económico que o agente da infracção retirou da prática da contra-ordenação, nos termos do disposto no artigo 18º, n.º 2, do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 244/95, de 14 de Setembro.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel