Presidente da Câmara Municipal de Oliveira de Azeméis
Número: 65/A/98
Processo: R-4897/97
Data:26.10.1998
Área: A1

Assunto:SAÚDE – ESTABELECIMENTO PECUÁRIO – PEDIDO DE LEGALIZAÇÃO – OBRIGAÇÃO DE INDEFERIMENTO DA ADMINISTRAÇÃO – MEDIDAS REINTEGRADORAS DOS INTERESSES PÚBLICOS URBANÍSTICOS E AMBIENTAIS.

Sequência: Acatada.

I-Exposição de motivos

1. Em queixa que me foi apresentada contestava-se a omissão pela Câmara Municipal de Oliveira de Azeméis das medidas aptas a restabelecer a legalidade infringida por uma exploração pecuária sita em Valverde, Loureiro, propriedade do Sr. M…, com vista a obter a reintegração dos interesses públicos ambientais e higio-sanitários afectados.

2. Instruído o processo, concluiu-se, com base nos esclarecimentos prestados por V. Exa., que a construção na qual se encontra instalada a vacaria foi objecto de pedido de legalização (art. 167º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 38.382, de 7 de Agosto de 1951), tendo sido fixada como condição do licenciamento ex post a construção de uma fossa e de uma nitreira, por forma a serem satisfeitos os requisitos legais em matéria de salubridade das edificações destinadas a alojamento de animais (arts 118º e 119º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas).

3. Encontra-se, não obstante, suspenso o procedimento de legalização porquanto ao deferimento do pedido se opõe a disciplina contida no art. 61º, n.º 2, Regulamento do Plano Director Municipal de Oliveira de Azeméis, (in Diário da República, 1ª Série-B, n.º 242, de 19.10.1995), que proíbe a a instalação dentro de perímetro urbano de nitreiras e explorações agro-pecuárias, interdição que constitui a Câmara Municipal de Oliveira de Azeméis na obrigação de indeferir o pedido de licenciamento (art. 63º, n.º 1, alínea a), do regime jurídico contido no Decreto-Lei n.º 445/91), sob pena de nulidade do acto legalização por desrespeito do disposto em instrumento de planeamento territorial (art. 52º, n.º 1, alínea b), do mesmo regime).

4. No que concerne às sanções administrativas aplicadas, informou V. Exa. que não havia sido instaurado processo de contra-ordenação pela execução de obra de construção civil sem prévio licenciamento municipal (art. 54º, n.º 1, alínea a), do regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, com a redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de Outubro).

5. Mais revelou a instrução que a vacaria se situa dentro de perímetro urbano, não se encontrando a respectiva exploração habilitada por alvará de licença sanitária em observância das prescrições contidas nas Instruções aprovadas pela Portaria n.º 6065, de 30. III.1929, que sujeita a licenciamento sanitário os estabelecimentos insalubres, incómodos e perigosos situados em cidades, vilas ou áreas urbanizadas.

6. Questionada V. Exa. sobre os motivos que obstavam a que fosse sancionada a conduta ilícita do proprietário, indeferido o pedido de legalização e ordenada a demolição da construção, bem como o encerramento do estabelecimento (art. 58º, n.º 1, do citado regime jurídico relativo ao licenciamento municipal de obras particulares, e art 30º das Instruções, aprovadas pela Portaria n.º 6065), foi referido ter sido o proprietário notificado a fim de apresentar pedido de concessão de alvará de licença sanitária, não pretendendo, contudo a Câmara Municipal de Oliveira de Azeméis indeferir o pedido de legalização das edificações e sancionar a conduta do infractor.

7. Entende V. Exa. obstar à adopção das medidas de reintegração da legalidade infringida o carácter desadequado do regime de interdição de instalações pecuárias no interior de perímetro urbano em face da realidade sócio-económica do concelho, pelo que a eliminação da proibição irá constar de futuro processo de alterações ao Regulamento do Plano Director Municipal de Oliveira de Azeméis, não obstante a pretendida modificação já haver sido rejeitada no âmbito do processo de alterações de âmbito limitado recentemente concluído (art. 20º do Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março, com a redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 155/97, de 24 de Junho).

8. Não me parece, contudo, ser esta a forma legalmente admissível para resolução do problema. Com efeito, a Câmara Municipal de Oliveira de Azeméis renuncia, por esta via, ao exercício das competências de polícia urbanística, renúncia sancionada com a nulidade, de acordo com o regime contido no art. 29º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo, por entender que a disciplina urbanística material, pela qual é a primeira responsável, não se coaduna com a realidade sócio-económica do concelho, “tendo em conta que nalgumas áreas, predominam as explorações agro-pecuárias, sendo a pecuária a actividade principal”.

9. Sem pretender ajuizar das motivações de índole sociológica que motivam a pretendida alteração ao actual regime urbanístico, afigura-se compreensível, numa perspectiva dinâmica do planeamento territorial, que as explorações pecuárias e as nitreiras não devam ser instaladas dentro de perímetro urbano por se afigurarem incompatíveis com a vocação construtiva de tais espaços, em virtude de eventuais prejuízos ambientais decorrentes da respectiva laboração.

10. No caso em análise, o estabelecimento pecuário situa-se em área de transição, a qual é constituída pelos espaços compreendidos entre as áreas centrais de todas as freguesias e os limites dos perímetros urbanos que não estejam incluídos em área de equipamento ou em área de indústria (art. 5º, alínea c), do Regulamento do Plano Director Municipal de Oliveira de Azeméis), o que significa que nela se irão localizar, preferencialmente, edifícios habitacionais, pelo que se justifica a proibição de utilizações incompatíveis com a habitação ou susceptíveis de porem em perigo a segurança e saúde públicas.

11. Se é certo que o princípio da planificação urbanística que impõe a separação das utilizações incompatíveis comporta as limitações inerentes ao facto de o plano se adequar à situação existente no momento da sua entrada em vigor, designadamente à circunstância de já existirem actividades de índole diversa localizadas umas junto das outras (CORREIA, Fernando Alves, O plano urbanístico e o princípio da igualdade, Coimbra, 1989, p. 284, n.195), não pode essa situação inicial postergar o princípio geral, obstando ao correcto desenvolvimento urbanístico de um dado território.

12. Do ponto de vista jurídico não é justificável a omissão das medidas reintegradoras dos interesses públicos urbanísticos e ambientais afectados, pelo que à Câmara Municipal de Oliveira de Azeméis mais não resta que indeferir o pedido de legalização das edificações e ordenar a respectiva demolição.

13. O controlo administrativo da actividade edificatória dos particulares encontra-se sujeito aos condicionalismos legais e regulamentares em vigor no momento da apreciação da pretensão de aproveitamento urbanístico. Não é lícito às câmaras municipais omitirem a decisão que se impõe em face dos requisitos urbanísticos aplicáveis por razões atinentes à validade social de uma determinada norma.

14. Os mecanismos de alteração dos instrumentos de planeamento territorial destinam-se a compatibilizar a disciplina de planeamento “com as mutações entretanto ocorridas nos pressupostos de facto que presidiram à sua elaboração”, por forma a proceder à respectiva actualização (ALMEIDA, António Duarte de, et al., Legislação Fundamental de Direito do Urbanismo, Vol. I, p. 204). Encontram-se ao serviço das mutações dos interesses com reflexo no plano, mas não podem ser utilizados como forma de obviar à disciplina nele contida, relativamente às situações constituídas antes de tal modificação.

15. Não se mostra admissível que a Câmara Municipal a que V. Exa. preside não decida, nos termos a que se acha vinculada, por pretender vir a desencadear um mecanismo de alteração das regras jurídicas que constituem o parâmetro de validade material de tal decisão. Para mais, o sentido da modificação pretendida é, por sua vez, incompatível com o modelo de uso, ocupação e transformação do solo contido no citado instrumento de planeamento territorial que impõe o afastamento das utilizações cujos efeitos se mostrem incompatíveis entre si, em especial, das utilizações susceptíveis de afectar a saúde pública em áreas de vocação habitacional. Mesmo que as instalações em causa não afectem a saúde pública, há sempre uma diminuição das qualidades ambientais.

16. Acresce não ser de verificação necessária o sucesso da pretensão manifestada, porquanto o plano não é livremente modificável por esse órgão autárquico. A demonstrá-lo encontra-se a rejeição da modificação pretendida no anterior processo de alterações, ainda que de âmbito limitado. Por esta razão, também se revela pouco compreensível permitir V. Exa. a lesão dos interesses públicos em presença em razão de um facto futuro e de verificação incerta.

17. Como acima referi, a actuação em causa permite à Câmara Municipal de Oliveira de Azeméis renunciar ao exercício das competências de polícia urbanísticas relativas a edificações ilegais. Nos termos do art. 29º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, a competência é irrenunciável, fundando-se esta regra na necessidade de garantir a prossecução do interesse público que norteou a sua atribuição – legal ou regulamentar – ao órgão em causa.

18. Conforme referem MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA / PEDRO COSTA GONÇALVES / J. PACHECO DE AMORIM “(…) o poder ou competência administrativa conferida para a prossecução das necessidades públicas (que não podem ser objecto de renúncia ou alienação) são sempre objecto de consideração e decisões primárias pela Administração Pública – que foi constitucional e legalmente estruturada em vista disso mesmo. Não pode, pois, a Administração remeter-se para um tribunal ou para um órgão supra-partes – arbitral, por exemplo – para que nele se decida em que sentido deve ser exercida uma competência administrativa. É, aliás, uma exigência nuclear da legalidade administrativa” (Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2ª ed., Coimbra, 1997, p. 192).

19. Deverá V. Exª exercer a competência que lhe é conferida pelos arts. 58º, n.º 1, do regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, e 53º, n.º 2, al. l), do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março, articulada com o poder conferido à Câmara Municipal pelo art. 167º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas.

20. Assim, ao Presidente da Câmara Municipal competirá ordenar a demolição da obra executada sem licença de construção, uma vez que a mesma não é susceptível de vir a satisfazer aos requisitos legais e regulamentares de urbanização, de estética, de salubridade e segurança, no caso, aos condicionalismos urbanísticos atinentes à localização da actividade pretendida.

II-Conclusões

De acordo com o exposto, no uso dos poderes que me são conferidos pelo art. 20º, n.º 1, al. a), do Estatuto do provedor de justiça, aprovado pela Lei n.º 9/91, de 9 de Abril,

RECOMENDO
1º Que V. Exa. indefira o pedido de legalização da edificação, com fundamento em quanto se dispõe no art 63º, n.º 1, alínea a), do regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 445/91.
2º Que V. Exa. ordene a demolição da edificação nos termos do disposto no art. 58º, n.º 1, do regime jurídico citado, e do art. 53º, n.º 2, al. l), do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março, cumprindo o procedimento estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 92/95, de 9 de Maio.
3º Que a Câmara Municipal de Oliveira de Azeméis instaure ao proprietário infractor processo de contra-ordenação pela prática do ilícito previsto no art. 54º, n.º 1, alínea a), do regime jurídico relativo ao licenciamento municipal de obras particulares.

Recordo, por fim, a V. Exª o dever contido no art. 38º, n.º 2, do referido Estatuto do provedor de justiça, para o qual me permito pedir a melhor atenção.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel