Directora Regional de Saúde
Número:51/A/98
Processo:R-300/97
Data:12.08.1998

Assunto:SAÚDE – DESLOCAÇÃO DE DOENTE – TRATAMENTO – PAGAMENTO – REQUISITOS – SISTEMA REGIONAL DE SAÚDE.

Sequência:Acatada

I-Exposição de Motivos

-A Reclamação-

1. Em …, foi aberto processo neste Órgão do Estado (Extensão da Região Autónoma dos Açores) em virtude de reclamação relativa ao indeferimento do pedido de pagamento das deslocações à Maternidade Dr. Alfredo da Costa, em Lisboa, da Senhora … .

2. Nos termos da queixa, a interessada consultou anualmente, durante cerca de doze anos, um médico em hospital fora da Região Autónoma dos Açores. Estas deslocações, propostas pelo Centro de Saúde de Velas, foram sendo autorizadas.

3. Em 29/06/94, a Senhora… foi submetida a intervenção cirúrgica.

4. Não obstante pretender que a necessária vigilância oncológica (de regularidade semestral) fosse realizada pelo especialista que vinha assegurando o tratamento, as solicitações nesse sentido foram indeferidas.

5. A coberto do ofício n.º …, foram solicitadas informações sobre ao Gabinete de Sua Excelência o Secretário Regional da Educação e Assuntos Sociais. A resposta, prestada através do ofício n.º …, da Direcção Regional de Saúde, esclarece que
“(…) de acordo com a informação entretanto recebida do Conselho de Administração do Hospital de Angra do Heroísmo, a decisão tomada relativamente ao processo de deslocação ao Continente da M… se fundamentou no facto da doente poder ser enviada a uma consulta de Ginecologia daquele estabelecimento hospitalar.

Tal decisão cumpre o estipulado na legislação sobre a matéria e enquadra-se no espírito da orientação perfilhada por esta Direcção Regional, designadamente fazendo intervir exaustivamente os recursos humanos e técnicos regionais, se competentes para o efeito, antes de procurar resposta noutros sistemas de saúde exteriores, rentabilizando deste modo recursos e investimentos e racionalizando custos”.

6. Como se verá, este entendimento – na parte em que afirma estar a ser cumprida a legislação sobre a matéria – não é correcto. Com efeito, e como também irei demonstrar, a decisão de não autorizar a deslocação da Senhora … para unidade de saúde fora da Região Autónoma dos Açores viola a disciplina contida na Circular Normativa n.º 13, de 29/11/96, da própria Direcção Regional de Saúde.

7. A coberto do ofício n.º …, foram solicitados a V.Exa. esclarecimentos sobre a compatibilização do procedimento de acompanhamento dos doentes com a disciplina constante do n.º 2 da Resolução da Assembleia Legislativa Regional n.º 11/96/A, de 23 de Julho, bem como sobre a continuação em vigor da circular normativa n.º 22, de 27 de Novembro de 1995.
8. Em resposta (cfr. ofício n.º …) foi remetida a este Órgão do Estado Estado (Extensão da Região Autónoma dos Açores) cópia da Informação n.º …, e do parecer dado sobre esta, em …. Em síntese, a informação – após diversas considerações sobre a disciplina contida nas circulares normativas n.º 22, de 17/11/95 e n.º 13, de 29/11/96 – ponderou que “(…) do ponto de vista do direito que está constituído e que rege estas situações a utente “administrativamente”, tem direito a continuar a ser seguida pelo seu médico assistente em Lisboa uma vez que à data da publicação da Portaria n.º 68/94, de 2 de Dezembro se encontrava já referenciada a um determinado serviço de saúde do Continente”.

-O Direito-

9. O “Regulamento de deslocação de doentes na Região Autónoma dos Açores, para o Continete e para o Estrangeiro” foi aprovado em anexo à Portaria n.º 68/94, de 2 de Dezembro. Nos termos das suas disposições, quando se verifique a inexistência de meios técnicos ou humanos adequados à assistência médica necessária, pode verificar-se a deslocação de doentes na Região Autónoma dos Açores, para o continente ou para o estrangeiro, a coberto do Sistema Regional de Saúde.

10. Não obstante, apenas são permitidas deslocações à clínica privada não convencionada quando se verifique ausência dos recursos técnicos necessários na rede de serviços pública e convencionada (vide art. 1º, n.º 6, do anexo à Portaria n.º 68/94, de 2 de Dezembro).

11. A Assembleia Legislativa Regional dos Açores aprovou, em 22/05/96, uma Resolução que veio a ser publicada sob o número 11/96/A, em 23/07/96, que resolve que o Governo Regional continue a fazer cumprir o regime previsto na Portaria n.º 68/94, de 2 de Dezembro, bem como na circular normativa n.º 22, de 27 de Novembro de 1995. A Resolução dispõe, no ponto 2: “que os doentes com tratamentos em curso, aquando da entrada em vigor do novo regulamento da deslocação de doentes, quer na Região, quer no continente, possam continuar os seus tratamentos nas unidades de saúde que lhes vinham prestando a referida a assistência”.

12. Por seu turno, a circular normativa n.º 13, de 29 de Novembro de 1996, da Direcção Regional de Saúde, manda cumprir o estabelecido na Resolução da Assembleia Legislativa Regional n.º 11/96/A, a qual – importa recordar – estabelece “que os doentes com tratamentos em curso, aquando da entrada em vigor do novo regulamento da deslocação de doentes, quer na Região, quer no continente, possam continuar os seus tratamentos nas unidades de saúde que lhes vinham prestando a referida a assistência”.

13. Não é controvertido que a senhora D. M… vinha sendo seguida desde há cerca de doze anos em hospital fora da Região Autónoma dos Açores e que – apesar ter sido submetida a intervenção cirúrgica em 29/06/94 – subsiste a necessidade de acompanhamento médico.

14. Tanto basta para dar como preenchido o pressuposto da circular normativa n.º 13, de 29 de Novembro de 1996, e pretender que a necessária vigilância oncológica (de regularidade semestral) seja realizada pelo especialista que vinha assegurando o tratamento antes da data da publicação da Portaria n.º 68/94, de 2 de Dezembro.

15. Face a esta conclusão, não se alcança, nem a utilização da expressão a utente “administrativamente” tem direito, nem o sentido do parecer dado na Informação n.º 98313.34I, do senhor Director de Serviços de Saúde Pública. Com efeito, o que importava apurar era, tão somente, se o Sistema Regional de Saúde deveria custear as deslocações da Senhora … à Maternidade Dr. Alfredo da Costa, em Lisboa. A resposta (sem dúvida afirmativa) deveria ter levado a que a Administração Regional imediatamente diligenciasse nesse sentido.

16. Por outro lado, apesar da afirmação “Confirmo e Concordo com o teor desta Informação”, o senhor Director de Serviços de Saúde Pública prosseguiu numa linha argumentativa contrária aos seus; e concluiu do modo que segue:
“1.A Junta Médica competente nunca indeferiu a deslocação a Lisboa da utente mencionada;
2. Pugnou, correctamente, pela rentabilização dos recursos humanos e técnicos do(s) Hospital(ais) da Região;
3. A utente não compareceu às consultas programadas, não podendo concluir-se que o comparecer às mesmas fosse considerar como indeferida a autorização de deslocação;
4. Poder-se-à, sim, concluir, que a utente voluntariamente, abdicou da acessibilidade aos recursos disponíveis e programados na rede oficial (pública) de prestação de cuidados, e optou livremente por recorrer à prestação de cuidados em clínica privada, fora da Região”.

17. Na verdade, está em causa um parecer dado em sentido contrário à informação que o deveria sustentar. E atendendo a que aquele parecer começa por afirmar “Confirmo e Concordo com o teor desta Informação” está-se perante motivação contraditória: a conclusão não se conjuga, de modo lógico, com os motivos para ela invocados.

18. Mas o que o mencionado parecer põe relevantemente em causa é, primeiramente, a própria disciplina da circular normativa n.º 13, de 29 de Novembro de 1996, da Direcção Regional de Saúde. O que equivale a dizer que o senhor Director de Serviços de Saúde Pública, não concordando com a orientação propugnada na circular normativa, defende que se deve rentabilizar dos recursos dos hospitais da Região Autónoma dos Açores.

19. As considerações do senhor Director de Serviços de Saúde Pública não são razões suficientes para justificar o indeferimento do pedido de deslocação a Lisboa. Porque, note-se, o que aqui está em causa é um efectivo indeferimento. Obviamente que a Senhora … – ou qualquer outro interessado – pode voluntariamente (na expressão do parecer citado) deslocar-se a uma unidade de saúde fora da Região Autónoma dos Açores. O que individualiza a situação da Senhora … é beneficiar do direito de deslocação para o continente, a coberto do Sistema Regional de Saúde, para prosseguimento do tratamento em curso. A questão que aqui nos ocupa é – repito -, tão somente, a do pagamento das despesas que essa deslocação implica; e é a sua omissão que constituiu, na prática, um indeferimento.

20. Face ao exposto, é incontroverso que se torna desnecessária – senão desproporcionada – a intervenção da Junta Médica no presente processo. Com efeito, não há lugar a qualquer apreciação discricionária sobre o mérito da deslocação. Apenas deve ser averiguado – e, para tal, não parece ser imprescindível a participação de junta médica – o decurso de tratamento médico fora da Região Autónoma dos Açores à data da publicação da Portaria n.º 68/94, de 2 de Dezembro.

21. Da ponderação de todos estes elementos – e sem necessidade de outros desenvolvimentos dada a linearidade dos termos da circular normativa n.º 13, de 29 de Novembro de 1996 – não pode deixar de emergir um juízo de procedência do pedido da Senhora …: o Sistema Regional de Saúde deve suportar as despesas realizadas com o prosseguimento dos tratamentos realizados fora da Região Autónoma dos Açores.

22. Clarificada a questão principal, impõe-se agora salientar que a posição sustentada pelo senhor Director de Serviços de Saúde Pública não obtém vencimento através da marcação de consultas ou da sujeição dos utentes a juntas médicas. A solução, no caso de se pretender lançar mão daquela tese, está na alteração (ou revogação) da circular normativa n.º 13, de 29 de Novembro de 1996.

23. O que não pode deixar de se estranhar é que uma disposição normativa proveniente da Direcção Regional de Saúde não tenha aplicação pelos seus próprios serviços, não porque o seu conteúdo seja inintelegível, mas porque os respectivos agentes não concordam com o seu teor.

II-Conclusões

24. Pelas razões que deixei expostas e no exercício do poder que me é conferido pelo disposto no art. 20º, n.º 1, alínea a), da Lei 9/91, de 9 de Abril,RECOMENDO:

A)Que reconheça o direito da Senhora … de deslocação para o continente, a coberto do Sistema Regional de Saúde, para prosseguimento do tratamento em curso;
B) Que dê imediato conhecimento à interessada da possibilidade de deslocação, bem como dos procedimentos que deve assegurar para beneficiar daquele direito de deslocação;
C) Que custeie as despesas já realizadas.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel